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O alcance das normas gerais de direito tributário

1.5 Função da Lei Complementar

1.5.5 O alcance das normas gerais de direito tributário

Como dantes tantas vezes afirmado, a ausência de conteúdo semântico a expressão “norma gerais” atrelada a atribuição de três funções para a lei complementar (cada qual disposta em um dos incisos do artigo 146 da Carta Constitucional), impõe ofensa aos princípios Federativo e da Autonomia dos Municípios.

No entendimento da corrente dicotômica, a melhor intelecção do artigo 146 é aquela que determina, precisamente, o conteúdo semântico da expressão “normas gerais de direito tributário”, atribuindo-lhe duas funções: (i) dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes; e (ii) regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Assim, conquanto não seja essa a interpretação que depreendemos da literalidade do texto do artigo 146 da Constituição Federal de 1988 é, segundo essa corrente, a mais adequada, eis que tomada em consonância com os princípios e diretrizes vigentes no sistema jurídico pátrio.

Por outro lado, ao atribuirmos um conteúdo semântico para o termo “normas gerais”, delimitando o seu alcance, a dicção do artigo 146 deverá ser compatibilizada com texto constitucional.

Preliminarmente, faz-se necessária a investigação do termo “normas gerais”. Temos que as normas poderão ser consideradas gerais em relação ao seu conteúdo ou ainda em função da pluralidade de seus destinatários.

Tomada na primeira acepção a norma geral poderá veicular matéria de conteúdo geral, não específico. A princípio a definição parece redundante, contudo, a generalidade da matéria é condição necessária para que as leis complementares não invadam a competência dos entes federados, extravasando a competência que lhe foi constitucionalmente atribuída.

56 Resta claro que quanto ao conteúdo, não poderá a legislação complementar descer a minúcias que pertençam à esfera de competência de outros entes, devendo se limitar a traçar linhas para que o direito tributário seja criado de forma homogênea por todos os entes tributantes.

Assim, a generalidade no conteúdo das normas gerais é o que atribui uniformidade ao sistema tributário, sem desrespeitar os princípios Federativo e da Autonomia dos Municípios.

Neste aspecto, insta frisar que extrapolando a sua competência, a lei complementar estará sujeita à revisão pelo Poder Judiciário, visto que, como qualquer outra norma, apenas poderá atuar dentro dos limites impostos pela Constituição Federal. Aqui, vale lembrar que o exercício de qualquer competência poderá ser realizado fora dos limites constitucionais previstos, merecendo correção pelo Poder Judiciário.

Quanto aos destinatários, as normas são consideradas gerais se possuírem multiplicidade de destinatários. Contudo, poderão ser consideradas gerais as normas que se destinarem a apenas um ente federado, como por exemplo, os Municípios. Verifica-se que as normas gerais não perdem seu caráter geral quando se destinam apenas a uma esfera política, mas que o mesmo não ocorre, quando veicula matéria especifica.

Nota-se que a Lei Complementar n. 116/2003 ao estabelecer a lista de serviços anexa, nada mais fez que uniformizar o sistema tributário, trazendo segurança jurídica. Não poderia o Município ficar livre para definir o que é ou não prestação de serviço capaz de gerar a tributação pelo ISS. Dessa forma, se o contribuinte mudar de domicilio saberá que deverá recolher imposto sobre a mesma prestação de serviços. Neste caso, a Lei Complementar n. 116/2003, traz normas gerais que se destinam não a todos os entes da Federação, mas a todos os Municípios e visa evitar conflitos de competência entre estes e os Estados, Distrito Federal e União.

Diante do exposto, impossível discordar da interpretação proposta por Frederico Araújo Seabra de Moura,50 no que tange a função precípua da lei complementar como sendo de harmonizar o sistema tributário brasileiro. Importante lembrar que a lei complementar sempre possuirá essa função, a qual poderá ser combinada ou não com a função de dirimir conflitos de competência ou de limitar o poder de tributar.

50

O autor propõe a adoção da corrente tricotômica, porém atribuindo um conteúdo semântico as “normas gerais” qual seja, a função precípua de uniformização, racionalização e homogeneidade do sistema tributário (MOURA, Frederico Araújo Seabra de. Lei

57 Vale lembrar ainda, que as normas gerais possuem a função remanescente de (i) dirimir conflitos de competência e (ii) limitar o poder de tributar. Em outras palavras, ora a norma geral possuirá função exclusiva de uniformizar o sistema tributário e ora, além dessa função, possuirá também o condão de evitar conflitos de competência e limitar o poder de tributar.

Frise-se que para o presente estudo é de fundamental importância a função da lei complementar que visa impedir o conflito de competência entre os entes tributantes.

Não restam dúvidas que a Lei Complementar n. 116/2003 é norma geral que possui a função precípua de homogeneizar a instituição de tributos realizada pelos Municípios. Como dantes demonstrado, impossível seria conviver com a situação de diversos prazos constitucionais estabelecidos por cada um dos milhares de Municípios. Definitivamente, o caos se instalaria.

Outrossim, tal norma possui a função de dirimir conflitos de competência entre os entes federados. Em tese, em razão da rígida repartição de competências imposta pela Constituição Federal não permite que conflitos de competência se instalem. Contudo a vaguidade de alguns termos utilizados, geram dúvidas na interpretação elaborada pelos entes federados, cabendo à lei complementar essa função de esclarecer a mensagem constitucional.

1.5.6 Conclusão

Ao ensejo deste item, chegamos às seguintes conclusões:

(i) a Constituição Federal de 1988 adveio sob os mesmos fundamentos daqueles aplicáveis à Constituição Federal de 1967, de forma que as discussões sobre a função da lei complementar ali iniciada é totalmente atual;

(ii) há hierarquia entre as normas, apenas quando uma retira o seu fundamento de validade da outra;

(iii) não há dúvidas sobre a existência de hierarquia entre a Constituição Federal e lei complementar, uma vez que aquela determina não apenas a forma como esta deve ser produzida, mas também o seu conteúdo;

(iv) a melhor interpretação para o artigo 146 da CF/1988 é que a atribuição de um conteúdo semântico ao termo “normas gerais” de forma a preservar os Princípios Federativos e da Autonomia dos Municípios;

58 (v) a lei complementar possui a função de uniformizar, homogeneizar o sistema tributário, impedindo a instalação do caos;

(vi) cabe, da mesma forma, à lei complementar, dispor sobre conflitos de competência e regulamentar as limitações constitucionais ao poder de tributar; e

(vii) extrapolando os limites da competência a ela atribuída e, consequentemente, invadindo a competência constitucionalmente atribuída aos demais entes federados, estará a lei complementar sujeita à revisão pelo Poder Judiciário.

Corroborando o acima exposto, assevera Cleber Giardino:51

“[...] mesmo quando o conteúdo de especial competência da lei complementar (por exemplo, a de dispor sobre conflitos de competência tributária – art. 18, § 1º) consagra certa margem de liberdade legislativa para versar tema fundamentalmente constitucional, ainda assim a disciplina instituída só será regular (e constitucional) se compatível com os vetores, os nortes, ou as indicações emergentes do Texto Supremo. Há, no caso, liberdade relativa do legislador, nos sentido de ser-lhe possível atuar nos desvãos duvidosos ou obscuros da Constituição, mas sempre sob

a condição de realizar os princípios que a norma constitucional (obscura ou

duvidosa) certamente afirma. Do contrário, agirá inconstitucionalmente; e sua obra estará inexoravelmente perdida.” (Grifo consta do original.)

Assim, será válida a lei complementar se observadas as normas superiores do sistema em relação a sua forma e conteúdo.

51

GIARDINO, Cleber. ISS – Competência municipal. Revista de Direito Tributário 32, p. 221. (Vale lembrar que tal artigo foi redigido sob a égide da Constituição Federal de 1967, por isso a menção ao art. 18.)

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CAPÍTULO 2

REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA

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