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O CARÁTER CRÍTICO DA A RQUITETURA M ODERNA B RASILEIRA

9 1 Capítulo 04.

4.6. O CARÁTER CRÍTICO DA A RQUITETURA M ODERNA B RASILEIRA

A formação e consolidação da Arquitetura Moderna Brasileira, ao colocar-se, simultaneamente, como um processo constituído e constituinte da modernização retardatária brasileira, incorporaria em sua trajetória os mesmos limites e impasses que caracterizam essa forma particular de desenvolvimento econômico e social. Mesmo alcançando as formas pelas quais o caráter crítico da produção de arquitetura e urbanismo se expressava no caso brasileiro, alguns dos autores apresentados anteriormente não conseguiram compreender a natureza desses fenômenos. É possível afirmar que no fato de não se aprofundarem nas análises sobre as relações entre a produção de arquitetura e urbanismo e o processo de modernização, assim como no consenso em torno do caráter essencialmente positivo desse processo, residiam os principais obstáculos para tal compreensão.

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O desaparecimento de qualquer possibilidade de questionamento político ou social a partir das obras, o alinhamento imediato em relação ao Estado, às elites e às grandes corporações privadas, a apologia à autonomização da produção e a consagração de seu caráter

espetacular, a impossibilidade de universalizar o acesso às mercadorias produzidas por essa

produção autonomizada e o progressivo acirramento da precarização das relações sociais que determinam e são determinadas por essa produção (urbanização informal, rebaixamento das referências materiais que definem os parâmetros dos projetos voltados à população de baixa renda, precarização das relações de trabalho, no escritório do arquiteto e no canteiro de obras), são formas pelas quais se expressa o do caráter crítico da produção de arquitetura e urbanismo no Brasil.

Essa condição resulta da impossibilidade de superar as contradições entre as bases materiais e sociais sobre as quais o processo de modernização vem se desenvolvendo no Brasil e as perspectivas, ou expectativas, relativas ao progresso social e ao desenvolvimento nacional, que a arquitetura pretendia viabilizar a partir de sua produção. Esse impasse determina que, enquanto mediação entre homens e espaço, essa produção somente consiga se generalizar negativamente, seja através da precarização das relações sociais que ela organiza ou que a organizam, seja através do rebaixamento das perspectivas sociais e materiais que estavam em seu horizonte, ou, ainda, através da impossibilidade de se universalizar, dentro de um mercado formal, o acesso às mercadorias que produz.

Ao contrário da emancipação desejada, a consagração da arquitetura como mediação entre homens e espaço urbano produziu as desigualdades que hoje definem as nossas cidades. O seu desenvolvimento caminhou no sentido do acirramento da precarização das relações de produção e apropriação do espaço urbano justamente porque esse era o único caminho possível para que sua generalização se tornasse viável, diante dos limites históricos impostos

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aos países da periferia do sistema mundial produtor de mercadorias. E se considerar-se que desde a década de 30 o Estado brasileiro procurava criar condições para modernizar o país através da industrialização, e que o processo de industrialização incondicionalmente confunde-se com o processo de urbanização, não haveria outra alternativa à arquitetura brasileira senão operar dentro de tais limites históricos.

Nesse contexto, não é a arquitetura dos grandes mestres ou seus discípulos que se generaliza, e sim a casa autoconstruída anonimamente. Da mesma forma, não são os bairros construídos de acordo com a legislação de uso e ocupação do solo e dotados de infraestrutura que passam a caracterizar as cidades, e sim a urbanização informal, tendo as favelas e loteamentos clandestinos como exemplos clássicos. E não é a igualdade jurídica, a noção iluminista de cidadania ou o Estado democrático de direito que passam a orientar a relação entre Estado, população e seu espaço urbano. Essas relações passam a ser pautadas, cotidianamente, pela violência, pública e privada.

Mesmo se concretizando a partir de uma produção crítica, no sentido de somente se realizar com a reposição dos pressupostos de sua crise, a arquitetura poucas vezes foi analisada por meio dessa perspectiva. A teoria criada a partir dessa produção sempre foi pautada pelas análises das exceções, principalmente pelo fato de que essa teoria nunca escondeu sua preferência por discutir os rumos da arquitetura a partir das referências postas pela arquitetura produzida nos países centrais, principalmente a europeia.

Por outro lado, quando essa teoria passou a incorporar a crítica sobre determinados aspectos da produção de arquitetura no Brasil, tomando como referência o contexto social, político e econômico local, o fez por meio da análise das contradições que se apresentavam nos resultados dessa produção, e não a partir dos pressupostos que a determinavam.

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Dessa forma, em ambos os casos, a teoria e a crítica que se apresentaram não escaparam de um discurso de apologia à arquitetura, ao urbanismo e ao planejamento, assim como de apologia ao aparente papel de sujeito do arquiteto e do planejador (esse, vinculado a outro “sujeito”, o Estado), independentemente do caráter crítico de sua produção e dos limites históricos a ela impostos, resultado de sua posição relativa ao processo de modernização retardatária brasileiro e da posição desse em relação à reprodução ampliada do capital em nível mundial.

O reconhecimento do caráter crítico do processo de produção de arquitetura e urbanismo no Brasil possibilita, de certo modo, o desenvolvimento de uma crítica radical aos pressupostos e resultados dessa produção, assim como de uma crítica à própria arquitetura, tomada aqui tanto como projeto quanto como edifícios, enquanto instância na qual se manifestarão, mantendo-se as atuais relações de produção e apropriação, mecanismos de separação (pensada a partir do conceito de espetáculo), exploração e coerção.

Essa crítica, por sua vez, poderia, potencialmente, definir as bases para novas formas de conceber, produzir e apropriar-se do espaço urbano, em todas as suas escalas. Alguns exemplos discutidos anteriormente já demonstraram as possibilidades de se estabelecer, nesse sentido, novas experiências a partir de uma crítica qualitativamente distinta. Relação entre teoria e prática que poderia ser tomada como referência para se refletir a respeito das possíveis (ou impossíveis) intervenções, em ambos os campos, no contexto presente.

No próximo capítulo, esse panorama será complementado através da análise das formas particulares do desenvolvimento do planejamento urbano e do urbanismo no país, discussão que busca situar, na articulação entre as escalas dos edifícios e da cidade, os argumentos desenvolvidos até o momento.

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