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O Atlas de Gerhard Richter

No documento Nélio Conceição A REALIDADE EM EXERCÍCIO (páginas 31-200)

Capítulo III – Semelhança e fotografia

Excurso 2: O Atlas de Gerhard Richter

une o nosso corpo ao corpo dos fotografados, com todas as consequências, ao nível de experiências estéticas, cognitivas ou afectivas que daí podem advir.

16 expressão artística, de acercamento do limite do pensamento, que também devem entrar em linha de conta. Há como que uma mácula do pensamento: quando se foca, assemelha-se a uma fotografia, um recorte que necessariamente delimita a visão. O fora de campo, aquilo que está para lá do enquadramento das questões, dos conceitos e das soluções encontradas, não deixa por isso de exercer os seus efeitos, as suas sombras de obscuridade. Transformar essa mácula em possibilidade vital é também o espírito da presente dissertação.

Com efeito, neste percurso mergulharemos no espaço aberto entre filosofia e fotografia por via de três linhas de investigação que dão corpo aos três capítulos. Em traços largos, no primeiro capítulo, exploraremos algumas teorias de cariz fenomenológico que se debruçam sobre a fotografia ou que serão trazidas a lume para melhor iluminarem os problemas levantados pela fotografia. O segundo capítulo visa circunscrever a instância do exercício filosófico-fotográfico, quer como uma forma de criar um bom acesso ao trabalho fotográfico de August Sander, quer como uma forma de reler a morfologia goethiana e o pensamento de Walter Benjamin. O terceiro capítulo mostra a relevância da semelhança e da mímesis para a fotografia, não apenas no domínio da imagem e da representação, mas sobretudo nos domínios do vivido, dos seus movimentos e das suas forças expressivas, por intermédio do aprofundamento da teoria mimética de Walter Benjamim. Os excursos que se encontram no final do segundo e do terceiro capítulo retomam e desviam algumas das considerações e articulações que foram descobertas ou postas em evidência.

No primeiro capítulo analisaremos os textos em que Husserl tomou a fotografia como objecto de análise fenomenológica, textos presentes no volume XXIII de Husserliana, sobretudo os que se encontram reunidos sob o título Fantasia e

Consciência de Imagem. Mostraremos como, no quadro das descrições relativas à consciência de imagem, acto intuitivo constituído por três instâncias / actos de consciência – imagem física, objecto-imagem e tema-imagem –, a fotografia revela ser um caso singular. As razões e as consequências desta singularidade constituem o fio da nossa análise, pois elas dizem respeito quer aos pressupostos da consciência de imagem husserliana, sustentada por uma teoria da representação por semelhança, quer às próprias características da fotografia enquanto imagem que traz necessariamente uma marca da realidade. Não deixaremos também de apontar alguns aspectos problemáticos da fenomenologia da consciência de imagem relativamente à compreensão da

17 experiência estética, pois eles permitir-nos-ão aceder, no mesmo passo, às resistências criadas pela fotografia no que toca à neutralização da posição existencial. Contudo, encontraremos aqui um paradoxo: no mesmo movimento em que a fotografia parece ser a imagem que melhor corresponde aos princípios husserlianos, ela própria subverte o esquema constituído pelos três actos da consciência de imagem. Aprofundaremos esta subversão a partir da obra A Câmara Clara de Roland Barthes, a qual, não por acaso, se situa no solo de uma fenomenologia desenvolta, cínica, segundo as palavras do próprio autor. As questões do afecto e da realidade, do “isto foi”, quebram o quadro da fenomenologia da consciência de imagem. Neste sentido, torna-se imperativo voltar às descrições fenomenológicas que Jean Paul Sartre desenvolve em L’imaginaire, pois elas contêm em gérmen questões de afecto e magia que, se assim o podemos dizer, encontram em A Câmara Clara um novo influxo. Talvez seja esse, segundo Hubert Damisch, o segredo da dedicatória de A Câmara Clara: “Em homenagem a

L’Imaginaire de Sartre”. Balzac, nos primórdios da daguerreotipia, olhou para a fotografia como se ela respondesse de modo singular e perturbante à teoria dos espectros, dos eidola de Demócrito, ideia que não passou despercebida a Walter Benjamin e que encontra ecos no livro de Barthes. Esta é desde logo a ocasião para apontar o carácter de espectralidade da fotografia que irá pairar sobre a nossa tese, com particular incidência para o Capítulo III.

O trabalho fotográfico Evidence, de Larry Sultan e Mike Mandel, colocar-nos-á num núcleo de questões complexas relativamente ao carácter de prova da fotografia. Mostraremos como a questão da evidência, no seu sentido filosófico, extravasa a dimensão da prova e da adequação à verdade. Trata-se neste contexto de explicitar as restrições linguísticas, culturais, conceptuais e filosóficas, inerentes à redução da evidência à sua dimensão de prova. Para abrirmos a força de evidência enunciada por Barthes e tomá-la em toda a sua amplitude filosófica e antropológica, encetaremos uma análise do Tratado da Evidência de Fernando Gil, uma obra que, dialogando profundamente com a questão da evidência na tradição filosófica, nomeadamente com Husserl, não deixa de constituir uma chave para entrar na complexa questão da evidência fotográfica. Daremos conta de alguns dos traços fundamentais da evidência fotográfica, entre eles, atenção, ostensão, tempo, carácter deíctico, alucinação, desejo e preenchimento. Reteremos a distinção entre vista e olhar proposta por Fernando Gil na sua análise das fotografias de Gérard Castello Lopes, pois ela permitir-nos-á, por sua

18 vez, compreender o alcance e os limites da descrição do gesto de fotografar engendrada por Vilém Flusser. Sendo realizada no quadro de uma fenomenologia que resulta de uma adopção particular de elementos descritivos e da criação de uma imagem de pensamento, Flusser desenvolve em “O gesto de fotografar” uma aproximação entre gesto fotográfico e gesto filosófico. Salientaremos a pertinência do conceito de afinação para a compreensão dos gestos e do olhar fotográfico. No final do capítulo, a Eterna Criança de Alberto Caeiro terá de intervir junto das teses de Flusser, permitindo-nos renovar a questão do olhar, retirando-o da égide de um eu e de uma subjectividade, preparando o modo muito mais refinado como as questões da observação e da theoria – que se constrói na mais íntima relação com os fenómenos – serão desenvolvidas no capítulo que se segue.

Nos seus traços gerais, o segundo capítulo desenvolverá a imbricação fotográfico-filosófica que se encontra na expressão “um atlas em exercício”. Esta expressão é enunciada por Walter Benjamin em “Pequena História da Fotografia”, numa referência ao trabalho fotográfico de August Sander. Mas antes dessa referência, uma outra deixa-nos no trilho da delicada empiria de Goethe e do seu pensamento morfológico. Tendo em conta estas referências, analisaremos alguns dos aspectos fundamentais do trabalho do fotógrafo alemão, verificando a sua importância na história da fotografia. Sendo comummente associado à corrente artística intitulada de Nova Objectividade, mostraremos, contudo, e seguindo as críticas de Walter Benjamin a alguns aspectos da Nova Objectividade, que o seu trabalho tem particularidades que importa analisar mais profundamente. Neste contexto, será sublinhada a dimensão do anonimato que subjaz aos seus retratos. A questão do anonimato, como também a do nome, marca uma tensão muito particular na fotografia, constituindo um campo de forças e de possibilidades criativas e destrutivas. Revisitaremos ainda alguns dos principais aspectos de “Pequena História da Fotografia”, nomeadamente os que dizem respeito à aura e à queimadura do real na fotografia. Serão concretizadas algumas afinidades entre o trabalho de Sander, a morfologia de Goethe e a atenção ao presente que subjaz à expressão “um atlas em exercício”.

Entraremos depois num ponto fulcral da nossa dissertação, relativo à circunscrição da instância do exercício no pensamento de Benjamin e suas ramificações fotográficas. Neste sentido, o aprofundamento da questão da experiência conduzir-nos-á a uma reavaliação da relação entre imersão e efeito de choque, a qual permitirá mostrar

19 a complexidade e a fertilidade das considerações de Benjamin sobre a fotografia, evitando-se sucumbir às muitas leituras de superfície a que os seus textos foram votados. A noção de presença de espírito, uma presença que passa pelo corpo, desponta como um traço forte da instância do exercício e da atenção ao presente que esta pressupõe, constituindo um elemento essencial para aceder a – e deixar-se penetrar – pelas tensões do pensamento e da história. As considerações que aqui se desenvolvem serão revertidas para a compreensão da fotografia, marcando também um acesso à dinâmica da criação artística. A divisa “método é desvio”, que se encontra no “Prólogo” a Origem do Drama Trágico Alemão e marca, por sua vez, a relação entre filosofia e exercício, abre então a possibilidade de encetar um recomeço e três desvios.

O Capítulo III, num certo sentido, é um aprofundamento de alguns aspectos enunciados no capítulo anterior, relativamente ao pensamento de Walter Benjamin e às questões miméticas que o atravessam. Mas, inicialmente, é a questão da semelhança em fotografia que importa endereçar. Antes de mais, pela circunscrição da semelhança do ponto de vista empírico e conceptual, isto é, pela compreensão de como a semelhança actua ou pode actuar como um elemento integrante de alguns trabalhos da fotografia contemporânea. Contudo, há que ir mais longe. Avaliaremos as críticas à semelhança no campo da teoria da fotografia e as restrições de compreensão que inerem à cristalização da noção de índice como acesso à ontologia da fotografia. Mais do que purificar ou libertar a fotografia do jugo das semelhanças, mostraremos a necessidade de pensá-la na sua impureza e complexidade, não a reduzindo às categorias da imitação ou da mera reprodução. Neste sentido, aprofundaremos a estrutura da representação e da semelhança desenvolvida por Fernando Gil em Mim sis e Negação. A aproximação a um fundo mimético que nela é encetada constituirá uma porta de entrada para pensar diferentemente esta questão e, por sua vez, introduzir a teoria mimética de Walter Benjamin. Resgataremos a questão da semelhança dos domínios mais restritivos da imagem e da representação, encaminhando-a para os domínios do vivido e da compreensão do seu papel fundamental na infância. Vários textos permitem-nos compor o quadro desta teoria mimética, quer os textos de cariz mais teórico, que apresentam as questões da mímesis do ponto de vista filosófico e antropológico, quer os textos que põem em movimento experiências miméticas, como os que fazem parte de Infância

Berlinense:1900. Esta será então uma nova oportunidade para aprofundar as considerações de Benjamin relativamente à fotografia, aprofundando-se as questões da

20 aura, da recordação, da infância e dos movimentos miméticos e de imersão no mundo e na matéria. Com as fotografias de Karl Bloßfeldt será encetado um percurso pelo inconsciente óptico, lido a partir da teoria mimética de Benjamin e de um mergulho na questão do pormenor e do Todo, ao nível da fotografia, da arte, do pensamento filosófico. Descobrir-se-á, mais uma vez, como a estrutura da fotografia, uma

representação que apresenta, revela-se apta a estabelecer movimentos de ligação e dirige-se directamente ao coração dos mais intricados problemas filosóficos.

No último momento do terceiro capítulo, retomar-se-á a dimensão espectral da fotografia. Esta é uma condição da sua relação com a escrita. Benjamin mostra-o ao conceber a história da fotografia como uma história de olhares pairantes, como um exercício da centelha da fotografia num movimento de restauração e incompletude, e não como uma história progressiva, de carácter cronológico. Por último, uma singular afinidade entre Benjamin e Kafka, que envolve também questões fotográficas, permitirá a introdução dos “gestos no Teatro do Mundo”, uma expressão que se encontra num texto que Benjamin escreveu sobre Kafka. Algumas considerações sobre o nome e o jogo concluem o capítulo.

Os dois excursos que apresentamos dialogam com o capítulo que lhes precede (embora o segundo excurso, sobre o Atlas de Gerhard Richter, dialogue provavelmente com toda a tese).

Antes ainda de avançarmos para o primeiro capítulo, importa salientar a ideia de que as fotografias apresentadas não têm apenas um valor ilustrativo. Espera-se que elas próprias – uma mais do que outras, necessariamente – ajam sobre as discussões e façam ver novos aspectos. Essa é, no fundo, a coerência possível de um trabalho que parte exactamente de uma compreensão da fotografia como queimadura do real. Tentar perceber essa queimadura, os seus efeitos e as suas forças, tentar seguir aquilo que ela contém de modo embrionário, é, nosso entender, uma abertura do campo de pensamento sobre a fotografia.

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Capítulo I

Visão e evidência:

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O que quer isto dizer? Que verdade é esta que uma película não erra? Que certeza é esta que uma lente fria documenta? Quem sou, para que seja assim? Contudo... E o insulto do conjunto?

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

E finalmente ergueste o álbum,

Que, uma vez aberto, me pôs a viajar. Todas as tuas idades Mate e brilhantes em grossas e negras páginas!

Demasiados doces, demasiado rico: Engasgo-me nestas imagens tão nutritivas. […]

Portanto, um passado que ninguém agora pode partilhar, Independentemente de quem é o teu futuro; calmo e seco, Abraça-te como um refúgio, e ficas aí deitada

Imutavelmente linda,

Mais pequena e mais cristalina à medida que os anos passam.

Philip Larkin, “Lines On A Young Lady's Photograph Album” in The Less Deceived22

22 Agradecemos a Pedro Abreu ter-nos feito conhecer este poema de Philip Larkin. A tradução, inédita, é

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1. Afinação: distância focal

A atenção à fenomenologia que propomos neste capítulo não visa, de modo ostensivo, uma discussão dessa corrente filosófica tão rica e diversificada quanto complexa. Quer isto dizer que nos absteremos de aprofundar exaustivamente as diversas abordagens que faremos, aprofundamento que seria normal caso a nossa investigação se centrasse na compreensão dos problemas fenomenológicos em si mesmos – e assumamos a expressão “em si mesmos” no seu sentido doutrinal e histórico-filosófico. Iremos tão longe quanto houver necessidade de esclarecer determinada noção ou problema relativo à fotografia ou aos desafios que ela levanta ao pensamento filosófico. Esta restrição não decorre de uma diminuição da complexidade da(s) fenomenologia(s) em causa, também não significa que abdicaremos do rigor essencial a qualquer abordagem filosófica. Significa simplesmente que o diálogo entre filosofia e fotografia implica uma consciência dos seus próprios limites, isto é, uma consciência do ponto em que o trabalho conceptual encontra o alimento capaz de o satisfazer. E isto vale tanto para o presente capítulo como para os que se lhe seguem, embora em todos eles existam, como não poderia deixar de ser, momentos mais abastados e momentos mais frugais.

Começaremos então por uma análise dos textos de Husserl em que a fotografia é também uma questão, sobretudo as descrições efectuadas em relação à consciência de

imagem (Bildbewusstsein), as quais se inscrevem na problemática, de maior amplitude, relativa à distinção entre os actos de presentação (Gegenwärtigung) e de

presentificação (Vergegenwärtigung). Procuraremos compreender, antes de mais, por que razões a fotografia parece ser a imagem que melhor encaixa nas descrições husserlianas. Procuraremos, de seguida, averiguar as irradiações destas descrições na fenomenologia desenvolta e cínica que é uma das bases teóricas de La Chambre Claire (A Câmara Clara), de Roland Barthes, obra que, por diversos motivos (por aquilo que propõe e dá a pensar, mas também por aquilo que exclui e não consegue pensar), se revela incontornável. Estas irradiações são mediadas – assim o mostraremos – pela teoria da imaginação que Sartre desenvolve em L’Imaginaire. Que os pressupostos, as distinções e as descrições husserlianas da consciência de imagem não saiam incólumes deste confronto com a fotografia é um facto que deve reter a nossa atenção. Trata-se de

24 uma espécie de paradoxo: a imagem que melhor ilustra as descrições de Husserl é também aquela que provoca um abalo nos pressupostos fenomenológicos de compreensão da imagem.

Como prolongamento da “força de evidência” e do enraizamento fenomenológico de A Câmara Clara, ensaiaremos uma análise da evidência fotográfica, partindo de uma exploração do trabalho fotográfico Evidence, de Larry Sultan e Mike Mandel. Aprofundaremos os termos da questão – no sentido da sua complexidade, mas também na tentativa de alcançar uma passagem na aporia entre abordagem fenomenológica e abordagem convencional / institucional da evidência – a partir de

Tratado da Evidência, de Fernando Gil.

Por último, e se bem que numa perspectiva mais distante das anteriores, procuraremos ver de que modo Vilém Flusser se apropria de determinadas dimensões fenomenológicas, enquadrando-as na mediação técnica da nossa relação com o mundo e na intersubjectividade que estão implícitas no gesto fotográfico. Flusser concretiza, assim, aquilo a que poderíamos chamar uma experiência de pensamento (Gedankenexperiment) e a sua descrição, encontrando afinidades entre o gesto fotográfico e o gesto filosófico, afinidades sustentadas pela ideia de teoria (no sentido grego antigo, como contemplação).

O objectivo principal deste capítulo – seguindo autores e temas que não são propriamente novidade na teoria da fotografia, mas aprofundando-os ao ponto de a fotografia se transformar ela própria num “objecto que pensa” no corpo dos conceitos filosóficos – será o de propor uma configuração de abordagens, sem deixar de estabelecer pontos de confluência e de ruptura, limiares e aspectos críticos. Com essa configuração esperamos dar conta de noções e problemas filosóficos relativos à fotografia que serão, directa ou indirectamente, explorados, desviados ou complexificados ao longo da dissertação: consciência de imagem, representação, evidência, magia, sonho, ambiguidade, semelhança, jogo, gesto, imaginação, matéria, tempo.

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2. Apontamentos para uma análise fenomenológica da fotografia

a. A luz que engendra a sua própria metáfora

Antes de aprofundarmos as contribuições de Husserl para os nossos intentos, passemos brevemente por um texto de Hubert Damisch, um filósofo e historiador de arte que, ao longo de décadas, foi prestando uma atenção particular aos fenómenos fotográficos, atenção que vai desde um ponto de vista mais ontológico, de procura das especificidades constitutivas da fotografia, até ao ponto de vista da sua propagação e contaminação artística e discursiva, aquilo a que, na esteira de Rosalind Krauss, poderíamos chamar de o fotográfico. Mas neste contexto introdutório interessa-nos sobretudo compreender o alcance de algumas das suas intuições e reflexões relativas a uma abordagem fenomenológica da fotografia.

Em “Cinq notes pour une phénoménologie de l’image photographique”23, um pequeno texto publicado pela primeira vez em 1963, Hubert Damisch aborda uma série de questões que gravitam em torno de uma suposta fenomenologia da imagem fotográfica. E suposta é aqui a palavra correcta, já que as notas de Damisch visam menos uma descrição fenomenológica in concreto do que uma aferição da sua possibilidade ou impossibilidade, sem deixar de reflectir sobre os componentes técnicos (câmara escura, aparelho) e as variáveis, sobretudo históricas, que intervêm na fotografia.

Damisch começa por recuperar uma definição clássica de fotografia, segundo a qual esta “não é senão um procedimento de registo, uma técnica de inscrição, numa

23 O texto foi publicado pela primeira vez na revista L’Arc, nº 21, Primavera de 1963 (número especial

sobre a fotografia), mas utilizaremos uma edição mais recente que se encontra em Hubert DAMISCH, La

Dénivelée. À l’épreuve de la photographie, Seuil, Paris, 2001, uma recolha de textos que o autor foi escrevendo avulsamente, mas que de uma forma geral dá conta da irrupção da fotografia quer ao nível dos discursos, quer ao nível das práticas – não só fotográficas, mas também da pintura e do cinema –, sobretudo no que toca à arte, procurando compreender o desnível que a fotografia provocou na própria compreensão da arte e sua história. É neste sentido de irrupção e desnível que podemos aproximar a recolha de Damisch da noção de fotográfico tal como pode ser pensada a partir de Rosalind Krauss. Aliás, um dos textos da recolha é exactamente o prefácio ao livro de Rosalind KRAUSS que reúne textos sobre

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