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Foto 10 – Pintura do caminhão

1 A ANÁLISE DO DISCURSO

1.3 O analista do discurso

Para início, apresenta-se a visão de Pêcheux (1984, p. 15-17) sobre o objetivo da Análise do discurso:

[...] a análise de discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação,

dominando ‘o’ sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que

exponham o olhar-leitor a níveis opacos à ação estratégica de um sujeito[...]. O desafio crucial é o de construir interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico estabilizado com pretensão universal.

Observa-se que Pêcheux expõe a ideia da não transparência do sentido.

A análise do discurso depende das ciências sociais para captar esse sentido que está oculto, buscando o sentido com ajuda da linguística, da sociologia, da psicologia, da história, da filosofia etc. O trabalho do analista do discurso é um empreendimento interdisciplinar.

Seria o caso de perguntar, então, o que interessa ao estudo da Análise do discurso. Uma conversa de bar, para Maingueneau (1997, p. 13-14), em princípio, não se constitui em objeto da Análise do discurso. Para ele,

Na verdade, é preciso levar em consideração outras dimensões; a AD relaciona-se com textos produzidos:

- no quadro de instituições que restringem fortemente a enunciação; - nos quais se cristalizam conflitos históricos, sociais, etc.;

- que delimitam um espaço próprio no exterior de um interdiscurso limitado.

Os objetos que interessam à AD, conseqüentemente, correspondem, de forma bastante satisfatória, ao que se chama, com freqüência, de formações discursivas [...]

Já para Ferreira (2007, p. 18), o analista do discurso tem uma imensa possibilidade de análise em diversas materialidades:

A AD no/do Brasil trabalha hoje com materialidades discursivas das mais diversas, que vão desde os discursos institucionalizados até aqueles do cotidiano, podendo com isso abarcar o discurso religioso, indígena, dos movimentos sociais, midiático, pedagógico, questões de gênero, o discurso do corpo e das corporalidades, o discurso dos esquizofrênicos, dos afásicos e por aí segue essa lista meramente exemplificativa, já que não há como nem por que tentar ser exaustivo nessa mera enumeração. E não se detém exclusivamente na linguagem verbal (nas questões da escrita e da oralidade). A imagem, de modo geral, os cartazes, fotografias, charges, pichações e grafites ganham cada vez mais espaço entre os analistas de discurso.

Além dos discursos citados, com o advento do computador e da internet muitas novas possibilidades de investigação são disponibilizadas, demonstrando a potencialidade e o vigor do aparato teórico-analítico do campo do discurso.

A análise do discurso tenta entender‘o que pode e deve ser ditoa partir de uma posição dada em uma conjuntura determinada’. Ela tenta entender como a historicidade interdita certos sentidos. Ela tenta entender o que não pode ser dito em determinado momento histórico. Fazer análise do discurso é assumir um lugar, é compreender o discurso das classes dominantes. Segundo Gregolin (2001, p. 17):

[...] a análise do discurso deve procurar encontrar as regras anônimas que definem

as condições de existência dos acontecimentos discursivos, as regularidades dessa

dispersão de acontecimentos. A problemática fundamental da AD é entender o que tornou possível a emergência de determinados objetos do discurso (como a

‘loucura’, por exemplo), o que foi permitido dizer, em certa época.

Ainda, segundo Gregolin (2001, p. 25):

[...] a tarefa da AD deve ser a análise lingüístico-discursiva do enunciado em referência a um corpo interdiscursivo de traços sócio-históricos, tendo em conta que a incidência dos efeitos interdiscursivos apresenta a evidência de grandes variações,

ligadas às modalidades da presença do discurso outro como o discurso de um outro e/ ou o discurso do Outro.

O sujeito-analista está na busca de compreensão do sujeito discursivo. E o método utilizado pelo analista do discurso? Sobre esse assunto, assim se posiciona Ferreira (2007, p. 16):

Disso decorre o interesse de várias áreas das ciências humanas (se é que existe uma

ciência ‘desumana’) pelo ‘método da AD’, como se ele fosse descartável da teoria e pudesse circular com autonomia. Ocorre que esse método não é ‘modelo’ para a

compreensão e interpretação dos discursos; ele não existe pronto, pré-fabricado, nem

aceita ‘encomendas’. Ele precisa ser, a cada procedimento de análise, construído,

trabalhado, em parceria indissociável com a teoria crítica onde é forjado.

Para Fairclough (2001, p. 275): “não há procedimento fixo para se fazer análise de discurso; as pessoas abordam-na de diferentes maneiras, de acordo com a natureza específica do projeto e conforme suas respectivas visões do discurso.”.

Sobre esse aspecto do projeto intelectual da análise do discurso, Maingueneau (2008, p. 153) escreve:

A própria natureza da linguagem e da comunicação humana leva ou deveria levar a uma abordagem integrada dos fenômenos lingüísticos. O projeto intelectual da análise do discurso é em seus próprios fundamentos interdisciplinar. [...] Hoje, quando se fala de interdisciplinaridade, tem-se uma concepção fundamentalmente interativa, sobretudo quando se trata de ‘discurso’, que é imediatamente pensado como uma interface entre diferentes disciplinas.

Não há, portanto, uma metodologia explícita na Análise do Discurso e isso contribui para que uns estudiosos encarem a AD de forma desprestigiosa, com a ideia de que “AD é moda”.

Percebe-se que vários caminhos de análise são oferecidos. Cabe, portanto, ao analista, escolher a melhor opção para sua proposta de investigação. Segundo Pêcheux (2006, p. 53):

[...] todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (a não ser que a proibição da interpretação própria ao logicamente estável se exerça sobre ele explicitamente). Todo enunciado, toda seqüência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série (léxico-sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar a interpretação. É nesse espaço que pretende trabalhar a análise de discurso.

Para Orlandi (2005, 26-27):

[...] a Análise de Discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos. Essa compreensão, por sua vez, implica em explicitar como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido. [...] Cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a questão que formula, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas (outras) questões. Uma análise não é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na descrição dos materiais. Um mesmo analista, aliás, formulando uma questão diferente, também poderia mobilizar conceitos diversos, fazendo distintos recortes conceituais.

Para Maldidier (1993, p. 23):

A AD é, definitivamente, uma prática disciplinar que se pode, seguindo J. J. Courtine, resumir por três proposições: 1) ela realiza o fechamento de um espaço discursivo; 2) supõe um procedimento lingüístico de determinação das relações inerentes ao texto; 3) produz no discurso uma relação do lingüístico com o exterior da língua.

Após as contribuições apresentadas, faz-se necessário reforçar que a teoria que embasa a análise utilizada nesta pesquisa é a Análise do Discurso de base francesa.

2 O GÊNERO ENUNCIADOS DE CAMINHÃO

A escolha do gênero “Enunciados de caminhão”, como os demais gêneros, é determinada pela comunicação discursiva do homem. Segundo Bakhtin (2003, p. 300),

O falante não é um Adão, e por isso o próprio objeto do seu discurso se torna inevitavelmente um palco de encontro com opiniões de interlocutores imediatos (na conversa ou na discussão sobre algum acontecimento do dia-a-dia) ou com pontos de vista, visões de mundo, correntes, teorias, etc. (no campo de comunicação cultural). Uma visão de mundo, uma corrente, um ponto de vista, uma opinião sempre têm uma expressão verbalizada. Tudo isso é discurso do outro (em forma pessoal ou impessoal), e este não pode deixar de refletir-se no enunciado.

Todo texto, na realidade, é apenas uma proposta de construção de sentido e vai depender do enunciatário, sua história, meio social para a sua concretização, como assegura Abreu (2008, p. 22):

Um texto, portanto, não é alguma coisa que venha pronta, com sentido completo, como diz a tradição. É apenas UMA PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS. Somos nós, leitores, que, vasculhando nossa memória, buscamos dentro do nosso conhecimento de mundo informações adicionais que possam complementar aquilo que lemos. Sem isso, não há entendimento possível.

O repertório do caminhoneiro está fundamentado nos vários discursos do senso comum que aparecem nos enunciados dos caminhões.

O jornalista Pedro Trucão, prefaciando Antunes (2005, p. 6), escreve:

Há frases para todas as ocasiões e seus temas são variados, como bem mostra esta obra, retratando a rotina do profissional do volante: o caminhão velho, os pedágios caros, a propina, a dificuldade de pagar um financiamento, o baixo valor do frete, a distância da família. A vida de aventura que por anos caracterizou a profissão, com um amor em cada parada, também está presente, sempre tratada com muito humor. Sem falar na sogra, claro, um dos temas preferidos.

É oportuno, portanto, um estudo mais detalhado sobre esse material de comunicação humana, entendendo melhor sua origem e desenvolvimento, reforçando a ideia de que é um gênero discursivo.

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