• Nenhum resultado encontrado

O ateliê no asilo, a “casa-museu” e o ateliê aberto

Vois habitantes da terra Eu apresento as suas nações.

Arthur Bispo do Rosário

Ao implementar um espaço de convivência com as artes e seus procedimentos contemporâneos num curso20 sediado em um museu público, foi possível constituir um trabalho que escapava às configurações tradicionais: ao invés de um espaço de ensino de técnicas e transmissão de informações sobre artistas e movimentos, o processo de ensino

20 Promovido pela Divisão de Educação e Ação Cultural do Museu de Arte Contemporânea da Universidade

de São Paulo (MAC-USP) e coordenado junto com a artista e arte-educadora Christiana Morais, esse projeto ocorreu nos anos de 2001 e 2002 em parceria com o Laboratório de Ensino e Pesquisa Arte e Corpo em Terapia Ocupacional do Curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coordenado pelas docentes Profas. Dras. Eliane Dias de Castro e Elizabeth de Araujo Lima. Além da parceria com este projeto, outros programas alocados no MAC foram parceiros do laboratório, constituindo-se como campo de estágio para alunos da graduação em Terapia Ocupacional. Uma das características do Laboratório é efetivar estas parcerias com equipamentos do campo da cultura, configurando a sua tripla função de extensão, de ensino e de pesquisa. Parte da discussão proposta por este estudo esteve ancorada pelas discussões proporcionadas, inicialmente, por este laboratório.

elegia como ponto de partida o projeto de cada participante. Em seu nome “Orientação para projetos artísticos”, explicitava-se sua proposta, isto é, fornecer orientação e respaldo àqueles que se consideravam artistas (mesmo que iniciantes), na condução de seus trabalhos. Logo no momento da inscrição, o curso solicitava que o interessado anexasse seu projeto de pesquisa e/ou trabalho no campo das artes, tornando o próprio ato de inscrever-se uma autorização de pertencimento ao universo artístico. Tal iniciativa destoava da noção convencional de um curso, pelo seu caráter não doutrinário, uma vez que a vivência de ateliê fazia parte da proposta, mas não exclusivamente, pois o acesso aos procedimentos artísticos contemporâneos não se restringia a procedimentos técnicos relacionados exclusivamente ao fazer, mas a um campo mais abrangente que este fazer estivesse incluído. Neste caso, atividades externas ao ateliê tangenciavam todo o curso para proporcionar aos integrantes adentrar os ambientes em que o trabalho com as artes se perfaz, considerando produções discursivas de artistas de reconhecimento público acerca de seus trabalhos e suas trajetórias, ambientes de ateliê individual e coletivo de artistas da cidade de São Paulo, galerias e acervos dos principais museus, que configuravam o programa que o curso oferecia. A construção deste trabalho experimental dentro da Divisão de Educação do museu foi tomado como um exercício para implementar uma proposta dissonante dos demais cursos oferecidos, mas que guardasse relação com este núcleo e por ele fosse respaldado. Esta experiência permite pensar um outro modo de operar no campo da educação e do trabalho em artes, admitindo as transversalidades que isso exige na contemporaneidade.

Destes atravessamentos, decorreu uma das visitas feitas no bojo deste curso, que não aconteceu num espaço institucionalizado da arte. Não era um centro cultural, nem museu, nem galeria, muito se assemelhava a um espaço de ateliê e também a um espaço expositivo, no entanto os ultrapassava, difícil definir. Tratava-se de uma casa, aliás, de várias casas e o seu conjunto dizia respeito a uma única residência. Não era uma residência qualquer, pelo contrário, tratava-se da moradia do artista Arcangelo Ianelli (1922-2009) e de sua esposa; as casas, que somavam doze, eram todas vizinhas. Uma vez adquirida, o proprietário mantivera em cada uma o seu estilo, a construção original e as ligações entre os terrenos que comportavam os imóveis foram necessárias para possibilitar a circulação. Além da sua própria residência, cada casa tinha uma finalidade: numa delas se concentrou o ateliê de pintura onde ficavam dispostas enormes telas, tintas,

solventes, recipientes, pincéis, godês, estantes, livros, bancada, tanque... Em outra, as esculturas, também enormes, em mármore. Entre estes espaços, havia um jardim com muitas plantas e várias esculturas também de grandes dimensões que, segundo Ianelli, serviam como “fontes de inspiração” efetuando ali “momentos contemplativos”, para ele, necessários a qualquer artista. Pelo fato de receber há alguns anos, com certa frequência, visitantes, ele decidiu fazer, em uma das casas, uma retrospectiva de suas obras do início da sua carreira até aquele momento, efetuando ali um pequeno museu.

Transitar por essa ambientação artesanalmente construída ao longo de décadas pelo artista, exigia por parte do visitante, aclimatar-se àquilo que conjugava seu espaço de trabalho e intimidade de sua casa ao seu percurso como artista e à sua história com as artes. Dessa experiência pontual, bastante singular, resultou uma impressão: a construção de tudo aquilo era decorrente de um empenho enorme e investimentos de várias ordens, por parte do artista, entretanto, parecia não se tratar de uma escolha exatamente, aquela produção incessante era algo que não dava para não ser feito.

A dimensão compulsória na produção artística é tema de muitos acontecimentos reportados no campo das artes. Num documentário realizado por um programa jornalístico e transmitido em rede nacional sobre a Colônia Juliano Moreira no Rio de Janeiro, uma familiar, em visita a um parente que ali estava internado, ao deparar-se com a produção de Artur Bispo do Rosário (que a partir desta reportagem foi reconhecido como artista) e, impressionada com o que via, dirigiu-se a ele com uma pergunta: “você deve gostar muito dessas coisas que faz, não é mesmo?”. A impressão da mulher não foi confirmada para a sua surpresa, pois Bispo lhe respondeu algo assim: “não, não gosto, faço porque sou obrigado a fazer!”.

As diferenças entre uma situação e outra devem ser respeitadas, mas a questão da obrigatoriedade pode se aplicar a ambos. Para Bispo, ela estava relacionada a uma ordenação divina para evitar a sua aniquilação que, em suma, consistia em apresentar a Deus “tudo o que existe e toda a produção de saber existente na face da terra” (QUINET, 2009, p. 234), por isso a necessidade daquele afã primoroso e infindável feito por suas próprias mãos. Decerto, para Ianelli a obrigatoriedade não se relaciona a nenhum elemento exterior, ela é imanente, resultado de uma mobilização inevitável, numa conjunção imprevista. De todo modo, nas duas situações vemos em operação as ideias

iniciais apresentadas nesta pesquisa com respeito ao movimento pulsional.

Mais tarde, ainda inspirado por esta experiência desenvolvida junto ao museu, um espaço de ateliê, denominado Ateliê Aberto, foi instalado no ambiente do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luís da Rocha Cerqueira (CAPS Itapeva), fazendo parte da grade de atividades desta instituição, cuja característica primordial era a participação optativa dos usuários. De início, as coordenadas do Ateliê obedeciam à criação de um espaço para receber aqueles que tinham interesse por esse tipo de proposta, com o intuito de ser um ambiente não exclusivo para pacientes, de modo a constituir um grupo heterogêneo, aberto à comunidade. A necessidade de interromper os encaminhamentos genéricos, que obrigam alguns usuários a frequentar atividades exclusivamente para preencher sua grade horária na instituição fez com que a ideia de um espaço aberto se sustentasse, com o risco deste Ateliê transitar por configurações que iriam desde um espaço de quebra do ócio até um espaço hegemônico – que pudesse beneficiar a todos. No dia-a-dia da experiência, o Ateliê passou a se constituir paulatinamente como um lugar de muitos trânsitos, efetuados a partir das indicações realizadas pelos próprios funcionários do CAPS, com critérios variáveis, alguns, inclusive, questionáveis. Assim como qualquer outro procedimento, o Ateliê viu-se afetado pela dinâmica institucional. Variados também foram os motivos mencionados por cada um que chegava: porque gostava de desenhar, porque acabava de ingressar na instituição, porque estava em crise, porque estava curioso, porque queria estar onde os demais estavam, porque alguém falou para ele ir e ele por sua vez nem sabia o que estava fazendo ali, etc. Neste tipo de proposta em que a participação dos usuários é permitida e não obrigatória, a configuração grupal acaba por comportar demasiada flutuação. A depender do próprio cotidiano institucional, havia dias que a sala ficava lotada e, outros, que contava com dois ou três participantes; além disso, com este tipo de enquadre, a chegada de um novo integrante, totalmente alheio ao que se passava ali, estava sempre posta. À medida que a proposta foi amadurecendo, aqueles que tinham uma conexão com este espaço se tornaram seus frequentadores assíduos.

O Ateliê foi instalado de modo ressonante aos princípios norteadores do CAPS e, ao mesmo tempo, como algo inaugural. Naquele momento, o serviço estava marcado por uma tônica mais convencional no que concerne à prática clínica - o que podia atribuir-se a uma série de fatores, dentre eles, as consecutivas mudanças de gestão, com pressupostos

clínicos muito distintos dos anteriores, sucessivas mudanças no projeto institucional, que não cabe esmiuçar-se aqui. Em favor de experimentos que saíssem do foco do discurso médico, do recorte pela doença, muito presente naquele momento institucional - tanto por parte dos usuários e seus familiares, sobretudo pelos profissionais -, impregnado nestes lugares de tratamento, tornou-se essencial constituir um trabalho tangenciando campos e habitando fronteiras, de modo a destacar a experimentação e a efetuação de procedimentos artísticos, sem desconsiderar a sua dimensão clínica.

Como é conhecido, no CAPS, há uma sobreposição de papéis e funções, os profissionais de um modo geral estão mergulhados nas solicitações da clínica que exige que se possa fazê-la de vários modos. Por exemplo, um médico pode se ocupar de consultas médicas onde acompanhará alguns pacientes e coordenar um grupo de família ou uma oficina de escrita, onde a sua função será outra. No caso da experiência de uma oficina de escrita, viabilizada por meio da parceria de um psiquiatra como um jornalista e escritor, um jornal foi confeccionado para circular a produção dos que frequentavam aquele espaço e que se desdobrou em um Jornal chamado Tarja Preta, nome sugerido por um dos pacientes. Nem é preciso dizer que ali se instaura um espaço para discutir assuntos diversos relacionados ao dia-a-dia da instituição e outros; a medicação pode ser um deles, ao serem trabalhados sem ser uma consulta médica e em um espaço mais coletivo. Por exemplo, ao escolherem fazer uma matéria sobre a indústria farmacológica, pôde surgir ao longo desse debate a percepção, dos participantes da oficina com relação aos profissionais do CAPS, que os mesmos, ao se depararem com um paciente em crise, optam primeiramente por medicar. A acolher esta situação, inicialmente delicada, tem-se a oportunidade de que o assunto possa ser tratado por todos e de outros modos. Além disso, podemos pensar que a medicação como primeira resposta à crise, em detrimento de outras formas de abordar o sujeito em um CAPS, pode funcionar como um analisador institucional. Se tomarmos a psicoterapia institucional francesa como já foi abordada, acompanharemos como a psicanálise contribui e dialoga com estas perspectivas que buscam engendrar uma atitude que leve em consideração a existência de um sujeito o qual possui um saber sobre si.

No que concerne ao Ateliê, vale dizer, entretanto, que esse tipo de proposta dentro de um CAPS não é nova, aliás, as oficinas expressivas ou artísticas são pressupostos de trabalho deste tipo de equipamento desde a sua origem, bem como a

inclusão de profissionais não “psis” na construção do cotidiano institucional. De outro modo, algumas experiências institucionais do século passado já tinham sido atravessadas pelas artes e, neste sentido, o trabalho de Osório César e o de Nise da Silveira, transcorridos no início e na metade do século passado, merecem ser destacados.

Como se sabe, Osório César, além de médico, músico e crítico de arte, fora casado com Tarsila do Amaral e tornara-se frequentador dos salões modernistas paulistas. Além destes interesses, havia um outro, igualmente importante para ele, a psicanálise. O seu empenho, no campo da psiquiatria, esteve voltado para a busca de uma fundamentação teórica que pudesse auxiliá-lo na pesquisa de uma estética dos alienados, à qual se dedicava (LIMA, 2009, p.115). Para este psiquiatra paraibano que chegou ao Hospital Psiquiátrico do Juquery para ocupar o cargo de assistente de laboratório no início da década de 20, estudar a arte dos internos foi o seu projeto, que se estendeu por longos anos. Vale sublinhar que, inicialmente, esta produção plástica acontecera sem nenhum apoio do hospício e, como ocorria em geral, as produções dos internos foram realizadas com os materiais extraídos do cotidiano institucional. As iniciativas nesse ambiente foram decorrentes, principalmente, do trabalho deste psiquiatra que, ao criar condições mais favoráveis para que essas manifestações pudessem acontecer, constatou e valorizou a qualidade da produção dos pacientes, e possibilitou que este tipo de trabalho e experiência pudessem existir em um ambiente tão árido quanto o asilar.

Para tanto, Osório César organizou, arquivou e catalogou estas produções que recolheu do manicômio, comparando-as com a dos primitivos, a das crianças e a de vanguarda e, como resultado deste trabalho, publicou, em 1929, A expressão artística nos

alienados; este livro, como outras publicações sobre o assunto, foi considerado um marco

nos estudos que aproximavam arte e loucura no contexto brasileiro. É notável que essa conexão aconteceu numa via de mão dupla, pois também vários artistas modernos “vão se esforçar para contaminar-se com loucos, crianças e povos exóticos” (LIMA, 2009, p.75). Aliás, a tese de Elizabeth Araújo Lima aponta justamente para essa questão, isto é, se a psiquiatria foi atravessada pelas artes no início do século, também “a arte brasileira moderna e contemporânea foi marcada, em alguma medida, pela força de obras produzidas fora do espaço institucional da arte, em especial, nos manicômios” (LIMA, 2009, p. 210).

Ao analisar essa produção de Osório César, Lima comenta que a psicanálise trouxe para o psiquiatra uma importante contribuição no acesso aos conteúdos psíquicos dos internos:

Por isso, diz o autor, se deparássemos com um poema de um esquizofrênico com vocábulos deslocados ou sem sentido e os estudássemos à luz da psicanálise, poderíamos esclarecer em grande parte acontecimentos remotos de sua vida; o mesmo se daria com os desenhos (2009, p.118).

No entanto, parece que estes dois campos de análise permaneceram separados para ele, pois:

Após essas considerações de caráter geral, César desenvolveu seu método de trabalho, que consistia em apresentar alguns artistas do Juquery, transcrevendo a sua história psiquiátrica – uma anamnese médica -, e analisar esteticamente suas obras. O método empregado por Osório César tinha linhas que o prendiam a um olhar estritamente psiquiátrico e outras que escapavam dessa grade de compreensão, revelando o lugar duplo que ocupava, de psiquiatra e crítico de arte, bem como a dificuldade de produzir uma leitura que comportasse e articulasse esses dois olhares (LIMA, 2009, p.119).

Em 1946 foi criada a Seção de Artes Plásticas, mais tarde, transformada na Escola Livre de Artes Plásticas do Juquery, cuja pretensão era oferecer recursos materiais e técnicos para os internos do hospital que tinham uma vocação artística. Posteriormente, foram convidados, por Osório César, alguns artistas para trabalharem junto aos pacientes. Neste mesmo ano, no Centro Psiquiátrico Pedro II, localizado no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, a psiquiatra Nise da Silveira, implanta um ateliê de pintura para os internos, “sustentando então a aposta de que lá onde eram jogados os rebotalhos da sociedade utilitarista, havia sujeitos – sujeito do inconsciente” (QUINET, 2009, p.209).

A jovem psiquiatra opôs-se frontalmente aos procedimentos usuais da época para conter a loucura: os eletrochoques, os comas insulínicos e as psicocirurgias e, mais tarde, contra o abuso dos neurolépticos e das internações sucessivas. Para tanto, teve que se refugiar no Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação do hospital e, logo de início, já declarava que o seu interesse pelas artes estava atrelado a construir um procedimento terapêutico que destinaria ao tratamento dos esquizofrênicos, como ela própria os denominava. Nesse sentido, sua opção foi seguir esse caminho da terapêutica ocupacional, considerado na época um método subalterno, destinado à distração do louco ou contribuição para a economia hospitalar (LIMA, 2009).

Também como Osório César, a psiquiatra, no início de seu trabalho, não teve apoio institucional para criar o ambiente de ateliê e os recursos que assegurassem uma produção – especialmente, desenho, pintura e modelagem – com recursos materiais mais adequados. Mas, diferente dele, o interesse dela “pela pintura era decorrente de sua investigação clínica e não de uma aproximação primeira com o campo da arte” (LIMA, 2009, p.144).

Diante dessa escolha e para a sua sobrevivência no campo psiquiátrico, Nise da Silveira teve que se dedicar a pesquisas que registrassem, em síntese, “os resultados obtidos com a utilização de atividades, comprovar a eficácia dessa forma de tratamento, investigar efeitos nocivos dos tratamentos tradicionais, comprovar capacidades criativas e de aprendizados dos esquizofrênicos” (LIMA, 2009, p.139). A psicologia junguiana lhe serviu de aporte teórico para que pudesse se embrenhar nessa tarefa de análise dos trabalhos pictóricos dos loucos e ter acesso ao que mais ambicionava, isto é, as produções inconscientes daqueles que tratava. Assim, comenta Quinet:

O encontro de Nise da Silveira com a psicologia junguiana nos anos 50 vai doravante dar o enquadramento teórico desse ateliê de pintura [...]. O método de deciframento das obras, segundo a busca de símbolos do inconsciente coletivo, de mandalas e arquétipos caros a Jung, fez a doutora Nise da Silveira escrever bastante sobre essa experiência e sustentar e estimular a criação de outros ateliês, em outros lugares [...] (2009, p.210).

Em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente foi criado pela psiquiatra alagoana, inicialmente como um espaço para possibilitar o estudo dessas obras; ele não deixa de ser isso, mas vale dizer que é muito mais do que isso. Embora alocado em Engenho de Dentro, este ambiente que comporta fazeres enigmáticos e uma poética incomum de cada um dos internos foi arquitetado, conforme as palavras de sua criadora, para ser um “museu-vivo” (SILVEIRA, 1980).

Como é possível constatar, as experiências de Engenho de Dentro foram para fora, por exemplo, a Casa das Palmeiras, fundada por Nise em 1956, instituição pioneira de tratamento para pacientes graves em regime de portas abertas. Esta expansão não parou por aí, a trilogia Imagens do inconsciente: em busca do espaço cotidiano (1983), dirigida pelo cineasta Leon Hirshman sobre o Museu e os seus artistas propiciou que tais produções pudessem circular em outros meios. Antes disso, houve o encontro promissor com o crítico de arte Mário Pedrosa - culminando na arte virgem – que, além de elevar a iniciativa da psiquiatra, interessou-se profundamente pelas manifestações daqueles que,

mesmo alheios ao campo artístico, estiveram bastante atravessados pelo fenômeno estético. Na perspectiva do crítico, “os termos normalidade e anormalidade não teriam qualquer relevância no domínio das artes” (LIMA, 2009, p.163). Ademais, pinturas e desenhos de Fernando Diniz, Raphael, Emydio, Abelardo, Carlos Petruis, Octávio Inácio, Adelina Gomes puderam participar de exposições nacionais e internacionais e, muitos deles, inclusive, “puderam sair do anonimato asilar e se situar no mundo do mercado onde o Outro dita a lei” (QUINET, 2009, p.209).

Enfim, neste parêntese sobre estes dois psiquiatras e suas experimentações estético-clínicas cabe sublinhar que a vitalidade destes espaços adveio substancialmente de um ambiente híbrido, com efeitos para a clínica da psicose irrefutáveis. Ao criar um ambiente em outro, na contramão daquele que o abrigava, estas experiências fazem pensar que não apenas o compromisso clínico e suas repercussões para cada paciente estava em questão, mas também seus efeitos colaterais: sua dimensão ética e política – o que nos remete às narrativas iniciais deste ambiente.

Documentos relacionados