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O Capitalismo Agrário e a Produção da Pobreza

Mapa 4 Produção da cultura do feijão em Sergipe

II- REPRIMARIZAÇÃO DAS ECONOMIAS NA AMÉRICA LATINA: REDESENHOS

2.2 O Capitalismo Agrário e a Produção da Pobreza

A pobreza da população de baixa renda da América Latina, explicitada no dilema da fome tem suas raízes na histórica e persistente concentração de terras, nas mãos de uma diminuta parcela de proprietários que se apropriam das riquezas dessa região. As carências alimentares do Brasil foram apontadas por Josué de castro, que fez a denúncia das mazelas ligadas a fome ainda na década de 1950.

Mesmo com todo o ‘progresso’ resultado da revolução tecnológica no campo disseminada pela Revolução Verde a geopolítica da pobreza14 se tornou mais complexa, evidenciado a desigualdade social que compõe a reprodução do sistema econômico atual. As áreas de monoculturas a exemplo da soja, da cana-de-açúcar e do milho se transformam em extensas zonas de falta de alimentos para as populações camponesas. Os desertos verdes não produzem alimentos, compreendem espaços direcionados à sustentação das riquezas de minorias de grupos que controlam a circulação de capital. A deterioração da produção de alimentos dos povos latinos é uma marca histórica da formação territorial, acentuada com o processo em curso da reprimarização econômica. “La desigualdad en torno a la tierra limita el empleo, amplía los cinturones de pobreza urbana con la expulsión desde las zonas rurales y socava la cohesión social, la calidad de la democracia, la salud del medioambiente y la estabilidad de los sistemas alimentarios locales, nacionales y globales” (OXFAM, 2016 p.11). Ademais, na atualidade a produção do espaço agrário submissa aos ditames do agronegócio alavanca a deterioração do conjunto dos sistemas alimentares e ambientais. Campos e Medeiros (2012, p. 103) afirmam que “o agronegócio busca continuamente ampliar seus territórios e, nos espaços apropriados, tem o poder de condicionar a produção e a

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No cômputo geral, 900 milhões de pessoas, um sétimo da população são desnutridas e mais um bilhão sofre de deficiências crônicas e muitas vezes destrutivas de micronutrientes- uma estatística que, eis que é mais barato e mais fácil obter o alimento agora do que em qualquer outra época da história da humanidade, oferece a prova mais impressionante de que a economia alimentar moderna é um fracasso catastrófico. (ROBERTS, 2009, p. 147).

distribuição da maior parte da riqueza, contribuindo também para o seu reverso, a produção da pobreza”.

Em pesquisa desenvolvida por Campos (2011) no município de Cruz Alta/RS grande produtor de grãos, evidencia-se a estreita relação existente entre agronegócio e pobreza. Dos segmentos da população mais atingidos pela precarização do mundo do trabalho estão as mulheres. De acordo com a autora, nos territórios do agronegócio, são poucos os espaços de trabalho para as mulheres, e, os que existem são em condições precárias, contribuindo para retroalimentar a pobreza bem como o aprofundamento das desigualdades de gênero.

Dados recentes organizados e divulgados pela CEPAL, em relatório sobre O

Panorama Social da América Latina (2018), apontam um grande retrocesso em relação

aos índices de pobreza extrema nos países latinos, mesmo com as melhorias nas condições de vida efetuadas pelas políticas de assistência social nas últimas décadas. Desde 2015 a extrema pobreza vem aumentando na maioria dos países sendo que neste ano existiam em torno de 52 milhões de pessoas nessa condição aumentando as cifras para 63 milhões de pessoas em 2018, um crescimento gritante em um período curto de tempo como mostram os dados das figuras abaixo a pobreza e a pobreza extrema em porcentagem gráfico A, e por milhões de pessoas gráfico B.

Figura 5 - América Latina (18 países): Taxas de pobreza e extrema pobreza e pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, 2002-2018

Figura 6 - América Latina (18 países): Taxas de pobreza e extrema pobreza e pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, 2002-2018

Fonte: Relatório da CEPAL, 2019 (p. 20).

Deste modo, entende-se que o aumento da pobreza extrema na América Latina, configura-se como um desdobramento das desigualdades de distribuição de renda e concentração de terras que tem se agudizado nos últimos anos. O avanço do agronégocio, ao impor novas condições de produção, resulta na expropriação dos trabalhadores do campo, pois as relações de produção do modelo monocultor é incompatível com o modo de vida dos camponeses. Com isso, o aumento do êxodo rural, a diminuição de empregos no campo, o controle das terras por parcelas minoritárias de proprietários contribuem largamente para estas cifras. Os estudos realizados por Conceição ratificam essa realidade, com a ênfase no processo que envolve as relações de trabalho.

(...) o agronegócio tem provocado a expropriação do camponês da terra tornando-o móvel, enquanto força de trabalho que será absorvida no próprio agronegócio local, ou na procura de trabalho no setor industrial, sujeitos a condição de trabalho precarizado ou escravo. Expulsos da terra se tornam errantes para ampliação e consolidação do controle sociometabólico do capital. (CONCEIÇÃO, 2013 p. 85).

Ainda segundo os dados do relatório, as formas de pobreza atingem diferentemente as áreas rurais e urbanas na América Latina. As taxas de pobreza e pobreza extrema entre as pessoas que moram nas áreas rurais se mantiveram acima das

áreas urbanas. Em 2017 46,4% dos habitantes das áreas rurais se encontravam em situação de pobreza e 20,4% em situação de extrema pobreza, enquanto isso nas áreas urbanas as taxas se apresentam mais baixas com a população que convive em condição de pobreza situando-se em 26,3% e a população que convive em extrema pobreza com o percentual de 7,8%. Sendo que entre os anos de 2014 e 2016, a pobreza extrema aumentou em ambas as áreas como observado na figura abaixo (pobreza e pobreza extrema por área de residência).

Figura 7 - América Latina (18 países): pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza por área geográfica de residência, 2012- 2017

Fonte: Relatório da CEPAL, 2019 (p. 97).

Esta realidade se coaduna ao contexto socioeconômico vivenciado pelos países latinos diante da fragilização de suas bases econômicas pelos ajustes fiscais. Além do que, a alta concentração de terras favorece no campo o aumento dos índices de extrema pobreza, sobretudo com as inovações tecnológicas aplicadas no desenvolvimento dos cultivos agrícolas. Deste modo a pobreza acompanha a expansão dos monocultivos no espaço agrário latino americano.

No cenário contemporâneo boa parte das terras dos países da América Latina é ocupada e/ou capturada pela atividade agrícola destinada ao mercado. Vivencia-se a

crônica escassez de alimentos, em terras onde a produção agrícola avança crescentemente com a produção de matérias- primas para alimentar o mercado dos países ricos, tendo como consequência a corrosão das culturas alimentares. Mesmo diante desse panorama, são a as populações camponesas sem terras ou empurradas para áreas de solos inférteis quem abastecem os mercados com sua diversidade alimentar fruto das relações históricas desenvolvidas no trabalho com a terra.

A estrutura do atraso do campo latino-americano, opera também como uma estrutura do desperdício: desperdício de força de trabalho, da terra disponível, dos capitais, do produto e, sobretudo, desperdício das esquivas oportunidades de desenvolvimento...O regime de propriedade imprime sua marca no regime de produção: 1,5 por cento dos proprietários agrícolas latino-americanos possui a metade das terras cultiváveis, e a América Latina gasta anualmente mais de 500 milhões de dólares para comprar no estrangeiro alimentos que facilmente poderia produzir em suas imensas e férteis terras (GALEANO, 2012 p.181).

Portanto, a concentração de terras neste imenso território que forma a América Latina é o elemento determinante para a crônica escassez de alimentos expressa na seguinte contradição: a maior área de produção agrícola do mundo na atualidade depende da importação de alimentos. Esta relação corrobora ao entendimento das diversas mazelas sociais que fazem parte do cotidiano massacre do campesinato dos países latinos como a pobreza. A importação de alimentos representa a sombra dos monocultivos que inviabilizam a produção dos alimentos básicos destinados ao consumo da população. O crescimento sem limites de commodities para exportação acentua este processo de dependência e acumulação de riquezas. “Cada vez vale menos o que a América Latina vende e, comparativamente, cada vez vale mais o que ela compra” (GALEANO, 2012 p. 334).

Deste modo o processo de reprimarização legitima a subordinação econômica da América Latina impulsionando a disputa pelos recursos naturais e agravando os problemas sociais. Essa expansão do capital na América Latina possui diversos limites e contradições, mediante as sombras das monoculturas que inviabilizam a própria reprodução da vida. Torna-se demasiada a amplitude dos arames farpados o qual requer o capital e suas relações simultâneas embrionárias como a pobreza, a exploração do trabalho humano, feições intrínsecas aos apêndices formatados pelos grupos capitalistas ao se apropriarem do conjunto das riquezas no espaço geográfico.

No Brasil este contexto vem sendo incentivado pelas políticas públicas15 que tem a pauta econômica associada ao agronegócio. No que se refere às políticas públicas são criadas como instrumento para o desenvolvimento econômico, certamente estas proporcionam uma maior liberdade ao capital ao se desdobrarem em planos, projetos, pesquisas e base de dados. É este impulso que tem favorecido nos últimos anos o modelo de desenvolvimento agrário dominante no campo. As terras brasileiras tem sido palco da exploração de monocultivos, gerando diversos desdobramentos negativos ao espaço agrário. Este processo de produção do espaço agrário faz com que a tendência a reprimarização imbricada ao capital financeiro ganhe força desde o início do século XXI no país.