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Localizado no maciço de Baturité, o Vale do Acarape é caracterizado pela abundância de rios e mananciais, daí derivou seu nome: Acarape que na língua tupi significa Caminho das Garças11. As manchas de solo fértil, também abundantes no vale, já em fins do século XVIII, o destacava no plantio e beneficiamento da cana12 e na fruticultura, necessitando de uma via rápida para o escoamento da produção. Foi assim que, em 1879, inaugurou-se a Estação Ferroviária de Acarape em Calaboca13, localidade que sediava as principais usinas e alambiques da Vila de Acarape14. A construção da Estrada de Ferro de Baturité e a Estação Ferroviária foram marcos para Calaboca, pois possibilitaram grande fluxo de passageiros e, consequentemente, o desenvolvimento de outras atividades econômicas como o comércio.

11 Além de ―Caminho das Garças‖, a língua tupi também admite as traduções ―Caminho dos Acarás‖ ou

―Caminho dos Peixes‖. Em todos esses casos, a referência é a abundância de rios existentes na região (MATA, 2011).

12 O Vale do Acarape, que abrange hoje parte dos territórios de Acarape e Redenção, foi a região do Ceará a

receber a primeira açucareira, a Usina Açucareira Cearense S. A., mais conhecida como Usina Cariri. Além dessa, outras usinas de médio e pequeno porte bem como alambiques (para a produção de cachaça) também foram instaladas na região.

13 Segundo Mata (2011), pouco se sabe sobre origem do nome do distrito de Calaboca. Há relatos mais antigos,

datados do século XVIII, em que se atribui a frades, que sofriam perseguições e se refugiaram na localidade, a autoria do nome Calaboca.

14 Acarape foi a denominação de Redenção até 1889 quando, pela Lei Provincial nº 2.167/1889, recebe esse

41 Figura 2 - Barragem do Açude Acarape do Meio (1922).

Fonte: DNOCS (s/d).

No final do século XIX e início do século XX, já com a denominação de Redenção, houve movimentação de comerciantes que deixaram a sede do município, se mudaram para Acarape (Calaboca foi renomeado Acarape pela lei estadual nº 2396, de 21 de outubro de 1926) e transferiram seus pontos comércios para as proximidades da Estação.

Figura 3 - Estação Ferroviária de Acarape.

Fonte: Arquivo pessoal de Luciano Memória (s/d).

A prosperidade econômica decorrente das Usinas, de pequenas indústrias de manufatura que surgiram no distrito por volta das décadas de 1940-1950 e do fortalecimento do comércio contribuíram para o surgimento de uma classe trabalhadora e média ―imune‖ ao domínio oligárquico exercido por algumas famílias15 do município sede. Nessa época, as

42 relações de trabalho no interior das propriedades já não eram mais as mesmas, sobretudo em função de alterações no regime de parceria no campo (os camponeses deixaram de morar no seu local de trabalho, o que enfraqueceu os laços de dependência que os ligavam aos seus patrões) e da introdução de outras atividades que proletarizaram os trabalhadores rurais.

Figura 4 - Vila operária que abrigou os funcionários da Usina Cariri em Acarape.

Fonte: arquivo pessoal de Luciano Memória (s/d).

Essa nova configuração socioeconômica introduziu consideráveis modificações no campo da política, em especial, no que se referia à relação político-eleitor: o camponês ―passa a ser um novo eleitor, cujo voto deve ser conquistado‖ (BARREIRA, 2008. p. 103). Por isso, o discurso do político, passou por algumas mudanças e contemplava questões como as demandas das populações locais.

Parte significativa da população economicamente ativa acarapense não exercia atividades ligadas a terra. Aqueles que não foram absorvidos pelas usinas (grande maioria) ou pelo comércio locais, iam (diariamente) para Fortaleza estudar e/ou trabalhando nas mais diversas funções desde motoristas, feirantes, empregadas domésticas, comerciantes até operários em grandes indústrias, por exemplo. Acarape havia se transformado num distrito dormitório e a Estação Ferroviária, por facilitar esse trajeto regular dos acarapenses à capital, foi responsável por ―trazer as novidades‖ para o interior.

E quando a estação funcionava era uma festa. Toda noite a gente ia para a estação para esperar os suburbanos – aqueles trabalhadores que iam trabalhar em Fortaleza todos os dias, não sabe?! –, esperar pelas novidades que eles traziam, ouvir histórias. Era muito bom" (Tetê, professora da rede pública municipal e vereadora [1989 a 1992, 1993 a 1996 e 1997 a 2000]. Entrevista realizada em 22 de novembro de 2014).

43 Figura 5 - Embarque dos ―suburbanos‖ na Estação Ferroviária de Acarape.

Fonte: arquivo pessoal de Luciano Memória (s/d).

Os suburbanos viam o desenvolvimento da capital cearense e acreditavam que pelo potencial econômico demonstrado por Acarape, esse merecia receber maior atenção das autoridades políticas de Redenção.

Segundo Mata (2011), em meados da década de 1940, o distrito de Acarape contava com a Fábrica São João (beneficiamento do algodão e fabricação de óleo e sabão), Usina Cariri (fabricação de açúcar), Usina Apolônio Sales (beneficiamento de arroz), Depósito do Ceará Cotton Company (compra de algodão), Depósito do DNOCS (recebimento de sulfato de alume para tratamento da água do Açude Acarape do Meio, que abastecia Fortaleza), a estação ferroviária, por onde toda produção do distrito escoava, engenhos de fabricação de aguardente e rapadura, escolas (Escola Reunida), praças e, no entanto, a população acarapense sequer tinha acesso à água tratada pelo DNOCS.

Figura 6 - Fábrica São João em Acarape (1950).

44 Esse foi o cenário encontrado pelo padre José Augusto Soares Magalhães, o Pe. Magalhães, pároco de Acarape que, através de articulações políticas, mediou melhorias para Redenção e Acarape, tais como o Hospital Maternidade Paulo Sarasate; uma agência do Serviço Social da Indústria (SESI), com assistência médico-odontológica; Curso de Corte e Costura e Artesanato; o Posto de Puericultura, com distribuição gratuita de leite às crianças carentes; o Patronato; a aquisição de projetor de filmes e amplificadoras, para o teatro de Acarape e fundou o Círculo Operário (MATA, 2011).

Figura 7 - Padre Magalhães.

Fonte: Mata (2011).

Para além das funções sacerdotais, Pe. Magalhães exerceu importante trabalho social e político no distrito. Foi com seu empenho e com o auxílio do deputado estadual Mariano Martins que o padre mobilizou a população acarapense da necessidade da autonomia político-administrativa. Apesar de não ter o apoio de importantes políticos de Redenção e de enfrentar a oposição da Sociedade dos Filhos e Amigos de Redenção (criada pelo jornalista João Perboyre e Silva e constituída por ―membros ilustres da sociedade redencionistas‖), que tinha o intuito de enfraquecer o movimento emancipacionista acarapense, Acarape foi emancipado em 1963, juntamente com 30 outros distritos cearenses.

No entanto, após o golpe de 1964 e com a centralização político-administrativa imposta pelo novo regime, muitos desses novos municípios perderam sua condição de emancipados, retornando ao status de distrito. Foi o que ocorreu a Acarape.

Então depois da Revolução [de 1964], foi aqui votado nessa Assembleia [Legislativa do Ceará] (...), uma lei que foi conhecida como Lei Jorge Abreu, que era deputado na época. Então Jorge Abreu, forçado pelas forças revolucionárias, apresentou um projeto de lei tornando sem efeito as emancipações [da década] de 1960, mas isso foi depois da revolução. Então, no caso do Acarape e eu como acarapense me lembro da festa que fizemos em ocasião da emancipação e me lembro também de um carnaval que foi feito em Redenção quando a lei foi tornada sem efeito (Antônio

45 Jacó, deputado estadual [1975-1995]. Entrevista realizada em 08 dezembro de 2015).

Figura 8 - Governador Virgílio Távora assinando lei de emancipação de Acarape em 1963.

Fonte: arquivo pessoal de Luciano Memória (s/d).

Não obstante a reincorporação de Acarape por Redenção, o desejo pela emancipação ficou latente no espírito do povo esperando o momento oportuno para se manifestar.