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CAPÌTULO II REVISÃO DE LITERATURA

2.4 O Artesanato na cultura Sámi

O artesanato Sámi tem sido constantemente sujeito a divisões e subdivisões e a várias modificações, sendo a divisão primária feita entre o utilitário/funcional e o estético/expressivo. É de referir que o artesanato Sámi, designado de duodji, é essencialmente funcional e , salvo excepções, sempre feito conforme a necessidade e utilidade.

Apesar dos Sámi não produzirem objectos puramente decorativos e artísticos, destinando cada um dos objectos a uma função, o processo de manufactura pode ser visto como uma “industria de arte” (Lehtola ,2001,p.11). Uma das características do artesanato Sámi é o facto de os artesãos “verem” o objecto acabado já na matéria- prima, para eles é essencial “ouvir” a matéria-prima, deixá-lo contar o que ele quererá vir a ser. Entre objectos semelhantes, como seria o caso dos recipientes é a função a que destina que decide a forma, mas respeitando sempre a forma da matéria-prima (ver fig.2). Quando é a forma e as dimensões da matéria-prima que ditam a forma do objecto, este objecto pode ser considerado em simultâneo funcional, intencional e artístico. (Ibid.)

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Conforme dito por Babcock (1992) todos os artefactos possuem uma dimensão estética, sendo as peças em simultâneo objectos utilitários e artísticos. Do mesmo modo que o objecto tem que ser funcional, ele tem que ser belo e agradável de tocar. Apesar de ser dado menos atenção à decoração dos utensílios, existem critérios rigorosos no respeitante à qualidade dos materiais, funcionalidade e acabamentos cuidados.

Para além de grande variedade de produtos originais, ou seja do uso e invenções do Sámi , adaptados à realidade da vida nómada e às necessidades do quotidiano, existem objectos inspirados nas influências externas, mas sempre com modificações, de modo que o aspecto, a forma e a funcionalidade final correspondem as exigências dos utilizadores, resultando assim num objecto com características “Sámi ” tanto em termos de materiais, técnicas como de estética. (Idem.p.10).

A linguagem do design tradicional dos Sámi tem as suas origens em varias fontes, sendo observável uma mistura de influências vindas dos povos vizinhos (finlandeses, suecos, russos e noruegueses), as características e propriedades dos materiais e uma sensibilidade única para a beleza e a cor. (Lehtola et Al 2006). A estas formas tradicionais foram acrescentados novos materiais, elementos decorativos e adornos, mantendo assim a tradição do artesanato viva e flexível.

Nos fatos/trajes festivos a ideia é de exibir as destrezas e conhecimentos do artesão no seu melhor, e nestes a beleza, a decoração e o valor estético podem colocar a funcionalidade para um segundo plano. ( Idem.).

A sociedade moderna nos anos após Segunda Guerra Mundial, colocou toda a cultura Sámi perante vários desafios. Os antigos modos de viver e de subsistência, as habilidades manuais tradicionais, e modelos comportamentais de ser e estar pareciam carecer de significado e motivo de existir no mundo moderno. Foram especialmente o artesanato e artefactos elaborados por homens (por exemplo púcaras e utensílios feitos em madeira) que foram rapidamente substituídos pelos materiais e produtos novos. Trabalhar os materiais duros, como o osso da rena e a madeira tornou-se cada vez mais raro, o que fez aumentar desproporcionalmente o preço destes objectos em comparação com o resto dos produtos.

Na cultura Sámi a posição do artesanato produzido pelas mulheres, tem sempre sido mais segura e estável, uma vez que as peças do vestuário continuaram e continuam ainda a ser manufacturadas, mesmo que estas peças tivessem sido

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durante muito tempo pouco valorizadas, e a sua beleza estética e riqueza cromática pouco apreciada e pouco compreendida.

Como os modos de subsistência tradicionais já não garantiam sustento para todos, a geração jovem dos Sámi procurava condições de vida melhor nas zonas mais à Sul, sem nunca abandonar a ideia de se recorrer à artesanato como uma fonte de rendimentos, pois mesmo independentemente das mudanças sociais causadas pela guerra, o artesanato tem sempre conseguido manter o seu valor e ocupar o seu lugar na sociedade Sámi, continuando ainda hoje em dia a fortalecer o papel fulcral na conservação e transmissão da cultura, da língua/idioma e da identidade deste povo. (Adaptado de Lehtola et al , 2006, pp.20-21).

O fato da Lapónia

A cultura Sámi é caracterizada pela identidade comunitária, e para além de um vasto vocabulário de nomes para familiares, um dos melhores manifestos deste espírito é o fato da lapónia (Att. não se trata de um traje no mesmo sentido dos trajes regionais portugueses, mas sim de vestuário típico de um povo e de um símbolo étnico). As cores, as formas e os elemento decorativos e os ornamentos utilizados são indicadores da pertença a uma comunidade, aldeia, zona e família, ou ainda à uma geração. (Lehtola et al 2006; Svensson 1991).

Até à segunda guerra mundial no território dos Sámi vestia-se quase exclusivamente o traje/ fato, mas a escassez de materiais após a guerra e as novas exigências em relação ao vestuário levaram a uma uniformização e aproximação do modo do vestir dos Sámi com o modo de vestir da cultura maioritária. Assim, o traje passou cada vez mais a ser utilizado nas ocasiões especiais, e actualmente nas festividades, casamentos reuniões da família, celebrações, e também nas recepções oficias. (Svensson, 1991).

Opta-se por vestir o traje quando a ocasião exige que se vista ”qualquer coisa melhor”. Escolhendo o traje pode-se homenagear a natureza da ocasião e realçar a identidade Sámi . Alias, assim que o traje deixou de ser de uso quotidiano, o seu valor simbólico como revelador de uma identidade étnica tem vindo a ganhar cada vez mais ênfase, vindo -se a inventar outra ocasiões para o vestir, como por exemplo festividades anuais, entre quais as festividades de Páscoa e Marian Pãivãt em Março. A tradição de traje é uma tradição viva, plena de modificações e adaptações. Os materiais variam em função da disponibilidade e acessibilidade destes em cada época. Inicialmente o vestido era feito da pele, no século XIX a pele foi substituída por

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tecidos, sendo os primeiros tecidos de lã e de outras fibras naturais. Com o crescente aumento da variedade nos tecidos, os materiais começaram a ser escolhidos ao gosto de cada um, sendo possível ver actualmente trajes feitos de fibras sintéticas, veludo e até pele e peles sintéticas. (Svensson, 1991).

É importante que este tipo de design moderno mantenha a noção de que tem que respeitar a especificidade étnica, mesmo que estas peças sejam usadas mais livremente do que o fato de Sámi propriamente dito.

Ainda que tem havido várias tentativas, a tecnologia moderna não tem conseguido substituir por completo algumas peças do vestuário específicas e por isso combina-se vestimentas tradicionais com séculos de adaptações e provas de funcionalidade com a roupa moderna nas tarefas do quotidiano. (Lehtola, 2001).

Não se pode esquecer que é nomeadamente:

(…) a simplicidade visual que torna o vestuário Sámi retoricamente poderoso; o vestuário transmite e constata não verbalmente factos que não podem questionados, mesmo que não tenham a ver com a jurisprudência em si.(p.72) (tradução minha).

(…) the visual plainness that makes Sámi clothing rhetorically forceful; clothing states a non-verbal fact that cannot be questioned, although it has nothing to do with jurisprudence as such. (Svensson ,1991, p.72).