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O brincar e o desenvolvimento em crianças com deficiência visual

SUMÁRIO

1.3 O brincar e o desenvolvimento em crianças com deficiência visual

Alguns trabalhos procuram estudar a relação entre brincadeira e desenvolvimento em crianças com deficiência visual, buscando compreender quais mecanismos podem ser observados na relação da criança com deficiência nesse contexto.

Oliveira e Bomtempo (17) em considerações sobre o processo lúdico e o desenvolvimento de crianças com deficiência visual, ressaltam a importância da “automotivação lúdica”, momentos criados espontaneamente no brincar, sem a tutela diretiva do adulto. Explicam que o brincar livre favorece a reorganização dos sistemas sensoriais, na medida em que a criança se movimenta e experimenta novas situações. Nesse sentido, a motivação intrínseca do brincar favorece a espontaneidade do movimento e ao desenvolvimento de novas habilidades.

Um estudo longitudinal, realizado na Suécia em 1982, é descrito por Preisler (18). A pesquisa, de caráter qualitativo, estudou crianças cegas, desde que eram bebês até a idade de seis anos e com follow-up realizado quando as crianças estavam com 10 anos. Nesse estudo, a autora discute aspectos do desenvolvimento das crianças em diferentes idades. Foi observado que, para todas as crianças do estudo, a possibilidade de participar de atividades com crianças videntes dependeu do tipo de atividade: estruturada, semi-estruturada ou brincadeira livre. Atividades estruturadas, como escutar um conto de fadas,

36 participar de um jogo ou a hora da refeição, constituíram-se em situações que as crianças cegas pareciam apreciar e em que elas podiam tomar parte de modo significativo. Por outro lado, aos três anos, foram observados poucos exemplos de interação espontânea entre crianças cegas e videntes, em situação de brincadeira livre. Um dos problemas destacados pela autora na situação de brincadeira livre foi encontrar brinquedos que fossem interessantes para a criança cega. A maioria dos brinquedos tinha suas características atraentes ou significativas principalmente no aspecto visual, o que não favorecia as crianças cegas. Outro aspecto apresentado foi em relação à movimentação das crianças videntes no espaço da sala, em comunicação por meios não-verbais. Em momentos de imitação das ações entre elas e de comunicação através de expressões faciais, movimentos corporais, era difícil ou mesmo impossível para a criança cega, seguir o que estava ocorrendo. A autora ressalta, em suas conclusões sobre o estudo, que as crianças cegas, nesses momentos, tendiam a interagir mais com adultos ou ficavam sozinhas, apresentando jogo simbólico apenas na interação com adultos.

Silveira, Loguercio e Sperb (19) destacam, em estudo realizado com crianças com deficiência visual em momentos de brincadeiras simbólicas em dois contextos: espontâneo e proposto. As autoras destacam que as crianças apresentaram condições para se engajar em brincadeiras simbólicas nos dois contextos e apresentaram mais situações de brincar simbólico no contexto proposto pelo adulto. Consideram que é importante o estímulo às brincadeiras e, mesmo, ensinar as crianças com deficiência visual a brincar. Destacam que o grupo pesquisado apresentou níveis de brincadeiras mais elaborados quando o adulto apresentou estímulos à brincadeira.

Silva e Batista (20) relataram um estudo de caso com uma criança cega com quatro anos no início do estudo, e também com diagnóstico de Síndrome de Rodrigues (que leva a alterações significativas no desenvolvimento físico e psicológico). As observações foram realizadas de acordo com o referencial histórico-cultural, com foco na mediação semiótica. Foram destacados para análise três momentos distintos das observações da intervenção, numa análise do

37 desenvolvimento da criança no decorrer de sessões de atendimento. Nas primeiras sessões, a criança, com a presença da mãe, permanecia com o corpo tenso e arremessava os objetos que lhe eram oferecidos. Após 12 meses de participação em programa de intervenção, a criança participava do atendimento sem a mãe, emitia algumas palavras esporadicamente, manipulava objetos, e explorava o ambiente. Após 18 meses de atendimento, a criança se mostrava mais à vontade, pouco tensa. Aceitava diferentes brinquedos e permitia que o adulto a guiasse para a exploração tátil dos objetos. Emitia frases mais contextualizadas e cantava trechos de músicas. As autoras destacam que, no decorrer das sessões, foi possível verificar modificações no manuseio dos objetos e nas interações, afirmando que a interação adulto-criança pode ser significativa para o processo de aquisição da linguagem e construção de significados.

Hueara, Souza, Batista, Melgaço e Tavares (21) observaram crianças com deficiência visual, algumas com outros problemas de desenvolvimento de origem orgânica, em pequenos grupos, em que foram encorajadas a brincadeiras de faz de conta. Foram disponibilizados diferentes brinquedos do tipo miniaturas, e as interações entre as crianças foram incentivadas. Nas análises, as pesquisadoras buscaram identificar exemplos de capacidades das crianças, no que se refere à elaboração do faz de conta ou de manuseio de brinquedos. As autoras constataram várias capacidades nas crianças, relativas a reconhecimento de objetos e criação de cena, criação de narrativas e faz de conta, e, também, de exploração e objetos por uma criança que usualmente recusava qualquer tipo de contato. Discutem os resultados, sugerindo que a capacidade de reconhecimento de objetos não depende apenas do tato, mas do conhecimento sobre objetos e rotinas e sobre as características das cenas montadas, bem como dos diálogos na interação com o adulto. Desse modo, sugeriram que as situações de brincadeira faz de conta proporcionaram o reconhecimento de habilidades que normalmente não seriam notadas em atividades cotidianas e/ou totalmente dirigidas. Consideraram, também, que a interação entre parceiros e a situação de brincadeira, mediada por adultos, proporcionaram um ambiente favorável às múltiplas elaborações das crianças.

38 De acordo com os estudos mencionados, o ponto central, no caso da criança com deficiência visual é a falta de oportunidades para contato com diferentes objetos e situações lúdicas. Por isso os estudos destacam a importância de um ambiente favorável caracterizado pela disposição de condições para iniciativas infantis. Dessa forma, destaca-se a relevância de oferecer condições propícias para que aconteça a brincadeira, de forma relativamente “livre”, entre crianças com deficiência visual, em interação com o adulto. Essa forma de intervenção se distingue do planejamento formal do ensino do brincar, pelo fato de permitir a observação de competências e iniciativas das crianças, sem a direção formal do adulto nessas ações, mas sem deixar de levar em conta o papel do mesmo na organização do ambiente e no encorajamento das interações.

Dessa forma, para a compreensão sobre as possibilidades de desenvolvimento da criança com deficiência visual, é necessário levar em consideração a importância das oportunidades oferecidas pelo ambiente e do uso da linguagem como um instrumento mediador na relação da criança com seus pares e com diferentes objetos e situações. Nesse sentido, o que o adulto pode fazer para favorecer a organização das brincadeiras das crianças com deficiência visual?