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Rawls afirma que os dois conceitos principais da ética são a ideia do justo e o do próprio bem. No entanto, conceito do bem, não é o mesmo que os gregos pensavam na antiguidade, mas sim, o bem da racionalidade. A sua conceção do bem tem uma relação com a estrutura básica da sociedade, dependendo das obrigações e escolhas dos indivíduos. Assim, é necessário tanto justificar a racionalidade das partes como as listas dos bens primários que cada indivíduo deve ter.

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Entretanto, perante a situação do contrato inicial por véu da ignorância, as partes não sabem as preferências dos cidadãos que elas representam, como, por exemplo, não sabem os seus planos de vida. Contudo, na escolha do princípio de justiça Rawls propõe na posição original uma lista de bens primários que servem como meios para a realização dos fins das vidas dos indivíduos. Assim, as partes buscam atender à maior quantidade possível de bens primários para os cidadãos que elas representam e visam garantir os meios necessários para realizar os seus planos dos fins de cada membro da sociedade bem ordenada. Estas listas incluem “ predominantemente características das instituições, ou seja direitos e liberdades básicas, oportunidades institucionais e prerrogativas de cargos e posição, juntamente com o rendimento e a riqueza.”66 Essas listas na sociedade democrática devem ser discutidas de uma forma justa de acordo com as características públicas da cultura política e com o reconhecimento e aceitação públicos tendo em consideração os princípios de justiça.

Desta forma, quando Rawls propõe bens primários, ele pretende apresentar um esquema de liberdades básicas iguais e oportunidades equitativas que é garantido pela estrutura básica, proporcionando a todos os cidadãos o desenvolvimento adequado e o exercício pleno das suas duas faculdades morais. E, não só, garante uma parcela equitativa dos meios para os fins essenciais à promoção das conceções precisas do bem.

Como foi exposto anteriormente, cada cidadão livre e igual deve ter a liberdade de assumir e controlar a sua própria vida. Contudo, a única restrição aos seus planos de vida é que estes sejam compatíveis com os princípios públicos de justiça. Por essa razão, a ideia do bem na justiça como equidade é a do bem da sociedade política, ou seja, o bem que os cidadãos realizam como pessoas, enquanto membro da sociedade ao conservarem um regime constitucional justo e asseguram esses princípios. É, por isso que uma sociedade bem-ordenada não é uma sociedade privada, porque nessa sociedade os cidadãos possuem finalidades em comum, apesar de não afirmarem a mesma doutrina abrangente, mas com a mesma conceção. Partilham, portanto, um fim político básico em comum. De entre esses fins, Rawls destaca os que tem mais prioridade: “o fim de apoiar instituições justas e de correlativamente conceder justiça recíproca, não mencionando muitos outros fins que igualmente devem partilhar e realizar através das suas convenções políticas.”67

Esses fins podem construir-se como um objetivo básico

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Cf. RAWLS, John. O Liberalismo Político, op. Cit., p.182 67 Idem, p. 200

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para os cidadãos, porque revelam profundamente o tipo de pessoas que desejam ser. Essas finalidades partilhadas entre os cidadãos fornecem a base para o bem de uma sociedade bem-ordenada.

No entanto, uma sociedade política organizada é um bem sempre que existir uma finalidade partilhada onde se exija a cooperação social e o auto-respeito mútuo. O bem realizado é baseado num contexto social, feito através das atividades conjuntas dos cidadãos, sujeita à dependência mútua de que todos desenvolvem ações apropriadas. Desta forma, a sociedade política assegura as necessidades fundamentais das pessoas. Contudo, qualquer sociedade política, quer seja ela um cidadão, família ou associação possui modos de formular os seus planos de vida e os seus fins por ordem de prioridade. Mas isso só será possível de acordo com a razão e a capacidade, enquanto faculdade intelectual e moral.

Em O Liberalismo Político, a teoria da justiça de Rawls tenta apresentar uma conceção de justiça política que esteja enraizada nas ideias básicas da razão pública de uma democracia. No entanto, nem todas as razões presentes no processo político democrático são razões públicas. Há razões não Públicas como de igrejas, universidades e outras associações da sociedade civil. Conforme os regimes aristocráticos, o bem da sociedade política nunca se revela no espaço público, mas sim pelos próprios governantes. Ao contrário deste regime, Rawls afirma que a razão pública “é característica de um povo democrático: é a razão dos seus cidadãos, daqueles que partilham o estatuto da cidadania igual.”68 Por isso, o objeto da razão dos cidadãos está centralizado no bem do povo em geral, que é: o que a conceção política da justiça requer da estrutura básica de instituições da sociedade e dos fins que estas instituições devem servir. É, neste contexto, que Rawls propõe três sentidos para nos afirmar que a razão é pública:

“Enquanto razão típica dos cidadãos, é a razão da esfera pública. O seu objeto é o bem do domínio público e as questões da justiça fundamental. A sua natureza e o seu conteúdo são públicos, dando que são estipulados pelos ideais e princípios expressos pela conceção de justiça eleita pela sociedade, sendo administrados, abertamente nessa base.”69

Desta forma, constata-se que, numa sociedade democrática, a razão pública é a razão dos cidadãos, que como associação ou membro coletivos, exercem um poder político e

68 Idem, p. 209 69 Idem, p. 210

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coercitivo decisivo uns sobre os outros, por intermédio da produção de legislação coerente e como forma de melhorar a constituição. A razão pública seria o modo pelo qual as decisões políticas devem ser tomadas e não como, de facto, elas são.

A forma ideal da razão pública para justificar e defender princípios morais e de justiça não se aplica a todas as questões políticas. Por um lado, envolvem princípios fundamentais que especificam a estrutura geral do estado e do processo político como elementos constitucionais essenciais. Por outro, encontram-se as questões de justiça básica, dirigidas pelas instituições que abrangem normas e distribuições de renda e riqueza. Assim, as decisões que se inserem entre estas duas categorias precisam de ser justificadas não só por votos, mas também por argumentos razoáveis a partir de valores de justiça e diretrizes da discussão pública. O que se exige é que direcionemos os nossos argumentos de acordo com os valores políticos que todos possam aceitar, tais como, o direito ao voto, ou que religiões devem ser toleradas, ou a quem se deve assegurar igualdade equitativa de oportunidades, ou a aquisição de propriedades.

Estas questões requerem o ideal da razão pública conforme os preceitos dos cidadãos que prevalecem quando eles se envolvem no debate político. De acordo com Rawls, “o ideal da razão pública, para além de orientar o discurso público nos períodos eleitorais quando os temas propostos envolvem o debate daquelas questões fundamentais, direciona o sentido de voto dos cidadãos quanto a essas questões70. Se não for assim, o discurso político pode-se tornar hipócrita, sem nenhuma utilidade e sentido. Pois, o que os cidadãos afirmam, uns perante os outros, não tem correspondência em votos efetivos. Por isso, é que nos discursos e votação das questões políticas fundamentais, os cidadãos devem respeitar os limites da razão pública, uma vez que a democracia envolve um relacionamento político entre os cidadãos, no contexto da estrutura básica da sociedade onde nasceram e onde decore toda a sua vida.

A razão pública é uma exigência que deriva da ideia de legitimidade. O poder político é coercitivo dentro de um regime democrático do poder público. É evidente que o poder político é o poder dos cidadãos considerados como indivíduos livres e iguais em um corpo coletivo. O seu exercício deve ser justificado por todos. Trata-se do princípio de legitimidade liberal, definido por Rawls como:

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“ o exercício do poder coercivo só é apropriado, e nessa medida justificado, quando é exercido em acordo com uma constituição cujos elementos essenciais é razoável esperar que todos os cidadãos subscrevem em face de princípios e ideias por eles considerados aceitáveis como razoáveis e racionais. Este é o princípio liberal da legitimidade”71.

Neste sentido, constata-se que, o princípio da legitimidade liberal exige que o uso do poder coercitivo do Estado possa ser justificado perante todos os cidadãos, todos considerados como livres e iguais. Perante a existência do pluralismo razoável, o uso do poder coercitivo deve estar justificado por razões públicas independente da doutrina abrangente do bem. Assim, a tarefa ideal da democracia política deve incluir o ideal da razão pública: os cidadãos como pessoas dotadas de razoabilidade e racionalidade, e sabendo do facto do pluralismo, devem estar aptos e capazes de explicar uns aos outros os fundamentos das suas ações para que cada um possa esperar que os outros subscrevam como conscientes com sua liberdade e igualdade.

No entanto, a razão pública como já tínhamos exposto anteriormente, é pública se a sua natureza e o seu conteúdo também forem públicos. Nas palavras de Rawls “este conteúdo é formulado pelo que designei como conceção política da justiça, a qual assumi como sendo, em termos amplos, carateristicamente liberal.”72

Esta conceção política de justiça requer certos direitos, liberdades e oportunidades básicas que se encontram nos regimes democráticos. São prioridades especiais, sobretudo, no que refere à pretensão do bem comum e de valores perfecionistas. Esses valores asseguram a todos os cidadãos os meios de todos os fins. Sendo assim, não se pode esquecer que, na conceção restrita da Razão Pública, somente são admitidas razões neutras em relação à conceções do bem existente numa sociedade democrática marcada pelo pluralismo. Este facto do pluralismo ocorreu ao longo do processo de modernização. Este é o caminho mais difícil para os indivíduos, porque é um processo de uma convivência de tolerância e divergência profundas à acerca de algo que talvez seja mais essencial do que a política, mas que precisa da política para sobreviver: o sentido último da existência humana. Portanto, os filósofos clássicos falaram muito sobre isto, que a ética e a política são disciplinas que tratam desses problemas fundamentais, questionando-se sobre os fins últimos que buscamos para as nossas ações e qual é o modo mais excelente da vida. A melhor coletividade, seria aquela que preserva, que dissemina e incute nos

71 Idem, p. 213 72 Idem, p. 218

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cidadãos os valores que torna o homem digno, isto é justo. A ética deve ser aplicada em toda atividade do ser humano, a sua reflexão ultrapassa o campo individual e atinge o plano profissional dos seres humanos. Existem vários pensadores do mundo moderno a debater estes assuntos, mas talvez um autor que aqui merece mais a nossa atenção é Paul Ricoeur. Além de ser influenciado por Rawls, também tem uma conceção muito importante nas questões que se referem à ética e a política. A secção que se segue será dedicada um pouco a essa influência e de à alguns dos autores que contribuíram para a questão da ética e da política com a intenção de ter uma humanidade mais digna, e feliz.

3. A Questão da Instituição Justa – a Ideia de Ricoeur sobre a teoria de