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O Código de Defesa do Consumidor e a Relação Jurídica de Consumo

4.3 Os Contratos nas Relações de Consumo

4.3.1 O Código de Defesa do Consumidor e a Relação Jurídica de Consumo

A razão da existência do Código de Defesa do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro é revelada na própria denominação da Lei. A proteção do consumidor, consagrada na Constituição Federal como direito fundamental, constitui, assim, o princípio orientador da Política Nacional das Relações de Consumo. Este princípio, entretanto, encontra fundamento no reconhecimento, por parte do Estado, da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo129.

A vulnerabilidade do consumidor é, portanto, a característica que justifica a sua proteção pelo Estado. Assim, a aplicação das regras constantes do Código de Defesa do Consumidor visa ao fortalecimento da parte que se encontra em situação de inferioridade para o restabelecimento do equilíbrio da relação de consumo.

Mencionada relação é composta dos sujeitos consumidor e fornecedor e tem como objeto um produto ou um serviço, conforme as definições trazidas pelo próprio Código:

Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salva as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Muito embora não se identifique no artigo 2º retrocitado a vulnerabilidade do consumidor como condição necessária à sua identificação, entende-se que tal característica lhe é inerente; ou seja, para ser considerado consumidor, o adquirente ou usuário de um

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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 14.

produto ou de um serviço, além de ser destinatário final deste, deve também estar em situação de vulnerabilidade.

A vulnerabilidade é, portanto, o elemento central para a identificação do consumidor e, consequentemente, para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica. Importante ainda é notar que a vulnerabilidade do consumidor pessoa física é presumida pelo Código, enquanto a vulnerabilidade da pessoa jurídica deve ser demonstrada no caso concreto, a fim de que possa ser considerada como consumidor.

Conclui-se, pois, que todos os consumidores são considerados vulneráveis pela legislação consumerista e, por isso, merecedores de sua proteção.

Segundo Cláudia Lima Marques130, a “vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos,

desequilibrando a relação de consumo”. A vulnerabilidade caracteriza-se, pois, como “um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção”.

Ainda consoante a autora, além da vulnerabilidade informacional, intrínseca ao consumidor, há ainda três modalidades de vulnerabilidade- a técnica, a jurídica e a fática.

A vulnerabilidade técnica diz respeito à falta de conhecimento específico pelo consumidor sobre o produto ou serviço ofertado no mercado de consumo, que certamente o deixa mais suscetível de ser ludibriado pelo fornecedor, um especialista.

A vulnerabilidade jurídica, ou científica, refere-se à falta não somente de conhecimentos jurídicos pelo consumidor, mas também de conhecimentos de Contabilidade ou de Economia.

A vulnerabilidade fática, ou socioeconômica, reporta-se à real situação de inferioridade do consumidor perante o fornecedor, em razão do seu poderio econômico, da essencialidade do serviço prestado ou, ainda, da sua posição de monopólio.

A vulnerabilidade informacional é própria do consumidor, e encontra-se englobada pela vulnerabilidade técnica, mas merece destaque em razão da importância da informação no mercado de consumo atual.

Neste mercado dinâmico, veloz e globalizado, abundante de informações falsas, distorcidas ou manipuladas, o défice informacional do consumidor agrava ainda mais a sua vulnerabilidade frente ao fornecedor.

130 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

Esta vulnerabilidade informativa é considerada como o fator de maior desequilíbrio entre os sujeitos das relações de consumo, pois atualmente a maior fonte do poder se encontra na informação, detida pelos fornecedores.

O conceito de consumidor é, portanto, relacional, pois o consumidor só existe perante o fornecedor, de quem adquire um produto ou utiliza um serviço como destinatário final e em situação de vulnerabilidade.

Pelo exposto, verifica-se que a relação jurídica de consumo necessariamente só se estabelece se presentes ambos os sujeitos, consumidor e fornecedor, tal qual definidos pelo Código de Defesa do Consumidor, e pelo menos um dos objetos, produto ou serviço.

O conceito de fornecedor é bastante amplo, de modo a privilegiar todos aqueles que fornecem produtos e serviços no mercado de consumo mediante o exercício habitual do comércio.

A característica da habitualidade é, pois, essencial para sua identificação, pois a

expressão “desenvolvem atividade”, prevista no caput do mencionado art. 3º do Código, indica que somente quem desenvolve determinada atividade profissional de forma habitual ou reiterada poderá ser considerado fornecedor.

Identificada a relação de consumo com a presença de todos os seus elementos constitutivos, autorizada está a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, legislação especial de natureza protetiva.

A aplicação do referido Código na solução de conflitos entre consumidores e fornecedores de produtos ou serviços não exclui, contudo, as demais normas do ordenamento jurídico.

Pelo contrário, a adoção da teoria do diálogo das fontes pelo Código, no art. 7º, possibilita a abertura do sistema de proteção ao consumidor para outras fontes normativas, no intuito de tutelar efetivamente os seus interesses.

Mencionada teoria, desenvolvida por Erik Jaime, foi introduzida na doutrina brasileira por Cláudia Lima Marques131, cujo significado corresponde à “atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro de saúde) e gerais (como o CC/02), com campos de aplicação

convergentes, mas não iguais”.

131 MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito

O Código de Defesa do Consumidor disciplina relações jurídicas entre sujeitos em circunstância de desigualdade e o Código Civil entre sujeitos que se encontram em situação de igualdade. Sendo assim, apesar das diferenças básicas conceituais entre estas duas fontes normativas, o diálogo é admitido com vistas a melhor proteger os interesses do consumidor.

Os contratos de consumo recebem, portanto, tratamento diferenciado. Além da conformação aos princípios da boa-fé, do equilíbrio econômico e da função social, ainda têm como escopo a proteção do consumidor, considerado parte vulnerável na relação jurídica e, por conseguinte, digno de tutela especial do Estado, como estabelecem os incisos I e II do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios (Redação dada pela Lei 9.008, de 21/3/1995):

I- Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II- Ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) Por iniciativa direta;

b) Por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) Pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) Pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Prefalado Código disciplina a matéria contratual no Capítulo VI, intitulado Da Proteção Contratual, que compreende os artigos 46 a 54.