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5 CONCEPÇÕES IMAGINATIVAS E CAMPOS PSICOLÓGICOS NÃO

5.2 Campos psicológicos não conscientes

5.2.2 O campo da fruição

No campo da fruição, emergem condutas que têm como pressuposto que a entrega ao viver é o caminho para se atingir o equilíbrio. Percebe-se, desse modo, uma valorização do prazer e da alegria, bem como uma visão segundo a qual a vida é fundamentalmente confiável e boa.

As professoras de Ioga que participaram desse estudo têm em torno de 50 anos. Na infância, adolescência e em parte da vida adulta, conheceram discursos e práticas veiculados no âmbito da educação, da saúde e da cultura, segundo os quais, uma certa austeridade e seriedade deveriam ser cultivadas pelas pessoas de bem.

Entretanto, indivíduos dessa faixa etária passaram por situações de grande mudança social. Uma delas, bastante ligada ao tema dos desenhos-

estórias, vale dizer, o equilíbrio psicológico, está, a nosso ver, estreitamente ligada à grande difusão que o pensamento psicanalítico conheceu no Brasil, a partir dos anos de 1970, que se acentuou com a proliferação das faculdades de Psicologia, no final dessa década.

A psicanálise, revolucionando a visão sobre a sexualidade, até então predominante, na sociedade ocidental, abriu possibilidade para uma revisão dos valores ligados ao erotismo, o que só se acentuou a partir dos desenvolvimentos tecnológicos ligados à contracepção. Desse modo, o prazer passou a ser considerado de modo novo e diferenciado.

Tais mudanças são mais bem compreendidas se nos lembrarmos da emergência, nos anos de 1970, nos Estados Unidos e Europa, de importantes movimentos sociais de contracultura, cujos adeptos protestaram contra o anticomunismo, contra a falta de pensamento, contra a aceitação de valores sociais conservadores, que regulavam comportamentos em vários setores do viver, inclusive na esfera da sexualidade. É justamente nessa época que a Ioga é trazida para o Brasil, pelo movimento teosofista.

Em meio às contradições resultantes do confronto entre a antiga ordem social e a emergência de novas expressões culturais, os professores de Ioga foram se constituindo como pessoas, cada qual em sua singularidade, elaborando concepções imaginativas, enquanto viviam suas experiências pessoais.

A idéia central do campo da fruição é a entrega total à satisfação das necessidades e desejos, que guarda grandes afinidades com a vertente tântrica da Ioga. Essa perspectiva meditativa aparece disseminada em muitas outras práticas, como o budismo vajrayana34 e o hinduísmo, entre outras. Uma das figuras centrais, que povoam o imaginário no tantrismo, é a da grande mãe que representa a substância primordial da existência. Tal figura teria nascido da cólera dos deuses, que se uniram para enfrentar um demônio que colocava em risco o equilíbrio e a continuidade da existência do cosmos.

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Na linhagem do budismo vajrayana, existe um templo matriz em Três Coroas, no Rio Grande do Sul, e uma comunidade extensa com centros dirigidos por lamas, em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Mais informações sobre os centros e as práticas podem ser obtidas em uma página da web que reúne notícias sobre os tais centros e uma vasta literatura já traduzida do sânscrito para o inglês, ou para o português, e disponibilizada em.<www.dharmanet.com.br>. Acesso em: 05/11/2007.

O tantrismo é considerado, por alguns mestres iogues, um método adequado para meditação na contemporaneidade, tendo em vista a dificuldade do homem atual em cumprir com as condutas radicalmente ascéticas exigidas por outros métodos. “Em certas escolas tântricas, o desprezo pela ascese e pela especulação mental é acompanhado da rejeição radical de toda prática meditativa, a liberação é a espontaneidade pura” (ELIADE, 2001, p. 174).

Aparentemente uma prática prazerosa e fácil de ser seguida, a Tantraioga carrega consigo uma tendência clara de rompimento com todas as instituições, normas e leis, ainda que tal ruptura não corresponda a uma adesão ao processo primário do funcionamento mental descrito pela psicanálise freudiana. Essa divergência explica-se pelo fato de o meditador buscar a si mesmo como natureza divina, desembaraçada dos equívocos oriundos da identificação com as manifestações transitórias da vida.

Consideramos que os professores de Ioga comunicam uma crença não consciente na satisfação por meio de uma idealização da liberdade total. Em suas vidas, como apreendemos nas narrativas e desenhos-estórias, muitas vezes, acontecimentos interpõem-se como obstáculos a essa liberdade total, o que certamente promove um sofrimento afetivo-emocional, que pode não ser percebido35. Esses acontecimentos tornam-se obstáculos, em decorrência da crença na possibilidade de reagir à vida sem reflexões, na busca da liberação total que viabilizaria atingir a transcendência.

As dificuldades que dizem respeito às relações interpessoais podem ser vividas como um fator complicador nessa busca pela transcendência. Instaura-se um conflito entre a crença na liberdade total como promotora de equilíbrio psicológico e a conduta responsável, construída durante a vida, diante dos problemas com o casamento, com os filhos e outras relações familiares. Esse conflito, certamente, promove algum grau de sofrimento, que não se apresenta, nas concepções e campos, totalmente consciente.

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Referimo-nos a um tipo de sofrimento que está presente na vida da pessoa sem que esta perceba, conscientemente, que suas vivências estão sendo qualificadas e modificadas por estes. Esse tipo de sofrimento foi identificado como sofrimento encoberto e vem sendo investigado, detalhadamente, pelas pesquisadoras Mirian Tachibana, Sueli Gallo e pela livre docente Tânia Maria Aiello-Vaisber, nos encontros científicos do grupo de pesquisa “Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção”, no qual esta última cumpre também a função de coordenação.

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