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O Barão de Lavos e a "patologia sexual"

3. Reflexões analíticas

3.1. O Barão de Lavos e a "patologia sexual"

E abraçando o efebo, com esta efusão de ternura envaidecida e grata que nos faz estreitar ao coração a virgem que se nos deu inteira: Como te chamas tu, afinal!

O Barão de Lavos

O romance escrito por Abel Botelho teve inspiração no Portugal da década de 1880, envolvendo um político proeminente e amigo da família real, o Marquês de Valada, conforme defende o estudioso Robert Hower (2002). Tal acontecimento tratava da homossexualidade, o que levou a um escândalo em 1881. Transcorridos dez anos, em 1891, Abel Botelho escreveu e publicou o romance intitulado O Barão de Lavos. Este romance foi o primeiro de uma série que se chamou Patologia Social.

As personagens de Abel Botelho em O Barão de Lavos são marcadas, pelo menos, por dois aspectos diferentes da sexualidade: há para elas uma questão sexual que se pode enfrentar numa luta, ou de forma inescapável juntar-se a ela, cuja escolha representa um retorno ao passado, de principio atávico, numa espécie de entropia. Mas há outro estranho aspecto que atira as personagens para fora do seu poder de começar e acabar, tornando-as desprendidas de si mesmas como se vivessem numa supressão pessoal infindável. É na relação indefinível entre essas duas faces da sexualidade das personagens de Abel Botelho que é possível encontrar e denominar um facto que se pode renomear de distúrbios da sexualidade13. Claro está que o escritor ao focar a homossexualidade no contexto literário, também captou os efeitos negativos da época, entre eles: usura, deterioração, corrosão, aniquilamento, perda ou, puramente, esquecimento. Aspectos que levaram o crítico brasileiro Massaud Moisés a considerar a “Patologia social” como uma “fotografia do processo de degenerescência de uma sociedade” (1962: 24). Móises acrescenta ainda que a

13 Neste contexto era considerada uma degeneração sexual, uma vez que, para a época, o homossexualismo era considerado uma doença.

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obra de Botelho apresenta: “a derrocada da família, da aristocracia, da política, portanto, da moral individual e coletiva, e a consequente corrupção das consciências, em todos os quadrantes da sociedade” (1962: 24). Não é à toa que a esposa de Sebastião anda às voltas com a leitura do romance de Flaubert, Madame Bovary, o qual a deixa tão atormentada quanto o desprezo do marido pederasta.

Abel Botelho deixa claro a expressão principal do livro O Barão de Lavos: "sinal patognómico do finalizar duma raça inútil, do agonizar duma família que vinha assim desfazer-se, podre das últimas aberrações e das últimas baixezas, na pessoa do seu representante derradeiro" (BL: 92).

É em torno dessas diáteses sexuais que giram as razões do desfibramento de D. Sebastião, cujo título de grandeza dá nome à obra. D. Sebastião é um aristocrata subdesenvolvido que se entusiasma por um oportunista, o jovem Eugénio. Tomado pela volição, pela ideia implantada, o barão passa a proteger e sustentar Eugénio, chegando mesmo a introduzi-lo no meio social e familiar em que está inserido. De tal modo, que, sem aperceber-se, D. Sebastião provoca o favorecimento do adultério da esposa com Eugénio. Deve-se considerar que foi em função desse envolvimento com Eugénio a decadência económica do barão de Lavos. Assim, criou-se um romance nada amistoso e cercado de degenerações condutoras do fim trágico da personagem principal, protagonizando uma morte vergonhosa e humilhante como consequência do mal da sexualidade transviada.

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3.2. Bom-Crioulo e a "patologia sexual"

Unido ao grumete num quase abraço, a mão no ombro de Aleixo que, àquele contacto, experimentava uma vaga sensação de carícia, o negro esquecia todos os seus companheiros, tudo que o cercava para só pensar no grumete, no seu bonitinho e no futuro dessa amizade inexplicável.

Bom- Crioulo

Ocorre semelhante enlace na obra de Adolfo Caminha, Bom-Crioulo, pois as personagens também praticam a homossexualidade, pelo menos, num primeiro momento, de forma amena, oportunista e aspirada por ambas. A história de paixão e tragédia narrada por Adolfo Caminha não é só produto de ficção romântica, mas baseada num acontecimento real que chocou a cidade do Rio de Janeiro, no século XIX. Por isso, contraria a impressão de Robert Hower - no artigo "Concerning the Eccentricities of the Marquis of Valada: Politics, Culture and Homosexuality in Fin-de-Siècle Portugal"14 – ao afirmar que Caminha sofrera inspiração direta do sucesso homossexual que ocorrera em Lisboa. Caminha edifica uma obra de ficção extremamente ousada, intensa, e atual até aos dias de hoje. Afirmam muitos críticos que o autor a fez para chocar e se vingar da sociedade hipócrita que o cercava na época.

O mote principal do romance de Caminha é a dificuldade do amor homossexual, situado na relação entre o negro Amaro e o bonito rapaz Aleixo. Consta também a questão da mulher madura que deseja um amante jovem, claro que essa questão está num terceiro plano, serviu apenas para ampliar o pano de fundo do assunto principal. Amaro e Aleixo são marinheiros e, acima de tudo, o romance entre os dois favorece a anulação das diferenças étnicas já que um é negro e o outro é branco. A anulação das diferenças étnicas entre os dois coloca-os na mesma categoria, ou seja, os dois estão aprisionados pelo mesmo sistema – o vício da sodomia – : "E agora, como é que não tinha forças para resistir aos impulsos do sangue? Como é que se compreendia o amor, o desejo da posse animal entre duas pessoas do mesmo sexo, entre dois homens? " (BC:36). A falta de forças para resistir propiciou um ambiente adequado para o romance proibido. Devido à proibição

14 Robert Hower afirma que Caminha, provavelmente, se tinha inspirado no crime passional de um homossexual de Lisboa, chamado Marinho da Cruz.

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moral que abatia os adeptos à prática homossexual, Caminha coloca os protagonistas, para vivenciarem os seus laços homoafetivos, num local onde precisam da clandestinidade. A partir de tal contexto é certo que os praticantes da homossexualidade, subjugados pelas leis morais, passam a permanecer numa infinita situação de inferioridade. Entremeio a essa circunstância, o escritor avança para um fim trágico, anunciando a tragédia patológica do protagonista como uma tragédia física e criminal-litigiosa, pois Amaro, revoltado e abandonado pelo seu amante, mata de maneira brutal o rapaz por quem estava apaixonado. O escritor investe, sem comiseração, contra as personagens, pois condu-las para um fim trágico, legitimando, assim, a destruição dos amantes.