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CAPÍTULO I A IDENTIFICAÇÃO DO BEM JURÍDICO TUTELADO NO CRIME DE

1.1 O bem jurídico como essência do conteúdo material do crime

O ordenamento penal somente se justifica quando fundamenta sua intervenção por meio do reconhecimento do bem jurídico4

. Embora a conceituação e a identificação dos bens jurídicos tenha sido motivo de grandes divergências, seu papel como legitimador da intervenção penal é, atualmente, sujeito a poucas contestações.

Esse papel corresponde à dupla função exercida pelo bem jurídico, atuando simultaneamente como limitador do jus puniendi estatal5

e como fundamento material do delito6

.

Esse objeto, que é o bem jurídico, permite sua análise sob diferentes aspectos, tanto que Kant utilizou, para expressá-lo, ora a palavra Ding, ora Gegenstand, ora Objekt. Ding

4

A a função do Direito Penal é a de tutelar bens jurídicos, e conforme BRANDÃO, Cláudio Brandão. Curso

de Direito Penal. Parte Geral. Forense, Rio de Janeiro, 2008,NR 8, p. 114.

Há autores, como Maria de Lourdes Fuente, que iniciam o exame do bem jurídico merecedor da tutela penal no crime de sonegação fiscal por meio de suas bases filosóficas, mencionando a discussão quanto a ser o fim do Direito Penal a proteção a bens jurídicos ou a proteção a valores éticos essenciais da sociedade (FUENTE, María Lourdes Baza de la. El Delito Fiscal: particular referencia al artículo 305 del Código Penal. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, s/d, pp. 80 e 81) .

Esse debate não foi enfrentado nesta tese, que se limitou ao âmbito jurídico de estudo. Na verdade, a questão relativa ao fim do Direito Penal possui bases filosóficas, situando-se de um lado o idealismo valorativo de Kant e de outro o idealismo jurídico de Hegel, temas que fogem às pretensões desta tese.

Optou-se por examinar a possibilidade de individualização dos bens jurídicos penais por meio de suas características essenciais e, a partir de então, identificar o bem ou valor merecedor da tutela no crime de sonegação fiscal. As doutrinas jurídicas que desconsideram o conceito de bem jurídico e que, evidentemente, foram construídas com fundamentos a elas adequadas, foram citadas apenas para demonstração de sua inadequação, a exemplo da menção a Günther Jakobs (Direito Penal do Inimigo. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. XXV).

5

ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Volume 1. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 402.

significaria a „coisa em si‟ – Ding an sich - como sinônimo de neumena, a essência do ser, que não pode ser conhecida, apenas pensada, uma vez que o saber humano está limitado à experiência possível7. Já as coisas ou objetos da experiência são os Gegenstände8 que, se tornados objetos de conhecimento, denominam-se Objekte9. É, portanto, como objeto de conhecimento que se concebe o bem jurídico penal: uma coisa perceptível pela experiência humana, passível de conhecimento pelo homem e objeto de direito deste homem. É “tudo o que possui valor, preço, dignidade, mérito, a qualquer título”10

.

Assim, para fins desta tese, toma-se o bem jurídico no sentido dessa „coisa‟ – real ou ideal - da experiência e do conhecimento humanos, objeto de valoração pelo homem, sendo irrelevante, nesse contexto, indagar qual a sua essência.

Bem é, assim, todo objeto – material (uma coisa) ou ideal (um valor) - “suscetível de ser útil para uma pessoa individualmente considerada ou para a própria coexistência coletiva da sociedade humana”11

. Logo, bem jurídico é um bem ou valor sobre o qual recai o interesse humano12.

Pode-se analisar o conceito de bem jurídico do ponto de vista dogmático ou lege lata, isto é, como o objeto efetivamente protegido pela norma penal, ou no sentido mais amplo, de lege ferenda, como algo que mereceria efetivamente ser protegido pelo direito penal13. Afinal, o direito penal é “um campo de normatividade jurídica onde os problemas da procura e do encontro da solução justa estão ... na compreensão de um limiar de diferenciação normativa que nos permite aceder ao justo e postergar o injusto”14

.

O grande desideratum do direito penal tem sido realizar a aproximação dessas duas acepções de bem jurídico. Pensa-se que bens jurídicos são valores – dotados ou não de

7 KANT, Immanuel. Critique of Pure Reason. Londres: Macmillan, 1978, p. 603. 8 KANT, Immanuel. Critique of Pure Reason. Londres: Macmillan, 1978, p. 197. 9 KANT, Immanuel. Critique of Pure Reason. Londres: Macmillan, 1978, p. 137. 10

ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. México, Fondo de Cultura Económica, 1996, p. 130.

11 “susceptible de reportar utilidad a la persona individualmente considerada o a la propia coexistencia

colectiva en la sociedade humana”. NAVARRETE, Miguel Polaino. El injusto típico en la teoría del delito.

Corrientes: Mave, 2000, p. 320.

12

NAVARRETE, Miguel Polaino. El injusto típico en la teoría del delito. Corrientes: Mave, 2000, p. 321.

13 PUIG, Santiago Mir. Direito Penal. Fundamentos e Teoria do Delito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

representação material – identificáveis porque sobre eles recai o interesse humano. No caso do crime de sonegação fiscal, essa identificação que, simultaneamente cumpre a pretensão de realização de justiça pelo direito penal e legitima a proteção penal decorre da eleição do dever fundamental e solidário de pagar tributos não vinculados como objeto da tutela do crime de sonegação fiscal.

Acerca da possibilidade de um dever – tal como o dever fundamental e solidário de pagar tributos não vinculados – revestir-se da qualidade de bem jurídico penal, advoga-se que, nas circunstâncias em que tal dever se apresenta, ele transmuda-se para efeitos jurídico- penais, em bem jurídico penal substancial15

.

A compreensão atual do conceito de bem jurídico decorreu de evolução que perdurou por cerca de dois séculos.

Em sua obra Direito Penal Alemão16, Hans Welzel resume de forma bastante clara a influência do desenvolvimento das ciências no século XIX sobre o direito penal, e o surgimento das tendências penais no final daquele século, por meio das escolas clássica e moderna. Tal evolução se iniciou em 1801 por mérito de Anselm von Feuerbach17 com a afirmação dos direito subjetivos como o objeto de proteção do ordenamento punitivo. Coincide este momento, também, com a distinção entre os conceitos dogmático e político- criminal ou de justiça do bem jurídico, acima mencionados. Nessa época foi também estabelecida a distinção entre crimes e contravenções, sendo essas últimas as condutas consideradas prejudiciais à convivência social que, no entanto, não feririam direitos subjetivos18.

Àquela época, no início do século XIX, o conceito de bem jurídico não se dirigia à identificação de uma coisa do mundo real, mas mais propriamente a um interesse jurídico,

14 COSTA, José de Faria. O perigo em direito penal.Coimbra: Coimbra, 1992, p. 12 15

ORTS, Adela Cortina. Limites y virtualidades del procedimentalismo moral y jurídico. In: Anales de la

Cátedra Francisco Suárez nº 28. Granada: 1988, pp. 43 a 63.

16 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Santiago: Jurídica del Chile, 1997, p. 13.

17 FEUERBACH, Anselm von. Tratado de Derecho Penal: común vigente em Alemania. Buenos Aires:

Hammurabi, 1989, p. 64.

18 RUS, Juan José Gonzales, Bien Jurídico y Constitución (Bases para una teoría). Madrid: Fundación Juan

uma “faculdade jurídica privada ou uma atribuição externa e individual constitutivas de direito subjetivo”19

, como explica Luiz Regis Prado.

Ainda na década de trinta daquele século coube a Johann Michael Franz Birnbaum20 dar concretude ao objeto da tutela penal, associando-o a um bem radicado no mundo da realidade, um objeto, e não mais a um ente ideal, eminentemente jurídico, como o são os direitos subjetivos e que, portanto, não poderiam ser diminuídos ou alterados21

. Sem se utilizar da expressão „bem jurídico‟, Birnbaum22

teve assim o mérito de ultrapassar a teoria da violação do direito subjetivo que havia sido formulada por Feuerbach em 180123

.

A partir dessa concepção foi possível a dupla legitimação da sanção penal, aferida simultaneamente pela violação da norma jurídica e pela lesão do bem jurídico tutelado, que deram lugar aos conceitos de ilicitude formal e material24

, respectivamente.

De fato, essa mudança de paradigma foi extremamente relevante, pois exigiu um novo olhar sobre o crime: a necessidade de verificação da lesividade da conduta cuja ilicitude, agora, requeria um atingimento a um bem jurídico determinado, pertencente à realidade ôntica, ainda que muitas vezes ideal ou imaterial. O bem jurídico deixou de ser, definitivamente, um elemento estritamente normativo, como é o direito subjetivo.

Polaino Navarrete25 explica o desenvolvimento do conceito de bem jurídico nesse contexto histórico, situando de um lado os clássicos, sob influência kantiana26 e a ideia

19 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 28. 20

Über das Erfordernis eines Rechtsverletzung zum Begriff des Verbrechens, Archiv des Criminalrechts – 1834, p. 149 e ss. Up ud RUDOLPHI, Hans-Joachim. Los diferentes aspectos del concepto de bien jurídico. In:

Nuevo pensamiento penal. Revista de Derecho y Ciencias Penales. Buenos Aires: Depalma, ano 4, 1975, p.

329.

21

HORMAZABAL, Hernán Malarée. Bien Jurídico y Estado social y democrático de derecho (el objecto protegido por la norma penal). Barcelona: PPU, 1991, p. 27.

22 FERNÁNDEZ, Gonzalo D. Bien jurídico y sistema del delito. Montevideo: B de F, 2004, pp. 15 a 17. 23 Vale a pena mencionar, como o faz André Teixeira dos Santos, que a tese de Birnbaun , curiosamente,

“teve um intuito diferente da função que mais tarde seria atribuída à teoria do bem jurídico, pois pretendia com sua crítica a Feuerbach compatibilizar o Direito Positivo com os limites materiais do ius puniendi estatal, maxime permitir que crimes contra a religião, o Estado ou a comunidade, que aquele Autor tinha eliminado do Código Penal da Baviera de 1813, ficassem legitimados ao enunciar como „objecto protegido‟ da norma penal bens religiosos e comunitários”. SANTOS, André Teixeira dos. O Crime de Fraude Fiscal. Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem jurídico. Coimbra: Coimbra, 2009, pp. 28 e 29.

retributiva da sanção penal, encabeçados por Karl Binding. A escola moderna, com bases hegelianas, fundada por Franz von Listz. Não se enfrenta, nesta tese, o debate entre essas duas escolas, em razão da limitação ao âmbito jurídico de estudo. Na verdade, como já exposto, o tema precede o exame do bem jurídico, posto que relativo à compreensão da finalidade do direito penal, possuindo bases filosóficas, situando-se de um lado o idealismo valorativo de Kant e de outro o idealismo jurídico de Hegel, assuntos de inegável relevância que todavia fogem às pretensões desta tese.

No âmbito da análise jurídica, a escola clássica defendia que a tutela ao bem jurídico se evidenciaria sob dimensão formal, seja por meio de normas proibitivas a lesões a esses bens, seja por meio de normas sancionadoras de desobediências a mandatos imperativos positivos27.

O crime seria a contradição da conduta ao interesse estatal na proteção a um direito subjetivo do indivíduo, expressamente manifestado na norma incriminadora.

Também representando a escola clássica, Francesco Carrara afirmava, em 1859, que “o delito... não é um ente material, mas jurídico, de modo que seu objeto não é uma coisa ou o homem, mas o preceito violado”28

. Carrara entendia que a identificação dos bens jurídicos passíveis de tutela normativa caberia às regras éticas e morais, derivadas da justiça absoluta29.

Nas palavras de Karl Binding, formuladas em 1872, bem jurídico é “tudo aquilo que, embora por si não constitua um direito, aos olhos do legislador se reveste de certo valor como pressuposto duma vida sadia da comunidade jurídica, por cuja preservação e funcionamento

25 NAVARRETE, Miguel Polaino. El injusto típico en la teoría del delito. Corrientes: Mave, 2000, pp. 335

a 372.

26

Cita-se, para expressar meu pensamento, as palavras de José de Faria Costa, adepto do livre arbítrio, como se conclui da leitura do trecho transcrito: “admitimos como espaço de liberdade o pensar livremente a própria atitude de inteligir, o que nos permite, diga-se desde já ... o retorno a Kant, retorno, a muitas luzes, cada vez mais necessário. Assim, queremos reivindicar, sem cedências, a possibilidade de se pensar o direito penal fora de um <sistema>”. COSTA, José de Faria. O perigo em direito penal.Coimbra: Coimbra, 1992, p. 14

27 BINDING, Carlo. Compendio di diritto penale. Parte Generale. Roma: Atheneum, 1927, P. 113.

28 “el delito ... no es un ente material, sino un ente jurídico, por donde su objeto no es la cosa o el hombre,

sino el precepto violado”. CARRARA, Francesco. Programa de Derecho Criminal. Parte General. Volumen I.

Santa Fé de Bogotá: Temis, 1996, p. 119.

29 CARRARA, Francesco. Programa de Derecho Criminal. Parte General. Volumen I. Santa Fé de Bogotá:

imperturbado ele manifesta um certo interesse”30. Logo, para Binding e sua „teoria da norma‟, não poderia haver qualquer „injusto material‟ sem um precedente „injusto formal‟.

Em outro pólo morava a denominada escola moderna que via o direito penal como um meio para a luta racional contra o delito, buscando as razões do crime através da análise causal própria das ciências naturais31. A sanção penal, para a escola moderna, teria função eminentemente preventiva.

Segundo a escola moderna, como se evidencia pelas palavras de von Liszt em 1881, bem jurídico seria “o interesse juridicamente protegido”. Prossegue von Liszt explicando que “Todos os bens jurídicos são interesses humanos ou do indivíduo ou da coletividade”32

. Para essa escola, o crime seria a conduta contrária a valores sociais reconhecidos positivamente. Isto porque Liszt considerou que a vida, por exemplo, não é apenas um objeto em relação ao qual o homem é sujeito de direito, mas compõe a própria essência do homem, não sendo possível conceber um sujeito de direito - o homem - sem seu objeto – sua vida.

Logo, o bem jurídico teria significado mais amplo, sendo um “objeto de tutela geral, - a vida humana em geral – não sendo considerado unicamente em sentido stricto, associado a direitos subjetivos, como a vida de um determinado indivíduo, um „bem jurídico do concreto tipo delitivo‟33

. Em suma, contrariamente à escola clássica, a escola moderna entendia que o injusto material precederia o injusto formal.

Apesar de caber ao Estado, em ambos as situações, a identificação dos bens jurídicos merecedores de tutela penal, na esteira da escola moderna houve uma evolução conceitual, pela superação de uma “visão de uma ilicitude meramente formal por uma ilicitude material”34

.

30 KAUFMANN, Armin. Teoria da Norma Jurídica. Rio de Janeiro: Rio Sociedade Cultural, 1976, p. 27. 31 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Santiago: Jurídica del Chile, 1997, p. 14.

32

LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tomo I. Campinas: Russell, 2003, pp. 139 e 140.

33 NAVARRETE, Miguel Polaino. El injusto típico en la teoría del delito. Corrientes: Mave, 2000, p. 335. 34 Para André dos Santos, a identificação de um bem jurídico que a conduta ilícita deveria ferir ou ameaçar de

lesão faria parte da própria concepção causalista da ação. Nas palavras do autor: “uma concepção de bem jurídico espiritualizado...levaria à confundir o desvalor do acto com o desvalor do resultado”. SANTOS, André Teixeira dos. O Crime de Fraude Fiscal. Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem jurídico. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 32.

O século XX assistiu a nova reformulação do conceito de bem jurídico, que se iniciou por um processo de universalização, dissociando-o mais e mais do interesse juridicamente protegido do indivíduo, para representar predominantemente o interesse da sociedade ou da coletividade.

Tanto assim que em 1935 Edmund Mezger escrevia que por bem jurídico entender-se- ia “o valor objetivo que a norma penal visa a proteger”35

. Esse valor , de conteúdo indeterminado, corresponderia ao espírito humano enraizado no povo, o que permitiu posteriormente a justificação do modelo de Estado autoritário do nacional-socialismo alemão36

.

Dessa tendência universalizante surgiu um bem jurídico deslocado dos interesses dos indivíduos e retratado como um comportamento socialmente nocivo. Exemplos marcantes foram as penas preventivas negativas gerais catalogadas no Código Rocco37. Contemporâneo deste Código, o jurista italiano Petrocelli comenta seus dispositivos, dedicando-lhes item específico do capítulo intitulado “O ilícito como violação do interesse”38

, sob denominação “o exame do pensamento de Arturo Rocco”39

. Petrocelli informa que o Rocco não indagava se ação era lícita ou ilícita, conforme ou contrária ao direito, mas se a ação era conforme ou contrária à justiça, à condição de vida em comum, isto é, se era social ou antisocial.

De fato, para a teoria causalista da ação deve haver, necessariamente, uma lesão ou uma ameaça de lesão a um bem jurídico para a imputação do resultado ao criminoso, o que exige a presença desse bem no âmbito da teoria do crime.

35 MEZGER, Edmund. Diritto Penale. Pádua: Cedam, 1935, p. 220.

36 SANTOS, André Teixeira dos. O Crime de Fraude Fiscal. Um contributo para a configuração do tipo

objectivo de ilícito a partir do bem jurídico. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 34.

37

Conhece-se por Código Rocco o Código Penal italiano aprovado pelo Decreto nº 1.398, de 19/10/1930, publicado em 26/11/1930, assinado por Alfredo Rocco, então ministro da justiça do governo Benito Mussolini. Para Arturo Rocco, no crime deveriam ser identificados o objeto formal e o objeto substancial ou material. O objeto formal corresponderia ao direito do Estado de exigir a observância das normas penais. O objeto substancial, por sua vez, se subdividiria em genérico e específico. O objeto material genérico seria o interesse do Estado na manutenção das possibilidades de vida em comum, que significa a sua própria conservação. O objeto material específico consistiria no bem (ou interesse) próprio do sujeito passivo do crime, isto é, a pessoa ou o ente diretamente atingidos pelo crime, e que varia de acordo com o delito (vida, liberdade, honra, patrimônio...). Enfim, o conceito de bem jurídico adotado nesta tese corresponde àquilo que Rocco denominou de bem jurídico substancial específico. ROCCO, Arturo. L’Oggetto del Reato e della tutela giuridica penale. Torino, 1913, pp. 553 e ss.

38 “L‟illecito come violazione dell‟interesse”. PETROCELLI, Biagio. L’Antigiuridicità. Padova: Cedam,

1947, p. 86.

39 “l‟esame del pensiero di Arturo Rocco”. PETROCELLI, Biagio. L’Antigiuridicità. Padova: Cedam,

Com o final da segunda guerra mundial ressurgiram as teorias que reconheciam o bem jurídico como ente dotado de valor e passível de identificação e de individualização40.

Chega-se ao ano de 1945 com a afirmação de Jiménez de Asúa de que o bem jurídico, juntamente com a lei, são as duas colunas que estruturam o direito penal41.

Em 1947, Biagio Petrocelli ainda esclarecia que o bem seria “tudo o que é apto a satisfazer uma necessidade humana, material ou ideal”42

.

Pouco depois, as referências ao bem jurídico passaram a ser associadas ao interesse da coletividade na conservação do „mínimo ético‟, como na lição de Hans Welzel, de 1969: “bem jurídico é um bem vital da comunidade ou do indivíduo que, por sua significação social é protegido juridicamente”43

. Caberia ao direito penal assegurar o cumprimento do preceito neminem laedere44.

Assim, o bem jurídico perde, novamente, um pouco de sua função garantista de limitar o jus puniente do Estado, mas não se afasta da tendência à individualização e identificação.

Igualmente de 1969 são as palavras de Francesco Antolisei, segundo o qual bem jurídico é “tudo o que a norma, com a ameaça da pena, procura proteger de uma possível agressão”45

.

40 RADBRUCH, Gustav. El hombre em el Derecho: conferencia y artículos seleccionados sobre cuestiones

fundamentales del Derecho. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 121.

41 ASÚA, Luis Jiménez de. La Ley y el Delito. Curso de Dogmatica Penal. Caracas: Andrés Bello, 1945, p.

19.

42 “tutto che è atto a soddisfare un bisogno umano, materiale o ideale” PETROCELLI, Biagio.

L’Antigiuridicità. Corso di Lezione Universitarie. Parte I. Padova: Cedam, 1947, pp. 116 e 117.

43 “bien jurídico es un bien vital de la comunidad o del individuo, que por su significación social es

protegido jurídicamente” WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Santiago: Jurídica del Chile, 1997, p. 5.

44 Não fazer mal a ninguém. WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Santiago: Jurídica del Chile, 1997, p.

5.

45 “quel quid che la norma, con la minaccia della pena, mira a tutelare da possibili aggressioni”.

No Brasil, Aníbal Bruno informava, em 1959, que esses bens seriam “interesses fundamentais do indivíduo ou da sociedade que, pelo seu valor social, a consciência comum do grupo ou das camadas sociais nele dominantes eleva à categoria de bens jurídicos”46

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