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2.5 – A Eugenia se organiza

Capítulo 3: O BOLETIM DE EUGENIA (1929-1933)

Introdução

“Têm os leitores o primeiro número do Boletim de Eugenia. Aparece modestamente: pequeno formato, poucas páginas. Promete pouco. Deseja, apenas, auxiliar a campanha em prol da Eugenia entre os elementos que, embora de mediana cultura, desejam, também, orientar-se sobre o momentoso assunto. Apresentará, para atender a todos, pequenos artigos científicos, ao lado de outros, de simples vulgarização. Tudo resumidamente, tudo em linguagem simples e clara”121

Estas são as primeiras palavras publicadas no primeiro número do periódico intitulado Boletim de Eugenia. O texto apresenta o veículo que este trabalho utilizará como fonte principal para analisar uma das formas pelas quais as idéias eugênicas circularam no Brasil. Além da propriedade, o Boletim de Eugenia estava sob a direção de Renato Kehl e entre seus objetivos, procurava preparar um terreno propício para a criação do Instituto Brasileiro de Eugenia. Este era considerado fundamental para o fortalecimento das idéias sobre eugenia no Brasil. Para Renato Kehl, uma instituição deste tipo garantiria não apenas a propagação de idéias eugênicas como seria uma instituição que reuniria os interessados pela ciência para debates e discussões; a idéia era que funcionasse como um local em que ações de cunho eugênico pudessem ser formuladas, incentivadas e apoiadas.

Na apresentação do periódico, o editor, ao falar do público-alvo do periódico, refere-se a elementos que apesar da mediana cultura se interessariam pela eugenia. O editor parece interessado em atender um público-alvo vasto ao afirmar que procuraria publicar não apenas artigos científicos (podemos depreender que estes estariam direcionados a

121 Kehl, Renato. “O nosso boletim: Instituto Brasileiro de Eugenia” In Boletim de Eugenia, vol 1, nº 1,

comunidade científica existente ou a estudiosos do assunto), mas também publicaria artigos de vulgarização preocupando-se em usar uma linguagem definida por ele como clara e simples (está evidente para mim que o editor divide seu público-alvo em pelo menos dois grupos bem definidos pelas colocações dos tipos de artigos que pretendia publicar no periódico). Lílian Denise Mai122 considera o Boletim de Eugenia uma das iniciativas individuais que existiram no Brasil com o intuito de difundir a ciência eugênica. A autora identifica referências de publicações sobre o assunto anteriores ao Boletim de Eugenia, destacando os Anais de Eugenia como a publicação que mais se aproximava daquele. Na verdade, os Anais consistiam em um volume organizado por Renato Kehl para registrar as atividades da Sociedade Eugênica de São Paulo durante seus anos de existência (1918-1920).

Em relação ao público-alvo para o qual o periódico foi direcionado, Lílian Denise Mai afirma que havia a comunidade científica, os políticos, os advogados, os legisladores, os intelectuais, os professores, os pais e as mães; a autora compreende que estes elementos eram conclamados a assumir a responsabilidade da administração pública e com os conhecimentos e propósitos da eugenia, conseguiriam dirigir os caminhos do país. Para a autora, este grupo representaria pessoas que, com um certo nível de educação e instrução, poderiam compreender os propósitos da eugenia e promover o planejamento e a aplicação de ações que promovessem o aprimoramento dos indivíduos no Brasil. Politicamente, a autora sugere que são as pessoas que estariam em cargos públicos responsáveis pelo apoio estatal já conclamado desde as excursões sanitaristas de Belisário Pena e Artur Neiva pelo interior do país, assim como representariam um grupo que formaria opinião na sociedade e poderia obter o apoio necessário para que as ações eugênicas fossem realizadas e fossem eficazes123.

Para ressaltar o tom propagandístico, quase de missão, destaco algumas frases que eram publicadas em destaque nos números do Boletim para conclamar a participação da sociedade na propagação dos ideais eugênicos deixando claro o quanto a eugenia

122 Mai, Denise Lílian. Boletim de Eugenia (1929-1931): um estudo sobre forças educativas no Brasil.

Dissertação de Mestrado. Maringá: 1999, p. 13.

relacionava-se com a nacionalidade e com o dever dos cidadãos brasileiros. Alguns exemplos a seguir:

“Prestarão um bom serviço ao Brasil os jornais e revistas que auxiliarem a propaganda da eugenia transcrevendo em suas colunas os artigos, tópicos e notícias deste Boletim”124.

“Jornais que noticiaram o 1º número do Boletim e compreenderam os intuitos de propagar conhecimentos eugênicos a fim de concorrer para o progresso físico, psico, mental e moral: O Correio da Manhã, O Estado de São Paulo, O Globo, A Noite, Brasil Médico, Diário de Minas, Minas Gerais, Diário Nacional”125

Este tom de afirmação da nacionalidade brasileira estava presente em todos os volumes do Boletim de Eugenia. A identidade nacional era viável e a eugenia proporcionaria esta conquista. A propaganda da eugenia feita pelo periódico consistia não apenas em artigos que esclareciam termos referentes a eugenia e suas práticas mas também referiam-se a experiências internacionais. A preocupação que identifico era a de mostrar que a ciência eugênica era viável e que o Brasil poderia beneficiar-se de seus propósitos. Segundo o editorial de apresentação126, o Boletim de Eugenia representaria a primeira publicação especializada em eugenia de caráter periódico. Mesmo precedendo a fundação do Instituto Brasileiro de Eugenia, o periódico propunha-se a propagar a ciência de Francis Galton e, para tal realização, o editorial encerrava-se registrando que pequenos trabalhos e notas seriam recebidos pelo editor que afirmava que as colunas da publicação estariam abertas a todas as idéias em prol da propaganda dos ideais eugênicos no Brasil.

124 Boletim de Eugenia. Volume 1, nº 2, Janeiro de 1929, p. 4. 125 Boletim de Eugenia. Volume 1, nº 3, Janeiro de 1929, p. 3.

126 Kehl, Renato. “O nosso boletim: Instituto Brasileiro de Eugenia” In Boletim de Eugenia, vol 1, nº 1,