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3. A Linguagem de Luciano Berio

3.3. O Alargamento do contexto musical

No contexto musical, o recurso a nuvens de sons que enfatizam e manipulam o timbre são um dos elementos recorrentes. Isto é evidente em obras como a Sequenza VII onde ocorre uma variação a partir do uníssono. Na Sequenza V a comparação do timbre da

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voz e do trombone são explorados em conjunto, e na Sequenza II a textura dos grupos cria a variedade e a estrutura musical. Em cada um destes instantes, o ritmo e a altura são elementos tão significantes que o timbre e a justaposição de texturas contrastantes são facilitados pelas alturas e ritmo.

Outro notório contributo de Berio foi a expansão do contexto musical e a integração de fontes texto-linguísticos e de outras fontes não musicais, como os casos das Sequenza

III e V. A fragmentação do texto dilui as relações tradicionais entre este e a música, por

meio do recurso ao canto falado em que o cantor parece perverter o sentido textual e semântico. A reinterpretação do texto de Berio tem resultados evidentes numa nova forma expressão musical, onde não só o texto, mas também as fontes linguísticas se destacam. Ambos os elementos foram meios de suporte importantes no trabalho desenvolvido pelo nosso compositor. Um exemplo do uso destes recursos por parte de Berio pode ser encontrado na Sequenza V onde ele faz dos elementos em causa, no caso concreto a sequência de vogais, expedientes de manipulação que justificam a integração da palavra "why".

Já nas Sequenza III e V, os efeitos teatrais são descartados o que contribuiu para o alargamento do conteúdo musical. Por exemplo, na Sequenza V, o teatro tem um papel importante porque a obra descreve a rotina cómica do palhaço através da mistura de fontes linguísticas e de expressões musicais complexas.

Dado este posicionamento da linguagem na obra, onde também se encerra o diálogo e a virtuosidade, podemos aferir a ideia de que os elementos não musicais têm tanto significado como os recursos musicais.

O uso de novos modos de produção sonora por parte de Berio tem um impacto muito visível ao nível da notação musical. As técnicas não usuais a que ele recorre requerem instruções e meios simbólicos de comunicação do compositor para com o intérprete, de tal modo que, no caso das Sequenza, a notação se torna altamente não convencional e revela novos símbolos, muitos deles inventados.

De um modo geral, Berio emprega símbolos que sugerem imediatamente o desejo de uma ação musical (Sequenzas II e III) como podemos observar a partir da Sequenza VII,

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onde, nas ausências ocasionais de qualquer instrução para os símbolos, o intérprete é convidado a promover, através da sua própria inspiração, sons.

Figura 2: As palavras “nervous” e “tense” sugerem uma ação imediata e precipitada, Universal Edition.

As inovações de notação de Berio vão para além da representação de técnicas pouco usuais, já que ele se serve da notação proporcional e da apresentação de unidades rítmicas em novos contextos, favorecendo também, como já vimos por diversas vezes, o elemento de liberdade do intérprete. Na Sequenza II, os acidentes são usados imediatamente depois do uso do pedal, enquanto que, na Sequenza III, a notação de alturas é manipulada pela variedade de linhas nas pautas (visíveis na figura 2, mudança de uma para quatro linhas). Aqui, Berio utiliza palavras emocionais e não tanto as expressões comuns para descrever as ações musicais (Priore, 2007).

Na Sequenza IV, destaca-se a utilização de notas com pequenas ou grandes cabeças para figuras contrastantes. Nesta obra, Berio emprega formas de notação coreografada para determinar a execução e usa números com vista a estabelecer um elo de ligação às expressões comuns. Cada instante de notação é uma reflexão direta da sua natureza, cada instante é uma representação visual da mesma. As inovações de notação, que a transportam para o contexto de fenómeno abstrato como técnicas, devem permitir que o executante se aproxime e apresente a obra. A notação é assim desenhada para assistir o intérprete (Rigoni, 1989).

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Figura 3: A dimensão da cabeça das figuras distingue passagens contrastantes, Universal Edition.

Ao longo das Sequenza, o uso de ritmos aperiódicos que envolvem oscilações rápidas entre frases ativas e ritmos sustentados contrastantes é muito comum, e esta frequência é encontrada ao longo do uso de três modelos rítmicos básicos: notas muito curtas, notas longas e sustentadas, e passagens de notas curtas. Estes três tipos são apresentados de forma variada por contraste: na Sequenza IV, o longo decay com efeitos de pedal usados em sons sustentados; na Sequenza VI, em que as várias notas sustentadas são alternadas com trémulos e com rápidas figurações de natureza linear. Esta relação é vincada através da unidade das alturas entre os acordes do trémulo e as passagens rápidas. Estes modelos não são a única forma de atividade rítmica que ocorre nas Sequenza. Eles representam polaridades de tipos consistentes que são usados como geradores de atividade musical e em obras cujo tempo não possui uma forma métrica absoluta.

Nas Sequenza III e V, os três modelos que frequentemente se utilizam com vista à elaboração de figuras rítmicas subsequentes nem sempre são exatamente semelhantes ao modelo original. A integração das ideias rítmicas de Berio é visível no modo como uma ideia rítmica simples, como a de duas semicolcheias, por exemplo, é usada em diversos tipos de transmutações, afirmando-se como uma figura unificadora (Priore, 2007).

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