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O aprendizado fora dos muros escolares: a educação informal

3.1 Percepções e significados da educação: da infância à vida adulta

3.1.3 O aprendizado fora dos muros escolares: a educação informal

Segundo os sujeitos da pesquisa, apesar de ser um processo difícil e doloroso, vários foram os aprendizados adquiridos ao longo do tempo com relação a dependência química. A participação em grupos terapêuticos é sempre citada como um momento de reflexão e aprendizado, já que ali são compartilhadas experiências de vida onde cada participante encontra-se em momentos diferentes com relação ao processo de recuperação, seja ele a redução de danos ou a abstinência total. Com relação às práticas educativas observadas no CAPS AD durante o processo de trabalho, identificamos que elas se apresentam ora como não-formais (onde há a intenção por parte do sujeito), ora como informais. Especificamente com relação a educação informal pode-se dizer que ela ocorre em ambientes espontâneos onde a aproximação e a interação com outros sujeitos se dá pela afinidade de gostos e preferências, como podemos observar nos encontros dos grupos terapêuticos.

Diego destaca como a participação em grupos terapêuticos lhe proporcionou diversos aprendizados com relação à dependência química, sendo também um espaço de reflexão sobre os atos que praticou ao longo da vida: “[...] certamente aprendi com o depoimento das outras pessoas, eu sempre tirava alguma coisa pra mim. Às vezes eu tenho pensamentos ruins, lembrando o que eu fiz.” Esses momentos de refletir sobre o que vivenciaram também é destacado por Régis no que se refere a suas participações nos grupos, sendo um local de importante aprendizado:

Eu gosto de vir nos grupos, tem alguns depoimentos que mechem comigo. Até agora no último que teve, teve dois caras aqui que até eu conhecia, conheci eles no uso, uns caras que também estavam quebrados e desempregados, vendendo coisas também pra usar droga, só que eles são usuários de cocaína. Os dois pararam, faz bastante tempo. Hoje ele está legal, morando bem, tem carro, tem moto, anda bem vestido, já conseguiu emprego, trabalhando de motoboy, muita entrega pra fazer, tá tirando um bom dinheiro, mais de R$2.000,00. A esposa dele vai começar a deixar a criança na creche, vai poder trabalhar também, ajudar ele. Isso me motiva, vendo os caras mais novos do que eu. Bah, já estou velho, já fiz demais, mas eu tenho ainda chance de pegar, arrumar um emprego uma coisa assim, arrumar uma companheira, refazer a vida de novo, pegar o meu resto de vida aí, no caminho certo. (RÉGIS).

No processo de educação informal ocorre a socialização do indivíduo, onde se moldam hábitos, formas de pensar, como também formas de utilização da linguagem pela convivência frequente com o grupo ou pela herança familiar presente desde o nascimento.

Segundo Gohn (2006, p. 30), a educação informal “não é organizada, os conhecimentos não são sistematizados e são repassados a partir das práticas e experiência anteriores, usualmente é o passado orientando o presente”. Conforme a autora, a educação informal atua no campo das emoções e sentimentos, sendo um processo permanente, tendo como característica não ser organizado, diferindo, dessa forma, da educação formal.

A importância que Lucas dá para a participação nos grupos é sempre relatada com muita ênfase. Segundo ele, as histórias dos outros participantes lhe acompanham mesmo após o término dos encontros, quando fica refletindo sobre as falas em sua casa. Para ele, mesmo após quatro anos de abstinência, a participação nos grupos é fundamental para o seu tratamento, além de servir de motivação para outros colegas.

Eu levo muito a sério, tenho uma responsabilidade muito grande com o grupo, vários se espelham em mim. Eu não pedi pra ser exemplo para

ninguém, mas eles me conhecem, eles fizeram uso junto comigo, então eles sabem que eu não estou contando uma historinha do livro tal, é a vida real.

A realidade vivenciada e compartilhada por cada participante durante o grupo terapêutico serve de conscientização para todos que ali se encontram. Esse pensamento é compartilhado por Alice ao destacar como o grupo terapêutico contribui para o seu tratamento.

[...] aprendi que a minha vida é um tesouro, porque tem gente muito pior do que eu, em pior estado do que eu, porque eu tenho pelo menos um teto pra dormir, uma roupa pra vestir, eu estou vendo colegas aíi de pé descalço, eu estou vendo gente aqui dormir sentada porque dorme assim na rua com medo que vá morrer... vendo gente com frio, com fome [...].

A educação informal também é definida como aquela por meio da qual os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização,

ocorrendo em espaços da família, bairro, rua, cidade, clube, espaços de lazer e entretenimento; nas igrejas; e até na escola entre os grupos de amigos; ou em espaços delimitados por referências de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia, sempre carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados. Poderá ter ou não intencionalidades (por exemplo, educar segundo os preceitos de uma dada religião é uma intencionalidade). (GOHN, 2014, p. 40).

Nessa forma de educação não se “esperam” resultados (diferentemente da educação formal e não-formal). Segundo Gohn (2006), os resultados “simplesmente acontecem a partir do desenvolvimento do senso comum nos indivíduos, senso este que orienta suas formas de pensar e agir espontaneamente.” Tem como método básico a reprodução do que é conhecido, as formas como foram aprendidas, internalizadas e observadas durante sua reprodução.

Durante o andamento dessa pesquisa muito se discutiu sobre o papel da educação e qual a sua importância no processo de recuperação do dependente químico. Na verdade, corremos o risco de, num primeiro momento, reduzir seu amplo significado a uma parte somente, que seria a “escolarização”, principalmente quando os termos “escolaridade” e “trabalho” estão em discussão. Como podemos perceber, o processo de educação não ocorre somente no ambiente formal escolar, ou seja, da sala de aula, dentro dos muros escolares.

Com relação aos sujeitos desta pesquisa, dependentes de substâncias psicoativas, questões relacionadas tanto com a baixa escolaridade bem como com uma possível “exclusão social” nos levam a imaginar que não estão sofrendo influências ou que não estariam sendo atingidos por práticas educativas, o que ao nosso ver destoa totalmente da realidade, já que elas

ocorrem diariamente no “território”3, principalmente quando estão com seus pares, que vivem as mesmas situações de fragilidade, de dependência, de vulnerabilidade ou da experiência de encontrarem-se em situação de rua. Há muito de aprendizado na “rua”. Há infinitas estratégias aprendidas para vencer uma noite de frio, de chuva ou mesmo, de como saciar a fome. Não é possível negar essa prática educativa que ocorre diariamente para esses sujeitos.