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CAPÍTULO 3 – Prática médica e estrutura social

3.2 A conformação do setor saúde no Brasil

3.2.6 O mercado de trabalho em saúde

A despeito das políticas macroeconômicas implantadas desde o ano de 1990, com suas propostas de diminuição do Estado, o setor saúde vem experimentando um significativo crescimento, favorecido pela descentralização das ações e o protagonismo dos municípios na gestão e na contratação de pessoal e pela expansão do setor privado.

O emprego setorial teve um desenvolvimento específico, com características de precariedade das relações e das condições de trabalho, crescimento do trabalho o informal e diminuição do rendimento médio (MACHADO, 1998).

Com o aumento do papel dos municípios, reduziu-se as funções da União na oferta direta dos serviços de atenção à saúde, desenhando-se uma redefinição das funções dos entes federativos, implementado-se a separação entre regulação, financiamento e prestação de serviços (PIERANTONI et. al.,2004).

Os dados demonstram que o incentivo a maior autonomia dos municípios na gestão administrativa e financeira resultou na passagem quase absoluta da gestão dos estabelecimentos de saúde para o nível local. A titularidade local evoluiu entre os anos de 1981 e 1999 de 22% para 92%.Os estabelecimentos sob gestão federal regrediram de 28% para 2% e aqueles gestão estadual de 50% para 6%.

Levando-se em conta a distribuição regional dos estabelecimentos de prestação direta de serviços de saúde públicos, verifica-se a abrangência do processo de descentralização para todo o pais.

A evolução da responsabilidade municipal é evidente em todas as regiões do país. Apenas na região norte há uma significativa proporção de 16% dos estabelecimentos sob gestão estadual.

O aumento percentual do número total de empregos de profissionais médicos na atenção ambulatorial, entre 1992 e 1999, revela o impacto desse processo sobre o mercado de saúde: 38% no Brasil, com especial crescimento na região norte (90%).

Os dados mostram que o crescimento global do emprego em saúde no setor público (SUS), de cerca de 10%, foi sustentado essencialmente pelo emprego municipal de todas as categorias de profissões e funções do setor. Entre os anos de 1992 e 1999, o emprego municipal cresceu em torno 85,5% nessas categorias, enquanto os níveis de governo federal e estadual tiveram redução de 57% e 10%, respectivamente. Em 2003, a distribuição dos empregos públicos em saúde é a seguinte:

Gráfico 1: Distribuição dos empregos públicos em saúde segundo. Ente Federado.

Federal 7%

Estadual 24%

Municipal 69%

Fonte: IBGE. AMS (2003).

O dinamismo do emprego nos municípios a partir de 1990 explica-se, de modo geral, pela descentralização dos recursos e da gestão dos serviços acelerada especialmente pela implementação no ano de 1998 da Norma Operacional Básica (NOB 01 /96).

No setor privado, o crescimento do emprego na prestação de atenção a saúde foi favorecido:

- pela demanda por serviços especializados e de alto custo de atenção hospitalar, por serviços de apoio diagnóstico e terapias pelo SUS ao setor privado;

- pelo crescimento dos segmentos da medicina supletiva vinculados aos planos e seguros de saúde.

Os dados do IBGE/ AMS de 1999 mostram que do total de 484.945 leitos hospitalares existentes no Brasil, 70,5% eram de hospitais privados; do total de 56.136 estabelecimentos de saúde existentes no país, 41% eram privados. Em 2005, os dados mostram quadro semelhante: os estabelecimentos privados eram 43,18%.

A tabela 2 mostra a evolução da capacidade instalada entre os anos 1992, 1999 e 2005. Nos primeiros anos de implementação do SUS, o crescimento do número de estabelecimentos privados foi muito pequeno (2,55%); no período subseqüente, entre 1999 e 2005 tanto o setor privado quanto o setor público crescem fortemente (56,84% e 45, 06%, respectivamente). O crescimento se deu em todo país, mas se concentrou na região sudeste e nas cidades mais próximas. A expansão do setor público resultou do aumento do número de unidades ambulatoriais básicas nos municípios, efeito da experiência de municipalização.

Tabela 2: Expansão da oferta de estabelecimentos de saúde públicos e privados na década de 1990.

Natureza Ano

1992 1999 2005

Estabelecimentos Privados 22.594 23.171 36.343

Estabelecimentos Públicos 27.092 32.962 47.816

Total 49.686 56.133 84.159

Fonte: IBGE. AMS (1992/1999/2005)

Em relação à diferenciação da clientela entre o SUS e o mercado de planos e seguros, segundo dados da pesquisa IBGE/Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD/ 1998), 24,4% da população residente no país estava coberta por planos de saúde. Como já foi assinalado anteriormente, o SUS mantém-se como importante comprador de serviços às empresas privadas (hospitais e laboratórios).

Do mesmo modo, o financiamento público direto de planos de saúde para funcionários públicos e a isenção fiscal na aquisição de plano de saúde por empresas e famílias possibilitaram o notável crescimento do mercado segurador de saúde nos últimos anos.

As profissões e as ocupações relacionadas ao setor saúde somavam 930.189 vínculos formais de emprego, representando 13,5% de mercado assalariado formal brasileiro em dezembro de 2001. Cerca de 55% dos empregos de profissionais de saúde se encontravam em estabelecimentos privados (lucrativos ou não), contrastando com a participação do setor privado para o conjunto dos empregados na economia, que chega a 76,5%. O setor público é responsável por 24% do emprego formal da economia brasileira e cerca de 45% dos empregos na saúde.

Enquanto para os demais trabalhadores da economia a participação do setor público diminuiu ligeiramente sua importância, para os profissionais de saúde esta participação aumentou, fato que pode ser associado, em larga medida, ao processo de municipalização.

Um aspecto que não pode deixar de ser mencionado refere-se à qualidade do vinculo no setor. A implementação do SUS não foi acompanhada por uma política de recursos humanos adequada. MACHADO (2002) reconhece essa falha afirmando que os anos de 1990 podem ser considerados como a “década perdida” em termos e recursos humanos. Quanto a isso, os problemas apontados referem-se a dois aspectos: primeiro, quanto à gestão de recursos humanos;

segundo, quanto à formação.

Em relação à gestão a complexidade do rearranjo institucional envolvendo as três esferas federativas, além de fatores outros como, por exemplo, a Lei de responsabilidade fiscal, cobrou um preço alto ao desenvolvimento mais adequado e harmonioso do sistema. Proliferaram todas as formas de contratos de trabalho que vão desde o trabalho autônomo, “liberal”, cooperado, autônomos contratados dos para participação de serviços, pequenas empresas subcontratadas, até o trabalho

informal, passando ainda pela “ inovação “ da concessão de bolsas de estudo, forma essa de escamotear a relação de emprego que vigorou em grande medida no Programa de Interiorização do Trabalho na Saúde (PITS).22

Se em relação à expansão dos postos de trabalho, o comportamento do setor saúde é atípico, caracterizando o que se pode denominar de trabalho - intensivo em relação à qualidade do emprego não escapa do impacto da desestruturação e desregulamentação do mercado de trabalho brasileiro a partir de 1990. Nesse sentido, parece ocorrer algo típico da modernidade provocado pelo atual estágio de desenvolvimento capitalista, quando o capital se tornou extraterritorial, leve, desembaraçado e solto (SANTOS, 2000).

Esse estágio de desenvolvimento do capitalismo, que BAUMAN denominou Modernidade Líquida (2001) augura um fim do emprego tal como o conhecemos. Há crescimento de contratos de curto prazo, ou mesmo vínculos sem contrato definido, posições sem cobertura previdenciária. A vida do trabalho caiu no campo das incertezas. A conseqüência disso é o incremento de uma perspectiva de vida individualista, um verdadeiro salve-se quem puder que não propicia o laço social e antagoniza com o interesse comum. Para o autor,

o trabalho perdeu a centralidade que se lhe atribuía na galáxia dos valores dominantes na era da modernidade sólida e do capitalismo pesado. O trabalho não pode mais oferecer o eixo seguro em torno do qual envolver e fixar autodefinições, identidades e projetos de vida. Nem pode ser concebido com facilidade como fundamento ético da sociedade ou como eixo ético da vida individual (p, 160).

Na mesma linha de pensamento, Bourdieu (1993) assinala que “... em face das novas formas de exploração, notavelmente favorecidas pela desregulação do trabalho e pelo desenvolvimento do emprego temporário, as formas tradicionais de ação sindical são consideradas inadequadas” (p, 631). Esse autor concluiu daí

22 Ver, a respeito: Maciel Filho, R. Estratégias para a distribuição e fixação de médicos em sistemas nacionais de saúde : o caso brasileiro. Tese de Doutorado em Medicina Social. IMS/ UERJ, 2007.

que no estágio atual forma rompidos os laços e solidariedades passadas e que nesse ambiente de desamparo do homem moderno “o desencantamento vai de mãos dadas com o desaparecimento do espírito de militância e participação política”

(p, 628). Assim, precariedade, instabilidade, vulnerabilidade são características mais difundidas das condições de vidas contemporâneas.

Em relação à formação profissional na área da saúde, apesar de a Constituição Federal de 1988, no seu Artigo 200, atribuir ao SUS a responsabilidade de ordenar a formação, este preceito só muito recentemente vem se traduzindo em iniciativas concretas. Dentre essas, farei referência a seguir ao Programa de Incentivo à Mudança Curricular dos Cursos de Medicina (PROMED), ao Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e, no plano da reorganização institucional, a criação no Ministério da Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES).

O PROMED (BRASIL, 2002), instalado por portaria interministerial (Saúde e Educação), em 26 de março de 2002, tem como alvo as mudanças curriculares na graduação e o objetivo de valorização da atenção primária e da promoção da saúde.

As inovações curriculares estão estruturadas em três eixos: orientação teórica, abordagem pedagógica e cenários de prática. O programa contemplou 19 instituições selecionadas entre muitas que atenderam ao edital de convocação, recebendo incentivos financeiros para introduzir as mudanças.

A PRÓ-SAÚDE (Brasil, 2005), inspirado na avaliação do Promed, amplia o escopo da reorientação da formação para os cursos de odontologia e enfermagem, considerados, junto com a medicina, prioritários pela política de saúde.

Tem como objetivo uma escola integrada ao sistema de saúde e que dê respostas

às necessidades de formação de recursos humanos, de produção de conhecimento e de prestação de serviços direcionados ao fortalecimento do SUS.

Em relação à pós-graduação, a criação da SGTES parece ter contribuído para despertar o Ministério da Saúde em relação a sua responsabilidade com o sistema, em especial com a residência médica, tema do qual tratarei no terceiro capítulo dessa tese. Por ora, deve-se assinalar que o Ministério da Saúde participa, em pé de igualdade com o Ministério da Educação, da Comissão Nacional de Residência Médica desde a sua criação, em 1977.

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