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O CAMINHO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

1. CONTEXTUALIZAÇÃO

1.5 O CAMINHO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

Como já foi afirmado anteriormente, a educação carrega consigo as características do momento histórico, econômico e social do qual faz parte. Consequentemente, não seria diferente com a formação continuada de professores. Esta varia também de acordo com a realidade em que está inserida. E é assim que Fusari (1992), nos apresenta o percurso da formação continuada de professores no Brasil. De forma muito clara relaciona formação continuada de professores com os diferentes momentos sociais, políticos e educacionais do Brasil e procura mostrar a não neutralidade de cada proposta, como veremos mais adiante.

Segundo este autor,

(...) com a educação escolar atrelada aos interesses econômico- políticos dominantes, em diferentes períodos, os educadores sempre foram “treinados” para corresponder a determinadas expectativas, expressas principalmente nos textos legais: aquilo que é, foi e ainda hoje aparece aos educadores como a referência fundamental e apresenta-se como porta-voz daquilo que é necessário e bom para a educação escolar no momento. (Fusari, 1992, p.13-14 – grifos meus)

Desta forma o professor apresenta-se como um grande aliado desta política de alienação14 econômica e cultural (para a efetivação prática das leis,) embora esta aliança seja de interesse dominante e na maioria das vezes não seja clara para o professor, que a partir de sua formação pouco crítica se deixa inocentemente convencer-se pelos discursos dos formadores e das políticas e desta forma ajuda a reproduzir a organização social vigente.

Educador, (GEPEFE) e o grupo: Formação de professores: re-invenção do trabalho docente, do espaço escolar e de políticas públicas, vinculados à Universidade de São Paulo.

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A formação na verdade nada mais é, neste caso, do que uma forma de dominação e controle para que não haja ruptura, não haja possibilidade de mudança. A prova disto é que cada vez que a classe dominante se sente ameaçada, cria novos mecanismos, novas teorias educacionais, com discurso de preocupação com todos, que tem por trás apenas um objetivo: manter sua posição “sem perdas” e, preferencialmente, com ganhos (lucro).

Gohn (1994), reforça tal questão afirmando que:

Reformas e propostas educacionais, (...) não são novidades históricas no Brasil do século XX. Porém, se observarmos os ciclos destes acontecimentos, eles são datados e correspondem a períodos de crise na economia, de redefinição do modelo de acumulação vigente e de constituição de novos atores sociais como sujeitos da cena política nacional. (p.7)

E, para viabilizar a superação deste papel de reprodutor, atribuído aos professores, é necessário uma formação que os possibilite pensar a situação social de forma crítica e que os tornem promotores da emancipação humana por meio da formação das novas gerações na escola. Formação que deve “(...) tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-as no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre homens.”(Saviani, 1982, p. 41)

Fica evidente que a formação continuada de professores precisa ser repensada no sentido de ser orientada por diretrizes e objetivos voltados à população em geral, à superação da exploração econômica e da desigualdade social portanto, que se proponha a ampliar os conhecimentos dos professores tornando-os filósofos, para que possam também oferecer aos estudantes o conhecimento e o acesso aos bens culturais que os tornarão críticos e preparados para lutarem por seus direitos.

Para entender a real necessidade de se fazer a crítica acima, é importante conhecer a trajetória que a formação continuada de professores tem seguido no Brasil.

Segundo Fusari (1992) até a década de 1930 a tendência da Educação de caráter Tradicional predominou no Brasil quando a educação era privilégio das famílias mais abastadas. Esta tendência caracteriza-se, segundo Saviani (1984), da seguinte forma:

Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente (...) a escola se organiza, pois, como agência centrada no professor, o qual transmite, (...) o acervo cultural aos alunos. (p.10)

O autor completa afirmando que, “(...) o essencial era contar com um

professor razoavelmente bem preparado.”(p.10 – grifo meu). O professor bem

preparado neste caso, era aquele que possuía conhecimentos amplos, cultura variada, conhecia técnicas de ensino e sabia manter a disciplina dos estudantes. A formação continuada de professores então, viria também nestes moldes, os professores assumiam o papel de aprendizes/ouvintes para absorver o máximo de conhecimento passados pelos formadores.

Fusari (1992), ressalta que, “durante as décadas de 50, 60 e 70, de diferentes maneiras e em diferentes situações, é possível identificar a influência do "tradicionalismo" nos treinamentos de educadores.” (p. 15) Segundo o autor, este tipo de formação reforçou a dicotomia entre teoria e prática enfatizando a prática. Suas avaliações, tinham como objetivo medir o “índice de ganho” dos professores ou então, perceber qual a impressão, o sentimento a emoção experimentada pelos professores.

Sabe-se claramente que o slogan de “educação para todos” da escola tradicional tinha por trás o interesse da classe burguesa, que à medida que não dependia mais desta educação, por já ter conseguido a ascensão que buscava e principalmente quando parcela da população começava a questionar a ineficácia da promessa da “educação para todos” e a se servir das contradições do sistema para reivindicar seus direitos era preciso tomar uma providência.

de uma preocupação em articular a escola como um instrumento de participação política, de participação democrática, passou-se para o plano técnico-pedagógico. (...) Passou-se do ‘Entusiasmo pela educação’, quando se acreditava que a educação poderia ser um instrumento de participação das massas no processo político, para o ‘otimismo pedagógico’, em que se acredita que as coisas vão bem e se resolvem nesse plano interno das técnicas pedagógicas. (p.55)15

Deslocando a questão pedagógica de uma formação ampla e rica em conteúdo e cultura, embora autoritária, para a formação baseada no sentimento, no processo, no interesse e na espontaneidade; deslocando o foco do professor para o aluno, do pensar para o fazer, segundo Saviani, a Escola Nova aprimora o ensino da elite que tem outros meios de educação além da escola e rebaixa o nível de ensino das “camadas populares”, que perdem conteúdo e cultura. Por isto, é possível questionar: será que esta mudança de foco do professor para o aluno, permite tratar como similares as categorias criança/estudante e aluno? Será que a criança teve respeitada sua condição de ser humano de pouca idade neste período ou permaneceu o aluno, um ser “sem luz”?

São estas características do projeto de educação da Escola Nova que se observa também na formação continuada de professores deste período. Os professores são convidados a “vivenciar” como no lugar de estudantes as dinâmicas, jogos, e dramatizações para depois realizá-las com as crianças/estudantes na sala de aula. Tais vivências tinham como objetivo o bem estar dos professores, sua inclusão nos grupos, por isso a avaliação buscava verificar a satisfação dos professores, os sentimentos experimentados (Fusari, 1992).

Segundo este autor,

(...) a influência não diretiva do "escolanovismo" nos treinamentos, principalmente o que chegou às escolas públicas, acabou reforçando muito a noção de que atividades, métodos e

15 Saviani informa que a relação “entusiasmo pela educação” X “otimismo pedagógico” é detalhada por Jorge

técnicas resolveriam a improdutividade da escola, deixando mesmo o conteúdo - aprendizagem da cultura universal - em segundo plano. As mudanças desejadas nos treinamentos acabaram manifestando-se assim: uma prática mais para o tradicional, acompanhada por um discurso novo, onde a "liberdade" da escola nova triunfa em relação ao "autoritarismo" da escola tradicional. (p.19 – grifos do autor)

O objetivo era “(...) manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses.”(Saviani, 1984, p. 14)

Nos anos 70, sob a égide da Ditadura Militar, as forças governamentais se voltam para acelerar o desenvolvimento nacional por meio do investimento acirrado nas empresas nacionais e multinacionais e no aligeiramento do educação escolar que passa a ter como objetivo formar para o trabalho. Neste momento, no âmbito da escola, tanto professores quanto estudantes ocupam papel secundário, de executores e ganha lugar de destaque a “organização racional dos meios”. O processo de educação é pensado, planejado, coordenado e controlado por especialistas “supostamente habilitados, neutros, objetivos e imparciais. Assim, (...) cabe à educação proporcionar um eficiente treinamento para a execução das múltiplas tarefas demandadas continuamente pelo sistema social. (Saviani, 1984, p.18).

Esta também é a característica da formação continuada de professores, neste período de repressão política, principalmente quando era preciso formar sujeitos eficientes, preparados para o fazer e não para o pensar, preparar para o trabalho valorizando mais as tecnologias e os procedimentos de ensino.

Nos objetivos dos treinamentos, nesta fase, é possível identificar.  ênfase no domínio de habilidades referentes ao planejamento

de ensino;

 ênfase no conhecimento e utilização de novas tecnologias do ensino e recursos audiovisuais;

 ênfase nas habilidades ligadas a avaliação da aprendizagem, tal a proliferação de treinamentos em métodos e técnicas de avaliação. (Fusari, 1992, p. 20)

As três tendências pedagógicas relacionam-se diretamente com a realidade social. A primeira (tradicional) - ideal da modernidade - objetivava formar professores cultos e com conhecimentos amplos para formar sujeitos que tivessem a capacidade de conquistar o poder e administrá-lo. As duas seguintes (nova e tecnicista), visavam silenciar qualquer tipo de questionamento, buscavam formar a população com o mínimo de conhecimento e acesso à cultura para mantê-la afastada do pensamento crítico. Neste período a formação continuada de professores se propõe a formar profissionais ocupados com os meios e técnicas para ensinar, preocupados em proporcionar variadas sensações e o bem estar nos estudantes e desta forma distanciá-los da realidade em que vivem. Não é atoa que Fusari (1992) constata que a formação continuada de professores é realizada em maior quantidade para os professores do antigo primeiro grau, com ênfase nas series iniciais, ou seja, onde alcançariam a maioria da população e numa idade propicia para incutir idéias em suas mentes.

Nota-se que na mesma medida em que a formação continuada de professores apresenta as características do enfoque da educação de cada época, muito provavelmente este também deve ser o enfoque de olhar sobre a criança/estudante. Percebe-se claramente neste contexto a intenção de deixar a realidade encoberta para os professores e conseqüentemente para os estudantes. A intenção é deixar que a essência do fenômeno real fique bem escondida e dissimulada para que não seja questionado.

Somente “no final da década de 70 e início dos anos 80, como forma de superação da influência liberal e da influência crítico-reprodutivista, surge a proposta dialética de perceber a relação entre a educação escolar e a sociedade.” (Fusari, 1992, p. 23)

Tal relação traz para formação continuada de professores a crítica ao sistema educacional desvelando seu papel ideológico reprodutor, o que inicialmente aparece

apenas como denúncia e mais tarde, a partir do início dos anos de 1980 se transforma em momento de “intervenção crítica”, pois, percebe-se ai que, embora a escola represente uma instituição reprodutora da sociedade vigente, apresenta, como já se afirmou, as contradições inerentes da sociedade, possibilitando o desenvolvimento do pensamento crítico, reinvidicatório de luta para a mudança.

Já, nos anos 1990 pode-se perceber as marcas das políticas da globalização e do neoliberalismo que buscam afirmar e fortalecer o sistema capitalista por meio da competitividade, da exacerbação do individualismo, do enfraquecimento e apagamento das lutas populares, da ausência de um projeto político voltado à emancipação. A educação não fica imune a esta realidade, nesta década ela é marcada por reformas influenciadas pelos organismos multilaterais que pregam o desenvolvimento econômico e social por meio de uma educação “universal” e de “qualidade”, colocando a ênfase deste trabalho principalmente na figura/função do professor. Para isto, no Brasil, “particularmente nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), constituiu-se um discurso que atribuía um determinado sentido à educação, para o qual foi preciso desqualificar a escola pública, denunciando sua suposta ineficiência, ineficácia e má qualidade.” (Evangelista e Shiroma, 2003, p.81,–grifos meus) Pois assim estaria posto o terreno para a proposta de uma formação de professores em “novos moldes”, que serviria melhor às necessidades do mundo capitalista.

A implantação destes novos modelos se deu por meio de reformas, que segundo Torriglia (2004), não são reivindicações novas mas, de conteúdos completamente divergentes. Segundo a autora,

a necessidade de reformar o sistema educacional foi sendo construída processualmente durante muitos anos por diferentes grupos de educadores, movimentos sociais, organizações, etc., (...) Algumas questões foram incorporadas pelos governos da década de 1990, mas a maioria sofreu metamorfoses: mantiveram a força conceitual em sua fachada, esvaziando o conteúdo essencial que as representava. (Torriglia, 2004, p.52)

Estes novos modelos se baseiam na forma de produção industrial, que se caracteriza pela busca do aumento da produção, do baixo investimento e por meio do desenvolvimento de “(...) estilos educativos que acompanham a competitividade, ou seja, competências, habilidades, destrezas, para acrescentar e melhorar o “potencial cientifico-tecnológico”, e por outro, desenvolver e formar cidadãos que possam “vincular-se” a este modelo emergente (...)”. (Toriglia, 2004, p.51)

No referente à formação continuada de professores pode-se observar o barateamento nos investimentos por meio do aligeiramento da formação utilizando treinamentos rápidos, de certas modalidades de formação à distância, “esvaziadas”, que pretendem formar profissionais práticos, eficientes e desintelectualizados. É com este modelo de formação que se chega nos anos 2000. O que se pode fazer para mudar esta lógica?

Ao prefaciar o livro “A educação para além do capital”, de Mészáros (2005), Emir Sader dá a dica: “Ao pensar a educação na perspectiva de luta

emancipatória, não poderia senão restabelecer os vínculos – tão esquecidos – entre

educação e trabalho, como que afirmando: digam onde está o trabalho em um tipo

de sociedade e eu te direi onde está a educação.” (p. 17 – grifos meus)

A formação continuada de professores não pode continuar seguindo as regras do capital. Apesar da hegemonia burguesa e da organização social estar completamente voltada para os interesses capitalistas já é hora, e urgente, formar professores para fazer a crítica e intervir na realidade social e educacional

identificando as contradições presentes na realidade escolar para formar crianças/estudantes como sujeitos conscientes de sua realidade e de seus direitos humanos, sociais e políticos.