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CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CONSTITUIÇÃO

1.4 O artigo 3º da Constituição Federal de 1988 e os objetivos para o Estado e sociedade

Conforme visto, a Constituição Federal de 1988 possui caráter dirigente na perspectiva em pauta, pois apresenta fins e objetivos para o Estado e para a sociedade. Trata- se de Lei Fundamental que apresenta um projeto de transformação da realidade social, não se limitando a regular procedimentos e estabelecer competências. Também foi visto que o texto constitucional brasileiro apresenta um núcleo essencial, não cumprido, que contém um conjunto de promessas da modernidade que deve ser resgatado. Este núcleo essencial encontra-se positivado no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, cuja importância e função serão analisadas neste momento.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

De acordo com Gilberto Bercovici (2003, p. 291), o artigo 3º da Constituição Federal de 1988 integra os denominados princípios constitucionais fundamentais, sendo que tal característica lhes confere “[...] relevância e função de princípios gerais de toda ordem jurídica, definindo e caracterizando a coletividade política e o Estado ao enunciar as principais opções político-constitucionais.” Estes princípios constitucionais fundamentais “[...] também têm a função de identificação do regime constitucional vigente, ou seja, fazem parte da fórmula política do Estado.” (BERCOVICI, 2003, p. 293). Contudo, o dispositivo constitucional em análise também apresenta outra característica, qual seja, a de constituir uma verdadeira “cláusula transformadora” da realidade social.

O artigo 3º da Constituição Federal de 1988, além de integrar a fórmula política, também é, na expressão de Pablo Lucas Verdú, a “cláusula transformadora” da Constituição. A ideia de “cláusula transformadora” está ligada ao artigo 3º da Constituição italiana de 1947 e ao artigo 9º da Constituição espanhola de 1978. Em ambos os casos, a “cláusula transformadora” explicita o contrataste entre a realidade social injusta e necessidade de eliminá-la. Deste modo, impedem que a Constituição considerasse realizado o que ainda está por se realizar, implicando na obrigação do

Estado em promover a transformação da estrutura econômico-social. Os dois dispositivos constitucionais buscam a igualdade material através da lei, vinculando o Estado a promover meios para garantir uma existência digna para todos. A eficácia jurídica destes artigos, assim como a do nosso artigo 3º, não é incompatível com o fato de que, por seu conteúdo, a realização destes preceitos tenha caráter progressivo e dinâmico e, de certo modo, sempre inacabado. Sua concretização não significa a imediata exigência de prestação estatal concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente do Estado. Do mesmo modo que os dispositivos italiano e espanhol mencionados, o artigo 3º da Constituição de 1988 está voltado para a transformação da realidade brasileira: é a “cláusula transformadora” que objetiva a superação do subdesenvolvimento. (BERCOVICI, 2003, p. 294).

Desta forma, o artigo 3º da Constituição Federal de 1988, compreendido à luz do dirigismo constitucional, constitui um programa de ação a ser observado por todos os órgãos e esferas do Estado, para que se obtenham melhorias minimamente substanciais em prol da população e da sociedade como um todo, melhorias que devem ser atingidas por meio da criação e execução de políticas públicas.

A Constituição determina que o Estado atue no sentido do pleno atendimento dos objetivos fundamentais da República, de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e do exercício de sua atuação em prol de uma melhor qualidade de vida do povo, de maneira a afastar qualquer discriminação ou preconceitos. Elementos esses que constroem a ideia de que o busca, como objetivo fundamental da República, a partir da conjugação dos ditames normativos estabelecidos no art. 3º da CF/88, o efetivo desenvolvimento intersubjetivo de seus partícipes, sendo seu sucesso alcançado quando o mínimo possível de viabilidade deste desiderato é sentido na vida daqueles que estão sob a égide de sua regulação. Em outras palavras, realizam- se os objetivos fundamentais da República quando o Estado promove a concretização de reais benefícios para o povo que lhe confere energia e legitimidade, pelo menos, em um patamar mínimo para que não ocorra a estabilidade, tampouco o retrocesso dos direitos conquistados. (FRANÇA, 2013, p. 9408-9409).

Este também é o entendimento de Cármen Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 289) ao observar que “[...] todos os verbos utilizados – construir, erradicar, reduzir, promover – são de ação, vale dizer, designam um comportamento ativo.” Portanto, afirma a autora, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “[...] são definidos em termos de obrigações transformadoras do quadro social e político retratado pelo constituinte na elaboração do texto constitucional.” (ROCHA, C. L. A., 1996, p. 289).

Em outro dizer, a expressão normativa constitucional significa que a Constituição determina uma mudança do que se tem em termos de condições sociais, políticas, econômicas e regionais exatamente para se alcançar a realização do valor supremo a fundamentar o Estado Democrático de Direito constituído. [...] O art. 3º traz uma declaração, uma afirmação e uma determinação em seus dizeres. Declara-se, ali, implícita, mas claramente, que a República Federativa do Brasil não é livre, porque não se organiza segundo a universalidade desse pressuposto fundamental para o exercício dos direitos, pelo que, não dispondo todos de condições para o exercício de sua liberdade, não pode ser justa. Não é justa porque plena de desigualdades antijurídicas e deploráveis para abrigar o mínimo de condições dignas para todos. E não é solidária porque fundada em preconceitos de toda sorte. O art. 3º traz também uma afirmação: a de que, conquanto retratada a inexistência de uma autêntica República Democrática, o Direito organizou um modelo de Estado que se põe

exatamente para realizá-la. Daí porque, entre os objetivos fundamentais da República, estabeleceu-se, primariamente, a determinação de se construir uma nova sociedade brasileira, segundo paradigmas constitucionalmente traçados. (ROCHA, C. L. A., 1996, p. 289).

Obviamente que os objetivos elencados no artigo 3º da Constituição de 1988 não serão concretizados por meio de um simples passe de mágica. Por isso, conforme já afirmado acima, mostra-se de fundamental importância a existência de um Estado ativo e diligente. A concretização dos objetivos constitucionais só se dará por meio da criação e execução de políticas públicas, fazendo com que a administração pública tenha um papel ativo nestas circunstâncias.

Neste contexto, urge a operacionalização da máquina pública, sinergicamente, em todas as suas funções e dimensões, para que os objetivos fundamentais da República não sejam lidos como meros horizontes da realidade, mas sim como metas realizáveis para a positiva e construtiva transformação do presente vivenciado pelos destinatários do poder público constitucional definidos na Carta de 1988. Conforme explanado, o Estado se realiza a partir da concretização dos objetivos da República estabelecidos no art. 3º da CF/88. Para a efetivação de tais objetivos, evidencia-se a necessidade de uma permanente concatenação de ações administrativas, bem como a possibilidade e a viabilidade de revisões, por aqueles legitimados para tanto, de tudo o que é feito pelo poder público. (FRANÇA, 2013, p. 9412).

De outra parte, deve-se ressaltar que o artigo 3º da Constituição de 1988, justamente por integrar o rol dos princípios constitucionais fundamentais, apresenta caráter obrigatório, vinculando todas as esferas da administração pública, bem como conforma toda a legislação e a atividade jurisdicional. Trata-se de importante regra que determina um nítido “[...] programa de atuação para o Estado e a sociedade brasileiros, determinando o sentido e o conteúdo de políticas públicas para a transformação das atuais estruturas sociais e econômicas.” (BERCOVICI, 2003, p. 301).

Constitui o artigo 3º da Constituição de 1988 um verdadeiro programa de ação e de legislação, devendo todas as atividades do Estado brasileiro, inclusive as políticas públicas, medidas administrativas e decisões judiciais, conformarem-se, formal e materialmente, ao programa inscrito no texto constitucional. Qualquer norma infraconstitucional deve ser interpretada com referência aos princípios constitucionais fundamentais. Toda interpretação está vinculada ao fim expresso na Constituição, pois os princípios constitucionais fundamentais são instrumento essencial para dar coerência material a todo ordenamento jurídico. Além disso, há a vinculação negativa dos poderes públicos: todos os atos que contrariem os princípios constitucionais fundamentais, formal e materialmente, são inconstitucionais. (BERCOVICI, 2003, p. 299).

José Afonso da Silva (2006, p. 46) também se manifesta nesta direção ao ressaltar que os objetivos do artigo 3º são objetivos do Estado brasileiro, e não meros objetivos de governo, já que cada governo pode apresentar suas próprias metas, “[...] mas elas têm que se

harmonizar com os objetivos fundamentais aí indicados. Se apontarem em outro sentido, serão inconstitucionais.”

“Objetivo” é um signo que aponta para frente, indicando um ponto adiante a ser alcançado pela prática de alguma ação – aqui: ação governamental. “Fundamental”, aqui, é adjetivo que se refere ao que se tem como mais relevante no momento, ao que é prioritário e básico. Não significa que outros objetivos não devam constituir preocupação do Estado. Significa apenas que os objetivos fundamentais são impostergáveis e hão de ser preocupação constante da ação governamental, porque a Constituição entende que sua realização constitui meio de conseguir a realização plena dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, enunciados no art. 1º. (SILVA, J. A., 2006, p. 46).

Assim, há de se ressaltar que as políticas públicas devem obedecer aos preceitos existentes no próprio artigo 3º da Lei Fundamental, sob pena de inconstitucionalidade. Em outras palavras, toda atuação pública deve guardar compatibilidade com os objetivos traçados pelo texto constitucional brasileiro e enumerados no dispositivo em estudo. Logo, inexistente compatibilidade entre políticas públicas e os objetivos do Estado brasileiro, a atuação pública poderá ser submetida à controle de constitucionalidade perante o Poder Judiciário, podendo ser considerada inconstitucional em razão de vício material.

A compatibilidade das normas infraconstitucionais com a Constituição pode se dar sob dois aspectos, a forma e o conteúdo. As constituições não apenas regulam a produção formal das restantes normas do ordenamento, como também se ocupam do seu conteúdo. Todos os atos do Estado e dos agentes públicos devem estar em conformidade formal e material com a Constituição. Caso não estejam adequados substancialmente ao texto constitucional, ocorre a inconstitucionalidade material, que reflete o desajuste ente o conteúdo dos preceitos constitucionais e o conteúdo das normas hierarquicamente inferiores, que estão vinculadas materialmente ao texto constitucional. O controle material de constitucionalidade incide sobre o teor e a matéria da norma, para que seja adequada à Constituição e a seus princípios fundamentais, ocorrendo inconstitucionalidade material também com a violação dos fins prescritos no texto constitucional, como os do artigo 3º da Constituição de 1988. (BERCOVICI, 2003, p. 303-304).

Portanto, pode-se dizer que o artigo 3º da Constituição Federal de 1988 constitui um programa de ação para o Estado brasileiro, visando a transformação da realidade social, transformação esta que se dará por meio da criação e execução de políticas públicas. Desta forma, o dispositivo constitucional em questão exige a presença de um Estado ativo e diligente, devendo a administração pública, por meio de seus mais variados órgãos e esferas, atuar em sintonia com os objetivos constitucionais elencados no artigo 3º.

Por conta disso, pode-se inferir, sem que sejam necessários grandes esforços interpretativos, que a Constituição brasileira de 1988, documento jurídico e político que traduz os anseios de transformação da sociedade, reconhece que a realidade que pretende transformar é desigual e marcada pela pobreza e pela marginalidade. Dito de outra forma, pode-se dizer que, no caso brasileiro, está em vigor uma constituição de pretensão transformativa que parte da suposição de que o status quo deve ser

alterado em função da existência – explicitamente reconhecida – de desigualdades e outras mazelas sociais a ela preexistentes. (COUTINHO, 2013, p. 73).

De outro lado, o artigo 3º não constitui apenas uma “cláusula transformadora”, mas também uma importante regra a ser levada em consideração quando da análise da constitucionalidade de leis e atos administrativos. A legislação e as políticas públicas devem ser compatíveis com os objetivos do Estado brasileiro previstos no artigo 3º da Lei Fundamental de 1988.

Em muitos preceitos constitucionais que contêm normas programáticas (determinações dos fins do Estado ou definição de tarefas estaduais) é possível detectar uma imposição, expressa ou implicitamente concludente, no sentido de o legislador concretizar os grandes fins constitucionais (ex: construção de uma sociedade sem classes, transição para o socialismo, apropriação coletiva dos meios de produção, respeito pela dignidade da pessoa humana, repartição igualitária de riqueza, garantir a independência nacional, etc). Essas normas são todas directivas materiais constitucionais e assumem relevo de uma tripla forma: (1) como imposições, vinculando o legislador, de forma permanente à sua realização; (2) como directivas materiais, vinculando positivamente os órgãos concretizadores; (3) como limites negativos, justificando a possibilidade de censura em relação aos actos que as contrariam. (CANOTILHO, 2001, p. 315).

Por isso, toda discussão acerca da constitucionalidade da atuação pública deve ser feita à luz do referido dispositivo constitucional, incluindo-se as políticas públicas criadas e executadas através da inserção internacional dos municípios brasileiros por meio das Secretarias Municipais de Relações Internacionais. Enfim, verificar a compatibilidade entre a atuação internacional de municípios e o texto constitucional de 1988 pressupõe que sejam analisados os projetos desenvolvidos à luz do artigo 3º da Carta Magna vigente, especialmente os que se referem à busca pelo desenvolvimento e erradicação da pobreza.

1.4.1 “Garantir o desenvolvimento nacional”

Diogo Rosenthal Coutinho (2013, p. 17) ao tratar da relação entre direito e desenvolvimento afirma que este último termo pode ser, inicialmente, entendido tanto como um “[...] caminho a ser percorrido (isto é, como um processo) ou alcançado (como um objetivo), quanto como um fundamento de legitimidade para as propostas e prioridades políticas, econômicas e sociais que defendemos.” Contudo, ressalta “[...] que há, na realidade, mais controvérsias que certezas ou consensos reais a respeito do desenvolvimento” (COUTINHO, 2013, p. 19). Sendo assim, em sua obra “Direito, Desigualdade e Desenvolvimento”, Diogo Rosenthal Coutinho (2013) demonstra como se deu historicamente

o debate acerca da noção de desenvolvimento como forma de se melhor compreender este termo.

Inicialmente, em uma primeira fase histórica, “[...] desenvolver significava basicamente crescer e, de modo geral, desenvolvidos eram os países que tinham economias industriais robustas, medidas por PIB elevados.” (COUTINHO, 2013, p. 28). Desenvolvimento era entendido como sinônimo de crescimento econômico. Adotada essa concepção, “[...] fazia sentido crer que a busca do crescimento econômico devesse ser a prioridade de toda política de desenvolvimento bem-intencionada.” (COUTINHO, 2013, p. 29). Logo, estas teorias do desenvolvimento, “[...] até poucos anos, persistentemente negligenciaram a pobreza e a desigualdade como fatores-chave que diretamente ou indiretamente afetam a performance econômica das nações.” (COUTINHO, 2013, p. 29).

Essa visão de desenvolvimento fundamentalmente identificada com o crescimento, ainda que tenha sido paulatinamente relativizada pela preocupação com os pobres, supunha que ele, uma vez alcançado, beneficiaria toda a sociedade, pois, com a elevação do PIB, os benefícios desse incremento do produto seriam distribuídos por todos os membros e segmentos da sociedade, incluindo os mais pobres. Embora os mecanismos por meio dos quais essa distribuição da riqueza decorrente do crescimento não tenham sido suficientemente explicados, supunha-se, em suma, que o crescimento seria, além de necessário, suficiente para a redução da pobreza. (COUTINHO, 2013, p. 29).

Esta percepção fez com que a pobreza e a desigualdade fossem ignoradas pelos teóricos como obstáculos ao próprio crescimento e, consequentemente, como empecilhos ao desenvolvimento. Posteriormente, novos estudos foram realizados onde se demonstrou que o crescimento, por si só, é nulo em termos distributivos. Sendo assim, “[...] os estudos do desenvolvimento passaram a incorporar um conjunto de métodos e preocupações novos, tal como a definição e mensuração da pobreza, da miséria ou extrema pobreza.” (COUTINHO, 2013, p. 31). Inicia-se uma nova fase dos estudos sobre desenvolvimento, desta vez incorporando ao debate questões relacionadas à pobreza.

Se o crescimento é, na melhor das hipóteses, neutro em relação à distribuição de riqueza, dado que ele não promove transferências entre ricos e pobres, e se a pobreza pode ser considerada um resultado indesejável do capitalismo, então pode-se dizer que há boas razões para incorporar sua mitigação (ou, idealmente, eliminação) como um objetivo do desenvolvimento. Foi com base nesse raciocínio que se estruturou, especialmente por iniciativa do Banco Mundial, nos anos 1990 (prolongando-se até os primeiros anos da década de 2000), as assim chamadas políticas de social safety nets (redes de segurança social). Programas e ações voltadas para o combate à pobreza (e não para reduzir a desigualdade, vale dizer) passaram a ser concebidos e implementados de forma tímida ao mesmo tempo que o crescimento, o ajuste fiscal e a liberalização foram perseguidos como metas prioritárias. (COUTINHO, 2013, p. 32).

Diogo Coutinho ao tratar do papel desempenhado pelo Banco Mundial neste período ressalta a publicação, no ano de 2001, do denominado World Development Report, cujo título é “Lutar Contra a Pobreza”. Neste relatório, o Banco Mundial apresentou metas, e ao debater a relação entre desenvolvimento e pobreza “[...] reconhece que a pobreza é mais que renda ou desenvolvimento humano inadequado; é também vulnerabilidade e falta de voz, poder e representação.” (COUTINHO, 2013, p. 33). Em razão deste contexto, o Banco Mundial apontou uma estratégia para combater a pobreza estruturada em três frentes: promover oportunidades, estimular a autonomia e aumentar a segurança.

A atuação do Banco Mundial, conforme ressalta Diogo Coutinho, deve ser situada em seu momento histórico, ou seja, as recomendações feitas guardam estreita ligação com a ofensiva neoliberal dos anos 1990. Esta observação é de fundamental importância para a compreensão do papel do Banco Mundial no debate sobre o desenvolvimento e, particularmente, sua relação com o combate à pobreza.

Essa concepção de que a pobreza, como obstáculo ao desenvolvimento, deve ser mitigada e os pobres “empoderados” em termos de autonomia, oportunidades e segurança deve ser situada em seu momento histórico. Trata-se do período em que denominadas reformas de ajuste estrutural, guiadas pela visão de mundo segundo a qual o setor privado deveria ser “libertado” de uma espécie de garrote de intervenção estatal, foram implementadas em vários países em desenvolvimento sob os auspícios e condicionalidades de instituições multilaterais como o FMI e o próprio Banco Mundial. Em termos de políticas sociais, supunha-se que a ação do Estado criava, em regra, em favor das elites, rendas artificiais ou taxas de retorno superiores àquelas que o mercado ofertaria sendo, por isso, deletéria e criadora de desigualdade (Nayyar e Chang, 2005). Em face disso, ofensivas contra a pobreza deveriam basear-se em estímulos de mercado à atividade econômica e ao consumo com programas sociais focados e de natureza compensatória. (COUTINHO, 2013, p. 34).

Portanto, pode-se concluir que neste segundo período de debates sobre o desenvolvimento a questão da pobreza passou a chamar atenção dos teóricos e políticos, porém essa preocupação “[...] limitou-se ao objetivo de mitigação de seus efeitos mais agudos desde a ótica da economia de mercado, lastreada na ideia de eficiência.” (COUTINHO, 2013, p. 35). Logo, “[...] a dicotomia entre políticas econômicas e políticas sociais (sendo as segundas consideradas residuais) torna-se clara, mas sem que haja maiores preocupações com a integração entre ambas.” (COUTINHO, 2013, p. 35).

Desse modo, em suma, a pobreza foi entendida como um mal a ser combatido para “moderar” os efeitos de políticas econômicas que assegurem crescimento e eficiência – daí a ideia de que redes de segurança social são medidas paliativas. As causas mais profundas da pobreza, a relação entre pobreza, produtividade e outras variáveis econômicas importantes, assim, como a existência de severas e agudas desigualdades tanto no mundo rico desenvolvido como no mundo pobre subdesenvolvido – o problema do fosso social que separa pequenas elites de grandes

contingentes de pobres -, não foram, senão mais adiante, alvo de maior atenção nos estudos do desenvolvimento. (COUTINHO, 2013, p. 36).

Após esta segunda fase dos estudos acerca do desenvolvimento, há uma nova etapa de pensamento, incorporando-se com maior vigor a noção de pobreza, bem como introduzindo-se a problemática da desigualdade. Ao tratar desta terceira etapa de pensamento, Diogo Coutinho (2013, p. 37) inicialmente ressalta que a noção de pobreza, por si só, “[...] é insuficiente para a compreensão dos debates contemporâneos sobre o desenvolvimento desde uma perspectiva social. Entender o que significa a desigualdade é tão ou mais importante.”

Após diferenciar desigualdade de renda de pobreza, Diogo Coutinho (2013, p. 39) indica haver “[...] distintas possibilidades de cenários envolvendo as interações entre a desigualdade, a pobreza e o crescimento”, sendo que “[...] a redução da pobreza não é necessariamente sinônimo nem causa da redução da desigualdade, nem a redução da desigualdade é, necessariamente, sinônimo ou causa de redução da pobreza.” (COUTINHO, 2013, p. 39). Por isso, conclui que “[...] em um cenário ideal, a pobreza pode ser reduzida ou mesmo eliminada com uma combinação ‘ótima’ de crescimento, que é sempre desejável e necessário, e redistribuição de renda.” (COUTINHO, 2013, p. 40).

No debate sobre desenvolvimento, especificamente no que diz respeito à América Latina e ao Brasil, o economista Celso Furtado também se mostra uma importante referência, tendo o sociólogo Francisco de Oliveira (1983, p. 13) afirmado que “Furtado converte-se – é