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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.3 O AUTOCUIDADO NA DOENÇA CRÔNICA

A Organização Mundial de Saúde (2003) define autocuidado como um conjunto de atividades tomadas pelos indivíduos, família ou comunidade com a intenção de melhorar e restaurar a saúde, prevenir ou limitar a doença. O conhecimento e competências adquiridas para execução dessas atividades derivam de profissionais e das suas próprias experiências de vida.

O autocuidado surge em resposta a uma necessidade ou exigência para atingir os objetivos de promover, manter ou recuperar a saúde e é um processo que pode ser iniciado pelo indivíduo de forma independente ou em colaboração com um profissional de saúde. Ele envolve a auto-observação, identificação de mudanças na funcionalidade, opções de ações e escolha e desempenho das ações apropriadas (SIDANI, 2003).

As ações de autocuidado são voluntárias e intencionais e têm o propósito de contribuir de forma específica para a integridade estrutural, o funcionamento e o desenvolvimento humano. São afetadas por fatores básicos, tais como: idade, sexo, estado de desenvolvimento e saúde, orientação sociocultural, fatores do sistema de atendimento à saúde, fatores familiares, padrões de vida e disponibilidade de recursos (OREM, 1995).

O autocuidado torna o indivíduo parceiro ativo e corresponsável no processo de atenção a sua saúde. A educação para o autocuidado é um processo dinâmico que depende da vontade do indivíduo e sua percepção sobre a sua condição clínica. Nela, essas pessoas julgam se a ação de autocuidado é benéfica para eles, e esse julgamento ocorre de acordo com as orientações internas e externas, que, por sua vez, são moldadas pela cultura que os indivíduos vivem (CADE, 2001).

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O autocuidado envolve a capacidade de agir e tomar decisões; toma por foco aspectos dos cuidados de saúde sobre o controle individual; é um conceito situacional e cultural, sendo influenciado pelo conhecimento, competências, valores, motivação e eficácia. Encontra-se centrado no desenvolvimento e uso de práticas pessoais de saúde, procura de aconselhamento e uso dos recursos pessoais na gestão dos problemas de saúde (GANTZ, 1990).

Consiste ainda em uma parte da vida diária e nos cuidados que as pessoas realizam para a manutenção da sua saúde e bem-estar, sendo extensivo aos cuidados que presta às suas crianças, família, vizinhos ou comunidade. Se refere a tudo sobre o que o indivíduo toma responsabilidade pela sua própria saúde, incluindo: estar bem e saudável, física e mentalmente; as ações que toma para prevenir doenças ou acidentes; a melhor utilização dos medicamentos; tratar dos seus membros dependentes; e o melhor cuidado em situações crônicas ou de tempo prolongado (GEORGE, 2000).

As doenças crônicas estão cada vez mais presentes em nossa sociedade, nos serviços de saúde, requerendo atenção redobrada dos profissionais de saúde. A Organização Mundial de Saúde (2005) define as doenças crônicas como permanentes, que produzem incapacidade/deficiências residuais, são causadas por alterações patológicas irreversíveis, exigem uma formação especial do doente para a reabilitação, ou podem exigir longos períodos de supervisão, observação ou cuidados.

Conviver com uma doença crônica implica uma reestruturação, uma vez que as pessoas e os seus familiares têm que aprender a viver e a gerir a situação de doença. Quando esta surge, os cuidados predominantes passam a ser os cuidados de compreensão e de manutenção da vida, sendo que nos períodos de agudização, os cuidados de reparação podem ser necessários (NOVAIS et al, 2009).

Importantes problemas típicos podem ser identificados em pessoas com doença crônica: prevenção e controlo de crises; gestão de regimes prescritos; controle de sintomas; prevenção do isolamento social; adaptação a alterações; normalização do quotidiano e controle do tempo. Essas pessoas tendem a desenvolver um conjunto de aprendizagens e/ou estratégias que lhe permitem viver com a doença, sendo que o seu autocuidado pode ter influência no nível da manutenção e melhoria da sua condição de saúde (NOVAIS et al, 2009).

A condição crônica pode ser considerada como uma experiência de vida permanente, causada por doenças que acarretam perdas e disfunções, além da alteração no quotidiano. Essa

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permanência causa estresse devido à alteração da imagem corporal, necessidade de adaptação social e psicológica, além de mudança na expectativa de vida (FREITAS, MENDES, 2007).

A doença crônica gera outras condições crônicas, afetando famílias que assumem responsabilidades no controle desses episódios, por meio de descobertas diárias, que irão exigir habilidades especiais de natureza médica, social e emocional da condição. Isso leva as famílias a viverem com a incerteza, enfrentando dilemas éticos, individuais, sociais e profissionais, assumindo grandes e contínuos gastos com o tratamento (FREITAS, MENDES, 2007).

O desenvolvimento da competência para o autocuidado torna-se particularmente importante junto à população com doenças crônicas, uma vez que as necessidades de saúde sofrem contínuas modificações, requerendo práticas sempre renovadas de cuidados à saúde (OREM, 1995).

Para as pessoas que convivem com uma doença crônica, o autocuidado envolve um conjunto de atividades que visam capacitá-las para lidar com o impacto de uma situação de longo tempo ou crônica nas suas vidas, com mudanças emocionais, adesão ao regime terapêutico e manutenção de aspectos importantes na sua vida, como as atividades sociais, o trabalho e a família (BASTOS, 2004).

A necessidade de cuidados, na pessoa com doença crônica, varia em função da gravidade da situação e da capacidade da pessoa para a sua resolução. O cuidado pode ser desenvolvido com máximo de independência (cem por centro de autocuidado) ou o contrário, requerendo cuidados profissionais, através de contribuições em níveis variados do indivíduo e família (BASTOS, 2004).

A contribuição dos profissionais de saúde e dos Sistemas de Saúde para o autocuidado passa pela criação de ambientes e estruturas de apoio e suporte para melhorar a qualidade de vida dos doentes crônicos e a manutenção da sua percepção de utilidade para a sociedade (CADE, 2001).

A qualidade de vida da pessoa com doença crónica assume-se verdadeiramente importante na prestação de cuidados de enfermagem. Os cuidados que vão ao encontro das necessidades dos clientes passam por uma compreensão das suas prioridades e o respeito das suas decisões e opiniões. É, então, importante que se valorize a perspectiva de qualidade de vida por parte do cliente e não guiar os cuidados em função de como os profissionais de saúde assumem a qualidade de vida para este (NOVAIS et al, 2009).

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Alguns autores salientam que a pessoa com doença crônica assume um papel de guia no cuidado, sendo que o que sabe e compreende acerca da sua condição é importante tanto para o seu bem-estar como para a relação enfermeira-cliente (TAYLOR, 2002). Diante de uma pessoa com doença crônica, as ações em prol da sua autonomia são as mais apropriadas, devendo esta libertar-se das atitudes passivas e de submissão para assumir uma condição, ativa, autônoma e responsável.

No entanto, verificam-se situações em que o cliente, “cansado de ser sempre ele a cuidar de si”, opta por uma postura de maior passividade (NOVAIS et al, 2009). Nestes momentos, o papel da enfermeira passa por compreender a sua situação, respeitando-o e reconhecendo a sua capacidade de iniciativa e de escolher o que considera ser o melhor para si em cada momento da sua vida.

Torna-se assim importante a adoção de uma prática de cuidados negociada e partilhada que é justificada com base no bem-estar e na qualidade dos cuidados para essas pessoas, que são a razão da nossa prática enquanto profissionais de saúde (NOVAIS et al, 2009).

Um estudo conduzido por Thorne (2003), secundário a dois estudos qualitativos, sobre como a gestão do autocuidado é apreendida e experienciada pelos doentes crônicos, concluiu que estes percebem a tomada de decisão para o autocuidado como um processo complexo, que ocorre dentro da trajetória da doença, cultura de cuidados de saúde e um significado de vida único. Todos os doentes entrevistados referiam à obrigação de assumir o controle, mediando os efeitos da doença, para que pudessem viver o mais normal possível.

A necessidade de sintonização com os profissionais sobre os aspetos específicos da doença sobre a qual são tomadas decisões e avaliação permanente das decisões de autocuidado são dois dos aspetos relevantes neste estudo.

Esse estudo considera que a compreensão dos fatores socioculturais e políticos são determinantes para os profissionais desenvolverem estratégias mais efetivas para melhorar a saúde dos pacientes. Reforça, ainda, a necessidade da produção de mais conhecimento sobre os fatores que influenciam a capacidade para a eficácia da autogestão, contributo fundamental para que os profissionais possam adequar estratégias de suporte (THORNE, 2003).

Por vezes a pessoa que convive com uma doença crônica necessita da assistência de terceiros para a prática de suas atividades, relacionadas, em grande parte, à sua saúde e bem- estar. Para que estas atividades configurem-se em práticas de autocuidado deve haver a participação ativa, responsável e eficaz do indivíduo e, sempre que possível, a assistência de

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terceiros deve ser por ele administrada assegurando-se, desta forma, sua autonomia e integração ao seu meio (OREM, 1995).

A gestão do autocuidado envolve ajudar, de forma colaborativa, que pessoas e suas famílias adquiram as competências e confiança para gerir sua própria doença crônica, fornecendo ferramenta de autogestão. A autonomia é fundamental para fortalecer suas escolhas responsáveis, a sua qualidade de vida (MALTA, MERHY, 2010).

Acontece que, muitas vezes, os profissionais de saúde não têm claro as limitações de cada sujeito, e nem sempre possuem formação para promover a ampliação de autonomia dos sujeitos, buscando a ampliação de suas habilidades para a autogestão das doenças crônicas. Torna-se necessário investir em abordagens compreensíveis e adaptadas à cultura das pessoas, suas singularidades, limites, fortalezas e fraquezas (TAPLIN, 1998).

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