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II. A importância do bem jurídico liberdade sexual

2.1. A descoberta de um fundamento constitucional: excurso breve pelo

2.1.3. O artigo 27.º CRP: O direito à liberdade e segurança

Ao analisar o corpo de todo o artigo 27.º da CRP, é relativamente fácil concluir que este não nos surge como expressão de uma cláusula geral de liberdade pessoal, como a que consta do artigo 13.º (Parte I, Título I) da CRP Italiana71, mas antes enquanto noção de liberdade mais restrita. Restrita não no que toca à sua importância no contexto de um Estado de Direito, mas antes por se circunscrever a um sentido de liberdade específico- o da liberdade em sentido ambulatório.

E é esta noção de liberdade física, associada, por alguns, à liberdade de locomoção72 que se revela insuficiente73 para arreigar constitucionalmente o bem jurídico que pretendemos. A insuficiência acontece porque não podemos negar que, salvo melhor opinião: 1) o artigo não nos revela a liberdade pessoal como bem jurídico, em bruto e 2) os crimes sexuais, na sua execução, não implicam sempre restrições à liberdade física.

A liberdade física, torna-se, desta forma, uma das “liberdades” a proteger,

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Estamos cientes que o que dizemos pode transparecer uma defesa de que é papel do direito penal proteger isoladamente a liberdade sexual na vertente positiva, crítica desenvolvida por

TORRÃO, Fernando, “A propósito do bem jurídico protegido…”, Op.Cit., pág. 563. Porém, não entendemos que o que dizemos possa realmente constituir uma proteção excessiva da liberdade sexual positiva, pois, defender a posição jurisprudencial que concebe a violação da integridade moral apenas quando existe uma recusa expressa da parte da vítima, levar-nos-ia a considerar a liberdade sexual apenas como possuindo uma das valências. O “ponto ótimo” de que nos fala este autor está precisamente no equilíbrio dos pratos da balança: não pender esta totalmente para a vertente negativa ou completamente para a vertente positiva, precisamente porque ambas trabalham para o mesmo fim, por forma a que se compatibilizem.

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Em particular se compararmos o disposto no artigo 13.º com o que o artigo 16.º, ambos da CRP italiana, na qual, o primeiro visa proteger, inequivocamente, uma liberdade geral do Homem, o segundo, por outro lado, tutela a liberdade ambulatória. CRP Italiana disponível em:

https://www.educazioneadulti.brescia.it/certifica/materiali/6.Documenti_di_riferimento/La%20Co stituzione%20in%2015%20lingue%20(a%20cura%20della%20Provincia%20di%20Milano)/Costi tuzioneItaliana-Portoghese.pdf [último acesso a 30.12.2018].

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MIRANDA Jorge e MEDEIROS Rui, CRP Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Wolters Kluwer- Coimbra Editora, 2010, p. 638

73 É possível constatarmos que para PEREIRA, Rui Carlos, “Liberdade Sexual na reforma…”,

Op. Cit., p.1, a liberdade do artigo 27.º CRP é apta a constituir a base constitucional da

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contudo, não nos é possível, atendendo à literalidade que a norma constitucional possui, na sua totalidade, conceber que está ínsita nesta a liberdade sexual.

Frisamos, no entanto, que a jurisprudência constitucional e a doutrina têm avançado outro entendimento, nomeadamente, em matéria penal, quanto à fundamentação do princípio da culpa74. Entendemos, porém, que uma interpretação conjunta da norma constitucional não permite afastarmo-nos desta noção de liberdade quanto aos movimentos físicos do Homem. E isto mesmo se analisarmos o n.º 1 do artigo 27.º da CRP isoladamente, pois o direito à liberdade vem acompanhado do direito à segurança, o que significa, necessariamente que não pretende ser esta uma cláusula geral de liberdade pessoal. A ser assim, a segurança não teria qualquer relação com esta, não devendo ambas, por este motivo, coexistir no mesmo normativo. É possível relacionar a liberdade de movimentos, por exemplo na via pública, com o direito à própria circulação em segurança.

Não se pode dizer o mesmo face à liberdade pessoal do indivíduo que, por se encontrar no íntimo deste, não é passível desta objetivação tão clara. Ao associarmos o que acabámos de dizer, com o disposto no n.º 2 do artigo 27.º, parece ficar reforçada esta argumentação.

Tal como deixámos apenas enunciado anteriormente, as opiniões que não nos acompanham, têm encontrado neste artigo base suficiente para ancorar o princípio da culpa, um dos grandes chavões do direito penal.

Este só se vê plenamente cumprido quando o agente dispõe de liberdade suficiente para agir de acordo com o Direito. Tem este princípio, assim, uma estreita ligação com a liberdade pessoal. E esta corresponde ao reduto da livre conformação das decisões, dado a todos os Homens, pelo simples facto de o serem, no seio de um Estado de Direito.

No entanto, não cremos que será deste artigo 27.º da CRP que seja possível fundamentar este princípio basilar. E parece razoável afirmar que a doutrina e jurisprudência que defendem o contrário têm alguma noção da insuficiência

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Assim, invocando em conjunto, para efeitos de fundamentação constitucional do princípio da culpa, o artigo 27.º CRP e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana do artigo 1.º da CRP: Acórdão do TC n.º 341/2018, Processo n.º 409/18, 3ª Secção, Relatora: Cons.ª Maria José Rangel Mesquita e Acórdão do TC n.º 432/2002, Processo n.º 326/02, 1ªSecção, Relatora: Maria Helena Brito.

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literal que este artigo possui para poder cumprir os propósitos de liberdade que pretendem. Isto porque a defesa desta suposta cláusula de liberdade pessoal vem sempre acompanhada do artigo 1.º da CRP, quase como se fosse necessário buscar um complemento, este sim, já mais inequívoco.

O que aqui defendemos deve relacionar-se com o facto de a liberdade sexual existir independentemente de qualquer relação do corpo com o espaço físico, isto é, pode continuar a conseguir-se falar de liberdade sexual mesmo quando não se verifica qualquer restrição à liberdade de movimentos, bem como por outro lado, continua a ser lógico encontrar dois bens jurídicos diferentes quando haja restrição de ambas as liberdades75, uma vez que ambas protegem dimensões diferentes do Homem.

Esta necessidade de isolarmos a liberdade sexual enquanto expressão de uma “outra” liberdade, distinta da que existe para o plano dos movimentos, pode fundamentar-se na atual conceção da vida sexual- e da sua conformação em condições de liberdade- como parte modeladora fundamental da construção do Ser Humano como tal. A ligação umbilical com a camada mais profunda do Homem justifica a consideração da liberdade sexual como uma “outra” liberdade, de importância paralela à liberdade física.

2.1.4. O artigo 1.º CRP: Princípio da dignidade da pessoa