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O alojamento local na legislação portuguesa

Capítulo III – O Alojamento Local em Portugal e Espanha

3.1. O alojamento local na legislação portuguesa

O arrendamento de curta duração explodiu com o surgimento das plataformas digitais, mas é uma atividade já antiga. Antes destas plataformas esta atividade localizava- se em áreas de carácter sazonal como nas praias ou termas. Atualmente, as inovações tecnológicas mudaram a face do arrendamento turístico e este deixa de ser local e informal, adquirindo uma dimensão internacional e expandindo-se para os centros urbanos, nomeadamente, os centros históricos. Estipulou-se pela primeira vez na legislação portuguesa com o Código Civil de 1966 com os denominados arrendamentos de vilegiatura que regulavam os contratos de curta duração (Garcia, 2017).

A natureza inovadora do alojamento turístico associado às plataformas digitais significa que surgiu sem qualquer regulamentação. Este vazio legal associado à rápida expansão desta atividade suscitou a primeira legislação específica em 2014 que definiu o regime jurídico para o alojamento local. (Messias, 2017).

Figura 21–Evolução legislativa do alojamento local em Portugal Fonte: Elaboração própria a partir da legislação

O marco regulatório para o alojamento local (AL) foi definido em 2014, em Portugal, através do Decreto-Lei n.º 128/2014 de 29 de agosto. Neste documento legal estabelece-se o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local. Contudo, as suas origens remontam ao Decreto-Lei n.º 39/2008 de 7 de março.

No Decreto-Lei n.º 39/2008, constitui-se a figura do alojamento local como complementar à figura dos empreendimentos turísticos, em função da sua natureza residual à data desta lei. Incluíram-se aqui as pensões, os motéis, albergarias e estalagens como forma de evitar o seu encerramento, visto que já não conformavam com o novo regime jurídico dos empreendimentos turísticos.

DL n.º 39/2008 •Criação da figura do alojamento local DL n.º 128/2014 • Regime jurídico próprio DL n.º 63/2015 • Pequenas modificações ao regime vigente Lei n.º 62/2018 • Reforma do regime jurídico

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A proliferação dos alojamentos turísticos no país solicitou a criação de um regime jurídico próprio, consagrado no Decreto-Lei n.º 128/2014. Este põe fim à natureza residual do alojamento local e eleva-o a categoria autónoma, em função da importância que assume no setor turístico.

Este decreto apresenta a seguinte definição para alojamento local:

«estabelecimentos de alojamento local» aqueles que prestam serviços de alojamento temporários a turistas, mediante renumeração, e que reúnam os requisitos previstos no presente decreto-lei (artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 128/2014).

São definidas três modalidades possíveis para um estabelecimento de AL:

• Moradia: Unidade de alojamento constituída por um edifício autónomo, de carácter unifamiliar (artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 128/2014).

• Apartamento: Unidade de alojamento composta por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente (artigo 3º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 128/2014).

• Estabelecimentos de Hospedagem: O estabelecimento de alojamento local cujas unidades de alojamento são constituídas por quartos (artigo 3º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 128/2014,). Mediante o cumprimento de requisitos adicionais17, pode ser utilizada a denominação hostel (artigo 3º, n.º 5, Decreto-lei nº 128/2014). Estes estabelecimentos estão obrigados a afixar uma placa identificativa no exterior da propriedade.

O regulamento fixado é bastante favorável para os exploradores desta atividade, tendo em conta que os requisitos estipulados são simples e fáceis de cumprir. O registo de um estabelecimento de AL é exemplificativo, sendo necessária apenas a comunicação prévia ao Presidente da Câmara Municipal respetivo para entrar em atividade. O empreendimento turístico fica automaticamente registado no Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL). Também o regime fiscal era favorável, com um coeficiente de IRS de 15% sobre os rendimentos obtidos da exploração de um apartamento ou moradia. Em finais de 2016, aumentou para 35%, uma carga fiscal mais aproximada que a incidente sobre o arrendamento até então (Santos, 2016; Messias, 2017). E as restrições à concentração da atividade em um edifício residencial são quase nulas. Apenas é fixado

17Um hostel é uma unidade de alojamento baseada no dormitório e cada dormitório deve ter no mínimo

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um limite máximo de 9 estabelecimentos de AL (na modalidade apartamento) por proprietário, num edifício (artigo 11º do Decreto-Lei n.º 128/2014).

A primeira alteração ao AL, ainda que pequena, ocorre com o Decreto-Lei n.º 63/2015 de 23 de abril. Esta figura jurídica precisa alguns aspetos do regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local. A alteração mais relevante centra- se na modificação das restrições à concentração da atividade num edifício. Um proprietário passa a estar limitado a 75% das frações existentes no prédio para exploração do alojamento local, em comparação com as anteriores 9.

A grande alteração à legislação referente ao alojamento local surge com a Lei n. º 62/2018 de 22 de agosto. Em face de crescente contestação política e social (Rodrigues de Almeida, 2017), a Assembleia da República reformula o regime jurídico do AL. São reforçados os poderes das câmaras municipais e dos condomínios, criando mecanismos de controlo do alojamento turístico e são apertados os requisitos para desempenhar atividade neste setor.

As autarquias têm agora à sua disposição a possibilidade de delimitar áreas de contenção para limitar o número de registos e até à criação destas podem suspender o registo de novos estabelecimentos nestas áreas, durante o período de um ano. O objetivo declarado deste mecanismo é “preservar a realidade social dos bairros e lugares” (artigo 15º-A, n.º 1, da Lei n.º 62/2018). E também ganham a capacidade de se oporem a novos registos, mas mantém-se a mera comunicação prévia para início de atividade. (Patrício, 2018; artigo 15º-A, n.º 5, da Lei n.º 62/2018).

Os condomínios assumem também um papel relevante na gestão do alojamento local. Os hostels passam a necessitar de autorização dos condomínios para a sua instalação e exploração em prédios que exista habitação. Igualmente, um condomínio pode ditar o encerramento de um estabelecimento de alojamento local, caso este revele- se um constrangimento constante para o funcionamento normal do prédio. Este tipo de medida está, no entanto, pendente de aprovação camarária. E estes poderão ainda cobrar um valor adicional aos proprietários de AL para compensar a utilização acrescida das partes comuns (Patrício, 2018; artigo 4º, n.º 4, artigo 9º, n.º 2 & artigo 20.º-A da Lei n.º 62/2018).

Por sua vez, aos proprietários é-lhes incutido um maior número de requisitos para o exercício desta atividade. Exige-se que o estabelecimento possua um seguro de multirriscos de responsabilidade civil que cubra potenciais estragos às áreas em comum. A placa identificativa de alojamento local reservada a “estabelecimentos de hospedagem”

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é agora obrigatória para a modalidade “quartos” e “apartamentos”, sendo a única exceção as “moradias”. É estabelecido que a exploração deve ter um livro de informações em 4 línguas e normas de segurança, nomeadamente, extintor e manta de incêndio, equipamento de primeiros socorros, e indicação do número de emergência (Patrício, 2018; artigo 13º da Lei n.º 62/2018).

É também criada a modalidade “quartos”. Quando um proprietário dispõe os seus quartos para arrendamento de curta duração. Peca por tardia, visto que é uma modalidade com uma representação expressiva nas plataformas digitais – como será explorado posteriormente no capítulo V - e, até agora, não dispunha de enquadramento legal. Por fim, é reforçada a fiscalização e são incrementadas as coimas, para combater as propriedades ilegais. Elimina-se também as restrições de número de estabelecimentos por edifício a um único proprietário, exceto nas áreas de contenção em que um proprietário fica limitado a 7 explorações em toda a área delimitada (Patrício, 2018; artigo 11º da Lei n.º 62/2018).

Este diploma pretendeu dar uma resposta a um conjunto de problemas que se desenvolviam, principalmente, em territórios específicos, nomeadamente, os centros históricos de Lisboa e Porto. Mediante esta especificidade, o legislador optou por dotar os municípios de determinadas competências, sendo a mais importante a potencial delimitação de áreas de contenção. Em Lisboa já se implementaram estas áreas em diversas partes através das denominadas zonas turísticas homogéneas. Quando o rácio de AL e alojamentos familiares clássicos ultrapasse os 20% são ativadas as áreas de contenção proibindo o registo de novos alojamentos. Até ao momento foram estabelecidas em Alfama, no Bairro Alto, Castelo, Colina de Santana, Madragoa e Mouraria. (Câmara Municipal de Lisboa, 2019). No Porto também se estabeleceram restrições aos novos registos no centro histórico durante 6 meses até ao final de 2019. Antecede a aprovação de um regulamento que defina áreas de contenção no centro e no Bonfim. É previsto que novos registos sejam só aprovados se estes se instalarem em fogos ou edifícios devolutos há mais de três anos ou que tenham sido alvo de obras de reabilitação nos últimos dois anos. Também há a possibilidade para casos onde o edifício seja novo após demolição do anterior ou quando o uso tenha sido reconvertido de logística/indústria para habitação/serviços nos últimos anos. Serão definidas áreas de contenção com base no indicador de pressão de AL, isto é, o rácio deste com o número de alojamentos para habitação. Até aos 25% não serão impostos quaisquer condicionantes

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– Zonas Turísticas de Exploração Sustentável. Superior a este valor são definidas as Zonas Turísticas Condicionadas que se subdividem em três áreas:

- Áreas de Contenção Transigente (=>25% a <37,5%) – Prazo de exploração para novos alojamentos de seis anos.

- Áreas de Contenção Preventiva (=>37,5% a <50%) – Prazo de exploração para novos alojamentos de quatro anos.

- Áreas de Contenção Condicionada (=>50%) – Prazo de exploração para novos alojamentos de dois anos.

. É uma abordagem centrada no controlo e regulação do AL e não na sua proibição, procurando diminuir a pressão nas áreas mais afetadas e se possível promover o AL em outras partes do município (Martinho, 2019).

Previamente à promulgação da Lei n.º 62/2018, as duas questões legais fundamentais referentes ao alojamento local eram se devia ser permitida a sua instalação em frações autonómicas destinadas para fins habitacionais, mediante as dúvidas se devia ser considerado uma atividade comercial e se os demais condóminos se podiam opor à instalação de serviços de AL no seu edifício. As decisões dos tribunais apontavam em sentidos diferentes, sendo que os Tribunais da Relação de Lisboa e Porto decidiram numa via mais restritiva. O primeiro argumentou que a assembleia de condóminos podia proibir uma exploração de AL e o segundo alegou que uma exploração de AL constitui uma atividade comercial e, por isso, não está conforme com o estatuto de propriedade horizontal. Por sua vez, o Supremo Tribunal estipulou que um apartamento afetado ao AL não constituí uma atividade comercial e está então em conformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal (Macedo Vitorino & Associados; Messias, 2017). Este diploma surgiu com estas questões em mente e também com as interrogações relativamente ao impacto do AL, tanto do lado positivo – fonte de lucro e rentabilização dos imóveis e a reabilitação urbana - como do negativo – aumento dos preços imobiliários, redução do número de alojamentos em modalidade de arrendamento por afetação de estes ao alojamento turístico e, consequente, limitação de acesso à habitação (Messias, 2017). No seu essencial encarou o alojamento local de uma perspetiva mais comercial, aumentando os requisitos a cumprir para desenvolver atividade e criou mecanismos de controlo e limitação. É facultada às câmaras municipais a possibilidade de restringir o AL em áreas que vejam como necessário e também a hipótese dos condóminos de encerrarem uma exploração que se revele perturbadora para o normal funcionamento do prédio.

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