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O álbum e a crítica em Portugal

Carina Rodrigues Universidade de Aveiro

Se lembrarmos o notório desenvolvimento que o álbum ilustrado para a infância conheceu na Europa e nos Estados-Unidos, logo a partir das décadas de 50 e 60 do século XX, reconhe- cemos que só tardia e timidamente se exprimiu entre nós, permanecendo «um dos segmentos de mercado e/ou um dos âmbitos estético-literários mais deficitários da edição de autoria por- tuguesa» (Silva, 2008: s. p.). A persistência da investigação levada a cabo no estrangeiro, no- meadamente nos Estados-Unidos, em Inglaterra, em França ou até em Espanha, tão-pouco teve os necessários reflexos no panorama investigativo e acadêmico português, sendo sistematica- mente preterida em função de outras áreas dos estudos literários.

No âmbito internacional, as aproximações ao estudo do álbum desenvolvem-se, generica- mente, em torno da análise textual, com base na teoria literária; da análise da imagem, a partir da crítica da Arte, explorando-se, entre outras, questões ligadas ao design artístico e à literacia visual; do processo interpretativo e do pacto de leitura que com ele se celebra (tendo sempre pre- sente a relação texto/imagem); e, finalmente, dos seus teores analítico e ideológico/ “pleonástico”. Em Portugal, embora sejam ainda insuficientes os estudos granjeados nesta esfera da crítica e da investigação, encontram-se, já, algumas análises pertinentes, e que resultam, fundamental- mente, de recensões críticas, ensaios e artigos científicos variados, integrados em publicações periódicas (em revistas e, mais esporadicamente, em jornais), em actas de congressos ou em mo- nografias que possuem como denominador comum a literatura para a infância. Recorde-se que estes trabalhos têm sobretudo surgido da mão de um grupo ainda restrito de críticos literários da área do jornalismo, como é o caso de Rita Pimenta e Sara Figueiredo Costa, e de académi- cos, ligados, na sua grande maioria, à formação inicial de educadores/professores, dos quais avul- tam, com maior ou menor assiduidade, os casos de José António Gomes, Ana Margarida Ramos, Sara Reis da Silva, Teresa Mergulhão, Leonor Riscado, Manuel Jorge Carvalho, entre outros.

Uma das figuras precursoras, no âmbito das abordagens teórico-críticas sobre o álbum em Portugal, foi José António Gomes, que, em 2003, divulgou, no número 12 da revista Malasar-

tes, um estudo intitulado «O conto em forma(to) de álbum: primeiras aproximações» (Gomes,

texto luso, servindo, ainda hoje, de referência a muitas das reflexões desenvolvidas no nosso pa- norama investigativo. Saliente-se que o referido número da revista, especialmente dedicado ao álbum narrativo para a infância, incluía ainda, entre outros artigos, uma relevante e aprofundada análise da relação pictórico-verbal de duas notáveis traduções, assinada por Sara Reis da Silva.

Desde então, e com especial incidência nos últimos anos, associados, em larga medida, ao aumento da produção, à importância atribuída de forma cada vez mais evidente às componen- tes ilustrativa e paratextual e ao seu estatuto nos livros para crianças, bem como o número cres- cente de parcerias entre autores e ilustradores consagrados do panorama literário português para a infância, foram surgindo outros relevantes contributos.

Um dos nomes mais sonantes no âmbito investigativo português sobre o álbum, e particu- larmente digno de menção pelo número e pela qualidade das suas publicações, é Ana Marga- rida Ramos. A par de outros estudos divulgados, de forma mais ou menos dispersa, no domínio da teorização e análise em literatura infantil e juvenil, a investigadora é ainda autora de duas obras imprescindíveis ao estudo do género editorial em apreço, nomeadamente os volumes Li-

vros de Palmo e Meio – Reflexões sobre Literatura para a Infância, editado, em 2007, pela Cami-

nho (Ramos, 2007) e Literatura para a infância e ilustração – Leituras em diálogo, publicado, ainda no presente ano, sob a chancela da Tropelias & Companhia (Ramos, 2010). Duas colec- tâneas de artigos diversos (estudos e recensões), que abordam não só os desenvolvimentos e as tendências mais recentes do universo literário português para crianças, como oferecem igual- mente outras reflexões de particular relevância na análise da componente pictórica e das relações texto/imagem no álbum de recepção infantil.

A testemunhar, igualmente, a atenção que ultimamente se tem dispensado, em Portugal, a este segmento da produção literária para os mais novos, destaca-se a criação de cursos de for- mação pós-graduada em edição e/ou em literatura e ilustração para a infância, a dedicar muitos dos seus programas à análise deste tipo de publicação, para além da consequente proliferação de projectos de investigação desenvolvidos no âmbito de estudos académicos como em Mestrados e Doutoramentos (alguns em elaboração). Veja-se, ainda, a realização, cada vez mais frequente, de reuniões e conferências internacionais com destaques nesta área específica, o aparecimento de um número considerável de livrarias (“Aqui há gato”, em Santarém; “Histórias com bicho”, em Óbidos; ou “Salta-folhinhas” e “Index”, no Porto) e editoras especializadas em literatura in- fanto-juvenil e com presença assídua do segmento álbum (“Bruaá”; “Gatafunho”; “Bichinho de conto”; “Kalandraka”; “OQO”; “Planeta Tangerina”; ou “Orfeu Mini”). Merece igual- mente referência a atribuição frequente de menções e prémios a ilustrações de um número cres- cente de obras de referência, assim como a sua selecção para importantes exposições nacionais e internacionais. Finalmente, assinale-se a multiplicação de suportes electrónicos: de sites (de que é exemplo o portal Gulbenkian – Casa da Leitura, que, além da disponibilização de recen- sões de álbuns nacionais e estrangeiros, oferece uma pluralidade de textos críticos em vários do- mínios da produção literária para a infância), de blogs (como Letra Pequena, Bruaá, Livro Infantil,

O Bicho dos Livros, A Inocência Recompensada, O Jardim Assombrado, Ilustrasim, Palavras, Ima- gens e Etc., entre outros), e, até, de revistas electrónicas (como é o caso da revista e-fabulation)

de divulgação e crítica de livros para crianças.

Sem menosprezar a qualidade e o rigor das duas únicas revistas portuguesas especializadas em literatura infantil e juvenil, e que têm conferido, já, por diversas ocasiões, uma atenção especial a este tipo de publicação e ao estatuto da imagem nos livros vocacionados para os mais novos – a revista Malasartes [Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude] e o Boletim do CRI-

LIJ –, pesa reconhecer, contudo, a inexistência de outras publicações periódicas exclusivamente

Referências bibliográficas

Gomes, José António (2003), “O Conto em Forma(to) de Álbum: Primeiras Aproximações”,

in Gomes, J. A. (Org.). Malasartes [Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude], n.º 12, novembro de 2003, Porto: Campo das Letras, pp. 3-6.

Ramos, Ana Margarida (2007), Livros de Palmo e Meio – Reflexões sobre Literatura para a In-

fância. Lisboa: Caminho.

_____ (2010), Literatura para a infância e ilustração – Leituras em diálogo. Porto: Tropelias &

Companhia.

Silva, Sara Reis da (2008), “O caso da editora Bruaá – Caminhos e atalhos da edição para a in-

fancia em Portugal”, [Em linha], in Primeiro de Janeiro, 21 de Julho de 2008, disponível em www: <http://bruaa-editora.blogspot.com/2008/07/o-caso-da-editora-brua- caminhos-e.html>.