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Lista de abreviaturas e siglas

Capítulo 2 – Enquadramento estrutural

2.2 Sistema humano de produção de fala

2.2.1 O aparelho fonador

O aparelho fonador, como referido, é constituído por órgãos dos aparelhos respiratório e digestivo, sendo uma conceção meramente utilizada nas áreas da Fonética e da Fonologia. Divide-se em três regiões, a saber, a supraglótica, a glótica e a subglótica. As cavidades supraglóticas e a glótica constituem o trato vocal. A imagem ilustrada na Figura 3 ilustra os elementos principais do aparelho fonador.

Os órgãos principais das cavidades supraglóticas são a cavidade bucal, a cavidade nasal e a faringe. É nesta última cavidade que os impulsos do ar se transformam num input acústico, na medida em que age como um ressoador acústico que amplifica certas frequências e atenua outras. A laringe é, por excelência, o órgão principal da cavidade glótica. O fenómeno principal que se dá, aqui, é o da fonação, ou seja, a vibração das pregas vocais, que é resultado da interação entre a pressão do ar que

deriva dos pulmões, a elasticidade destas pregas e o Efeito de Bernoulli [76]. A traqueia, os pulmões e o diafragma são os constituintes principais das cavidades infraglóticas e o seu papel fundamental é o de ajustar a corrente do ar do sistema fonador, na medida em que controlam a pressão do ar e transportam-no à cavidade glótica. Nela, não se verificam sons, mas apenas sopros [73].

Figura 3 - O aparelho fonador (adaptado de [12]).

Passar-se-á, agora, a descrever a função de alguns elementos do aparelho fonador [18]. O diafragma é um músculo em formato de cúpula incumbido da inspiração e da expiração e separa a caixa torácica das cavidades abdominais. Durante a inspiração, contrai-se e desce, o que provoca a diminuição da pressão intratorácica e faz com que o ar entre nos pulmões. Na expiração, por sua vez, este músculo relaxa e eleva- se, expulsando o ar [73].

A traqueia é um canal de, aproximadamente, 1.5 centímetros de diâmetro e de 10 a 12 centímetros de comprimento, ligando a laringe aos brônquios e conduzindo o ar

1 – Cavidade nasal 2 – Palato duro 3 – Alvéolos 4 – Palato mole 5 – Ápice da língua 6 – Dorso da língua 7 – Úvula 8 – Raiz da língua 9 – Faringe 10 – Epiglote

11 – Pregas vocais falsas 12 – Pregas vocais 13 – Laringe 14 – Esófago 15 – Traqueia 16 – Pulmões 17 – Diafragma

dos pulmões durante a respiração. É constituído por um músculo liso, sendo que, externamente, possui anéis de cartilagem [73].

A laringe é constituída por nove cartilagens separadas e é nela que assenta a fonte acústica da voz humana [13]. As cartilagens mais relevantes são a cricoide, a tiroide e as aritenoides. A primeira é o suporte da laringe e funciona como um anel de topo da traqueia. A cartilagem tiroide localiza-se junto à cricoide e à cricotiroide. Possui lâminas que se unem, formando uma proeminência, vulgo “maçã de Adão”, que é mais demarcada nos homens do que nas mulheres, devido ao ângulo das lâminas. As cartilagens aritenoides ligam-se à cricoide via cricoaritnoide, o que faculta o movimento anterior, posterior e lateral das pregas vocais, permitindo o ajuste da pressão. A Figura 4 ilustra a constituição da laringe.

É na laringe que estão alojadas as cordas ou pregas vocais, que geram ondas periódicas caracterizadas por uma dada frequência fundamental, que contribui para a distinção entre os oradores, na medida em que está dependente do comprimento, da tensão e da massa deste tecido musculoso [15]. Quando existe vibração das pregas vocais, é produzido um som vozeado ou sonoro. No momento em que o ar passa livremente, é produzido som não vozeado ou surdo [19]. Além disso, as duas pregas podem estar tensas ou relaxadas, produzindo diferentes timbres, mais agudos ou graves

A Figura 5 ilustra a posição das pregas vocais quando se encontram na posição abduzida e na posição aduzida.

Figura 5 - Pregas vocais abduzidas (sons surdos - esquerda) e pregas vocais aduzidas

(sons sonoros - direita) (adaptado de [16]).

As pregas vocais estão sujeitas ao já referido efeito de Bernoulli, que está relacionado com o princípio de conservação da energia, na medida em que a velocidade e a pressão de um fluxo de ar estão inversamente relacionadas, ou seja, se a velocidade aumenta, a pressão diminui [76]. Este fenómeno vai dar origem ao ciclo fonatório que é usualmente medido através do número de vezes que as pregas vocais vibram – a frequência fundamental. A título de exemplo, se este parâmetro for de 120 Hz, representa que as pregas vocais vibram 120 vezes por segundo, o que, tipicamente, ilustra a onda sonora da voz emitida por um orador masculino adulto.

A faringe situa-se entre a laringe e as cavidades orais e nasais, sendo constituída pela nasofaringe, a orofaringe e a hipofaringe, como se pode observar na Figura 6.

Figura 6 - Corte sagital do trato vocal [17].

As cavidades oral e a nasal também se encontram ilustradas na figura anterior. A primeira, ao contrário da cavidade nasal, pode mudar de forma e de volume, aumentando e diminuindo tendo em conta a projeção dos lábios e o afastamento ou aproximação do maxilar inferior. A língua, alojada na cavidade oral, é um músculo com muita importância para a produção da fala, na medida em que expande ou retrai. É na cavidade oral que a grande maioria das produções vocais se diferencia. Por seu turno, a cavidade nasal é a cavidade ressoadora que atribui a nasalidade aos fones8, caso o véu palatino esteja descido e desencostado da parede posterior da faringe. Assim, uma vez que o volume não é variável na cavidade nasal, existe apenas o acréscimo desta

8 Fone – Unidade de estudo da Fonética. É perceptível num contínuo sonoro, sendo a mais pequena unidade discreta. Constitui a

influência no timbre. A parte superior da cavidade é constituída pelo osso etmoide e pelos nervos olfativos, sendo que a parte inferior é constituída pelo palato duro.

É impossível falar-se do aparelho fonador sem se referir, ainda que brevemente, à teoria fonte-filtro da voz, de Gunnar Fant [18]. Este modelo indica que a voz é resultado da modificação do sinal da fonte, também designado por excitação glótica – gerado na laringe –, através do filtro que exprime a influência combinada da cavidade nasal, da cavidade oral, dos maxilares, dos dentes, lábios, narinas e língua.

Figura 7 - Teoria Fonte-Filtro [18].

A modificação biológica que se iniciou no Homem com a passagem de quadrúpede a bípede possibilitou-lhe uma reorganização craniana. A área de Broca, localizada no giro frontal inferior, é responsável pelos programas motores que permitem exprimir os conceitos armazenados na área de Wernicke. Consequentemente, esta área está relacionada com o processo de descodificação fonológico, devido à capacidade de conversão dos conceitos numa sequência sonora específica. É a partir daqui que se verifica o planeamento motor complexo e específico da fala [22] [23] [24] [25] [26]. O aparelho fonador permitiu aos humanos pré-históricos alargar a vocalização para outras utilidades comunicativas, como a verbalização de raciocínios e o planeamento de ações em grupo, como a caça. O desenvolvimento da capacidade de monotorização de fala em tempo real permitiu o desenvolvimento do cerebelo. De todas estas transformações, a mais importante foi a descida da laringe [20] [21], consequência da adoção do

bipedismo, na medida em que permitiu a possibilidade de maior autonomia de vocalização e de realização de sequências articuladas de gestos vocais. Na Figura 8, podem-se observar as diferenças físicas entre o aparelho fonador dos humanos e o dos símios, sendo que os primeiros possuem a chamada estrutura em “cotovelo”, facilitando a produção da fala, e os macacos têm um sistema em “L”, o que dificulta. Nos primeiros anos de vida, a criança também possui o aparelho fonador com a estrutura em “L”.

Figura 8 - Diferenças físicas entre os aparelhos fonadores do macaco e do homem [27].

De facto, a descida da laringe é consequência anatómica da evolução e independente do controlo cortical da vocalização. A postura vertical fez com que a parte frontal da garganta se tenha prolongado, o que é também reforçado pelo deslocamento da cabeça para uma posição posterior em relação à coluna vertical. A laringe cresceu e adquiriu maior mobilidade. A redução da cavidade oral e do rosto, a amplificação da laringe e a maior liberdade de movimentos da língua na cavidade oral contribuíram para este fenómeno, possibilitando a articulação completa da fala. Esta especificidade do Ser Humano permite ao trato vocal assumir as formas necessárias para produzir fones muito diferenciados.

A título de exemplo, o processo da descida da laringe faz com que o trato vocal aumente de tamanho, o que permite diminuir as frequências formantes. Na Figura 9, pode-se observar a diferença do trato vocal de um adulto e de uma criança.

Figura 9 - Diferenças anatómicas entre o trato vocal de uma criança (esquerda) e o de

um adulto (direita) (adaptado de [28]).

Assim, podemos observar que o aparelho fonador é resultado de um processo evolutivo de milhares de anos, sendo também modificado, ao longo do desenvolvimento físico do Ser Humano, até atingir a maturação dos órgãos.