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B. Estrutura do Estudo

1. Revisão de Literatura

1.3 O Burnout na profissão de Contabilista Certificado

A contabilidade é tão antiga quanto a civilização humana e acompanha as mudanças e a evolução da mesma. Tal significa que o avanço da contabilidade está diretamente relacionado com o progresso económico, social e institucional de cada sociedade.

A especificidade técnica dos assuntos fiscais e contabilísticos, naturalmente complexos e porventura de difícil entendimento para o contribuinte comum, impõe independentemente do imperativo legal, o recurso a um profissional da área. Paralelamente, qualquer entidade que possua contabilidade organizada, é obrigada a dispor de um Contabilista Certificado. Empresas industriais, comerciais, prestadoras de serviços, agrícolas, pecuárias, sociedades sem fins lucrativos, fundações, produtores rurais, cooperativas, entre outros, são todos clientes dos serviços prestados pelos contabilistas (Thomé, 2001). Marion (2009, p. 14) enfatiza que “uma empresa sem boa contabilidade é como um barco, em alto-mar, sem bússola, totalmente à deriva”.

Por tudo isto, se explica e compreende o crescimento explosivo da profissão de contabilista nos últimos tempos, um pouco por todo o mundo.

A evolução histórica da profissão de contabilista em Portugal tem sido marcada por algumas datas-chave, no entanto na última década a profissão conheceu um grande impacto e reconhecimento na sociedade portuguesa, tal como refere a Ordem dos Contabilistas Certificados no seu site institucional.

A profissão de Contabilista Certificado, institucionalizada em Portugal enquanto tal, aprovada pela Lei nº 139/2015 de 7 de setembro, encontra-se regulada pelo Estatuto dos Contabilistas Certificados, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Designam-se por Contabilistas Certificados os profissionais inscritos na Ordem dos Contabilistas Certificados, nos termos do respetivo Estatuto (Matos, 2016).

Para João Antunes (2014), consultor da Ordem dos Contabilistas Certificados, a profissão de Contabilista Certificado “é de interesse público, com responsabilidades acrescidas face ao seu estatuto, sendo um interlocutor privilegiado entre o sujeito passivo e a Autoridade Tributária (AT).” Ao profissional da contabilidade são exigidas as competências de flexibilidade, competitividade, responsabilidade ética e social, iniciativa, capacidade de atualização constante, capacidade de antecipação, capacidade de prevenção, visão de futuro, domínio e utilização de tecnologias de informação e comunicação, entre outras (Primak, 2009).

Na ótica de Antunes, assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal é um dos principais deveres do profissional da área. Terá também do ponto de vista fiscal, o dever de apresentar as contas mais favoráveis ao cliente, aproveitando todos os benefícios fiscais ao dispor daquele. Neste assunto de cariz delicado, entram também as

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funções de consultoria ao sujeito passivo, não como uma opção, mas antes como uma obrigação que se encontra prevista nos Estatutos da Ordem dos Contabilistas Certificados.

Cumpre ainda ao profissional da contabilidade o dever de informação ao sujeito passivo/clientes de todas as mudanças relevantes ocorridas, quer a nível contabilístico, quer a nível tributário. Neste sentido, Antunes (2014) sugere a criação de rotinas como o envio periódico de circulares ou e-mails ao cliente com a informação das alterações relevantes.

Por último, o mesmo autor (Antunes, 2014) destaca o dever de sigilo profissional, devendo o profissional recusar-se a prestar depoimentos seja a que título for, a menos que seja dispensado do dever de sigilo pelo sujeito passivo ou por obrigatoriedade de instância judicial.

No que concerne à responsabilidade, e de acordo com o Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, este profissional é responsável por todos os atos que pratique no exercício das suas funções laborais, incluindo os dos seus colaboradores. Em caso de erros ou omissões o Contabilista Certificado pode incorrer em responsabilidade tributária, penal, contraordenacional, civil, laboral e disciplinar.

Neste sentido, e de acordo com Marion (2009), o comportamento ético-profissional do contabilista, deverá ser inquestionável, sendo que o mesmo deverá ainda estar sempre consciente de sua responsabilidade social e profissional.

Tal como referido no site oficial, a Ordem dos Contabilistas Certificados considera que o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo constituem uma preocupação crescente da comunidade internacional. É certo que este fenómeno adquiriu uma dimensão transnacional e ameaça a estabilidade da economia a uma escala global. Neste sentido, cumpre ao Contabilista Certificado, o dever de colaboração prestando toda a assistência, quando requerida pela autoridade judiciária responsável pela condução do processo ou pela autoridade competente para a fiscalização do cumprimento dos deveres previstos nesta lei, nomeadamente fornecendo todas as informações e apresentando todos os documentos solicitados por aquelas entidades.

Em resumo, na sua atividade profissional, e de acordo com a Lei n.º 139/2015 de 07 de setembro, o Contabilista Certificado terá como funções planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística. Deve também assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas.

De uma forma simplificada, poder-se-á afirmar que o profissional da contabilidade assegura a integridade das operações contabilísticas, fiscais e financeiras dos contribuintes. Atua numa área em que regras económicas, fiscais e políticas são constantemente alteradas. Tem como funções laborais a consecução de tarefas de enorme prestígio, mas de elevada responsabilidade.

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Paralelamente, o mercado de trabalho da contabilidade está cada vez mais exigente, com novos profissionais a surgirem diariamente, à procura de um lugar no mercado. Por conseguinte, a competitividade e a concorrência são constantes. Por tudo isto se conclui a importância e a responsabilidade que recai sobre o profissional da contabilidade.

O exercício de funções laborais é tipicamente um lugar de recorrente ansiedade, risco, conflitos, tensões e angústia. O presente clima de precariedade, competitividade e instabilidade que pautam a esfera laboral, é benevolente a cargas excessivas de stress acumulado, que podem levar o trabalhador à exaustão, comprometendo a sua saúde física e mental, e consequentemente as suas aptidões laborais e respetivo comprometimento com a organização com a qual colabora.

De acordo com a maioria dos especialistas da área, e tal como referido ao longo deste trabalho, a Síndrome de Burnout é descrito como um desequilíbrio específico resultado de exigências excessivas (Trivedi, 2008). Os mesmos especialistas enumeram um conjunto de sinais e sintomas que afetam o trabalhador resultantes deste síndrome, como a falta de energia, a fadiga física, a exaustão emocional, a apatia, o sentimento de raiva e de depressão, manifestação de doenças psicossomáticas e falta de realização profissional (Triverdi, 2008).

No entendimento de Reinhold (2004), Burnout traduz-se nas mudanças pessoais negativas que ocorrem em profissionais cujos empregos são assaz exigentes ou frustrantes. Neste sentido, o Síndrome de Burnout diz respeito a um termo global de stress relacionado com o trabalho, o qual tem o potencial de afetar negativamente a saúde psicológica e física do indivíduo, assim como a eficácia de uma organização.

De acordo com Cooper, Sloan, e William (2008) o que é vivenciado hodiernamente nas organizações, como situações de risco, situações ameaçadoras, fortes cargas de pressão, insegurança, autoestima, condições de trabalho e convívio, conduzem a situações de tensão e de total exaustão ou Burnout. Ainda neste contexto, os mesmos autores afirmam que as exigências do trabalho, tarefas excessivas, a redução de funcionários, a necessidade de manter- se na empresa e o rompimento das relações com e no trabalho contribuem também para o stress laboral.

Cooper, Sloan e William (2008) afirmam ainda que as tentativas de ultrapassar este esgotamento têm desencadeado diversos tipos de problemas, como uso excessivo de álcool, drogas, falta de comprometimento organizacional, afastamento do trabalho, insatisfação e baixa produtividade. Na última década, vários estudos epidemiológicos têm evidenciado um aumento exponencial e uma elevada prevalência da Síndrome de Burnout laboral, principalmente entre profissionais cujo trabalho envolve constantes exigências e riscos, e intensas interações com pessoas, em grande parte dos países ocidentais (Maslach et al., 2001). Lamentavelmente, são ainda escassas as investigações e o estudo desta patologia nos profissionais da contabilidade. Ao consultar a literatura da especialidade chega-se à evidência que as dissertações relativas a este

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esgotamento mental intenso causado por pressões no ambiente profissional contabilístico são escassas.

No entanto, no exercício profissional da atividade contabilística, encontram-se presentes diversas fontes de stress psicossociais, algumas relacionadas com a natureza das suas funções, enquanto outras relacionadas com o contexto institucional e económico onde estas são exercidas. No exercício da sua função, o contabilista gera uma série expetativas, não só na entidade/contribuinte com os quais colabora, uma vez que este profissional deverá esclarecer aqueles no que concerne a todos os condicionalismos legais, expondo as consequências das opções a tomar e ainda prestar toda e qualquer informação relevante que o possa afetar, mas também para a Autoridade Tributária e para a sociedade civil de um modo geral (Matos, 2016). Sendo uma profissão que lida com assuntos de suma importância e responsabilidade, o trabalho de um contabilista tem dois lados antagónicos quanto à satisfação que o mesmo lhe oferece: é um trabalho capaz de proporcionar experiências gratificantes pelos bons resultados conseguidos e pelo prestígio que daí advém, mas também proporcionar-lhe situações de tensão, erros, risco, insegurança e angústia no cumprimento das suas tarefas (Reinhold, 2004).

A profissão de contabilista é geralmente considerada de risco e carregada de responsabilidades, uma vez que particulares ou entidades empresariais depositam nos contabilistas grande confiança delegando-lhe a planificação, organização, coordenação e execução da sua contabilidade, podendo contribuir como fonte de stress para o profissional da área. Acresce ainda que os Contabilistas Certificados no exercício das suas funções laborais, podem incorrer em responsabilidade tributária, penal, contraordenacional, civil, laboral e disciplinar. Por exemplo, a falta ou o atraso na entrega de quaisquer declarações que são obrigados a apresentar, no período de exercício da sua atividade profissional, obriga o Contabilista Certificado ao pagamento de coimas, como sanção de contraordenação.

A atividade contabilística exige o planeamento, o controlo e a coordenação de uma quantidade imensurável de informação. O Contabilista Certificado ao exercer as suas funções deverá evitar erros e omissões e está sujeito a uma obrigatoriedade de deveres de prevenção. Existe uma carga de trabalho elevada, trabalho burocrático e rotineiro, pressão para o cumprimento de prazos, a que se acrescenta uma série de exigências inerentes à profissão e mudanças constantes das leis, normas e procedimentos, uma constelação de elementos que pode propiciar a síndrome de exaustão profissional na atividade contabilística.

Por conseguinte, tendo em conta o rol e o caráter de risco das funções atribuídas ao Contabilista Certificado, aliado às responsabilidades que lhes podem ser imputadas, é lícito concluir que o profissional da contabilidade evidencia uma forte possibilidade e suscetibilidade em contrair a Síndrome de Burnout.

Tendo como base o estudo realizado por Aryee e Min (1991), na América do Norte e Ásia, e o estudo realizado por Peres et al. (2016) no Brasil, com contabilistas profissionais, as principais causas do esgotamento ocupacional nestes profissionais são o volume excessivo de atividades

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a serem entregues dentro dos prazos exigidos, prazos de entrega de tarefas extremamente diminutos, o ritmo acelerado e horas de trabalho excessivas. Esta exaustão origina uma série de sintomas físicos como dores de cabeça, dores nos ombros e nos braços e pode desencadear um “esgotamento mental” (Burnout). Para redução do stress os entrevistados entravam em conflitos com os colegas de trabalho, consumiam bebidas alcoólicas, discutiam com os membros familiares, entre outros.

As frequentes e rápidas mudanças na área da contabilidade em particular e no mundo de trabalho em geral, são também um dos principais fatores da ocorrência de stress ocupacional nesta profissão, de acordo com os estudos anteriormente referidos. Essas transformações, demasiado rápidas e constantes impedem os indivíduos de as absorverem de forma correta, induzindo-o em stress, o que pode levar o contabilista a um menor desempenho, cometendo erros e prejudicando a organização com a qual colabora. Acresce a esta realidade o aumento das obrigações e a necessidade de adaptação às novas exigências fiscais e ferramentas tecnológicas, que agravam ainda mais a situação.

Em jeito de conclusão, poder-se-á afirmar que a síndrome de Burnout é uma patologia que deverá ser tomada em linha de atenção no seio contabilístico, pela razão do profissional da área realizar tarefas de suma importância, responsabilidade e risco sendo por conseguinte bastante suscetível de padecer deste transtorno.

1.4 Burnout e Comprometimento Organizacional, relação entre

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