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Aristóteles escreveu dois trabalhos distintos sobre a elaboração do discurso: a Retórica e a Poética. Para o primeiro, a Retórica, interessa a arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos. Já o segundo, a Poética, preocupa-se com a arte da evocação imaginária do discurso feito com fins poéticos ou literários. Para esta pesquisa, interessará o primeiro trabalho do filósofo: a Retórica.

Uma vez que este trabalho investiga a argumentação por meio das emoções, também é relevante apresentar a categorização das emoções proposta por Aristóteles, objetivando embasar os estudos e reflexões elencados nesta pesquisa.

O estudo das emoções é de extrema importância para análise de um discurso com fins persuasivos.

Segue-se a Retórica elaborada por Aristóteles.

2.2.1 A Retórica Aristotélica e sua configuração

Sendo considerada uma das disciplinas humanas mais antigas, a Retórica de Aristóteles, quando comparada à gramática, à lógica e à poética não pode ser vista como uma ciência, mas, como uma arte, produto da experiência consumada de hábeis oradores e da elaboração resultante da análise de suas estratégias em busca de ajudar outros a se exercitarem corretamente nas técnicas de persuasão. (ARISTÓTELES, 2005)

Seguindo adiante com o estudo da retórica, é imprescindível entender o conceito de persuasão. Estratégias persuasivas têm por objetivo levar o outro a aderir à tese apresentada no enunciado, ou seja, levar o interlocutor a um fazer-fazer. Esse objetivo repousa sobre os princípios de não-contradição e

verossimilhança de propósitos, e é responsável por engatilhar os comportamentos discursivos de argumentação e de composição do texto, de modo a confirmar o papel do sujeito persuasivo, ou seja, aquele orador legitimado e crível a provar o verdadeiro ao seu auditório. (CHARAUDEAU, 1995).

A partir desse prisma, deve-se entender outro conceito: o de convencer. Persuadir difere de convencer, na medida em que o primeiro remete a fazer- fazer, já o segundo, a fazer-crer. O termo convencer encontra-se ligado muito mais a concepções da mente, enquanto persuadir, a ações. Por isso, é totalmente possível persuadir alguém a agir de determinada maneira, mas não convencer, ou seja, levar o interlocutor a fazer algo (fazer fazer), mas não necessariamente a acreditar nele (fazer crer). Essas definições são extremamente importantes nesse trabalho, uma vez que esses termos são facilmente confundidos, principalmente no que se refere à argumentação discursiva.

Em se tratando da Retórica, ela nunca foi facilmente definida. A Retórica esteve sempre mais preocupada com a persuasão dos ouvintes do que com a configuração do próprio texto. Dentre todas as definições conhecidas, as quatro mais representativas são: (i) ciência geradora de persuasão; (ii) sistema capaz de descobrir os meios de persuasão relativos a dado assunto; (iii) a faculdade do falar bem no que concerne a assuntos públicos e (iv) a ciência do bem falar. Essas definições carregam, em comum, o fato de que a retórica tem em vista a criação e a elaboração de discursos com fins persuasivos.

Aristóteles postulou que o argumento lógico é o elemento central da persuasão na sua Retórica. Esse argumento toma uma de duas formas: o entimema e o exemplo. O entimema refere-se à prova dedutiva, já o exemplo, à prova indutiva, usada como argumentação secundária. A Retórica Aristotélica é, sobretudo, uma retórica da prova, uma teoria da argumentação persuasiva, que pode ser aplicada a qualquer assunto, pois proporciona um sistema crítico de análise, utilizável não só na construção do discurso, como também na interpretação desse discurso.

A verdadeira arte retórica funda-se em provas, uma espécie de demonstração, que pode ser inartística, ou seja, não inventada pelo orador e

relativa a testemunhos ou contratos escritos; ou artística, isto é,vale-se de meios de persuasão inventados pelo orador.

Os meios de persuasão são três: os que se derivam do caráter do orador (ethos); os que se derivam da emoção despertada no ouvinte (pathos); e os derivados de argumentos verdadeiros ou prováveis (logos). São esses três elementos de prova que contribuem para o raciocínio entimemático.

De acordo com o autor, no ethos residem as provas de persuasão fornecidas pelo caráter moral do orador; no pathos, encontra-se o modo como se dispõe o ouvinte e no logos, acham-se as provas do próprio discurso, pelo que ele demonstra e parece demonstrar.

Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de maneira a apresentar o orador como digno de fé, já que locutores honestos são passíveis de ganhar a confiança e a credibilidade do auditório. Para ser ouvido, o locutor deve ser julgado como aquele que diz a verdade (Charaudeau, 1995).

Persuade-se pelos ouvintes, quando eles são levados a sentir emoção por meio do discurso, pois os juízos emitidos pelos seres humanos variam de acordo com seu grau de tristeza, alegria, amor ou ódio. Para Amossy (2006), “[...] o pathos é um componente essencial da argumentação, não como emoção expressa pelo orador, mas como tentativa de obter a adesão do auditório dirigindo-se a seus afetos”. É desta espécie de prova que se ocupam os autores que falam das paixões e, nela, que se embasará esta pesquisa.

Persuade-se, finalmente, pelo discurso, ao mostrar o que é verdade, ou parece ser verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular.

Assim, é seguro de que deve utilizar-se desses meios de prova, aquele que for capaz de formar silogismos2 e puder teorizar sobre as virtudes, bem como sobre as paixões. É também coerente afirmar que a retórica apresenta- se como uma arte única, pois não se atém a áreas de conhecimento específico, mas preocupa-se em descobrir os meios de persuasão sobre qualquer temática apresentada. Nesse sentido, Aristóteles (2005, p. 95) postula que argumentar pela Retórica significa a “capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir”.

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Termo filosófico designado por Aristóteles (2005), que pode ser entendido como argumento lógico, ou capacidade de argumentar pela lógica.

Como os conceitos de persuadir e argumentar pelo discurso estão interligados, é importante constatar que toda troca verbal se apoia num jogo de influências mútuas. Desse jogo, resulta a argumentação como um conjunto de meios verbais que visam a alcançar a adesão (fazer-fazer – persuadir) do auditório a um ponto de vista. A partir desse prisma, é evidente a importância do estudo da articulação do ethos (locutor), do pathos (auditório) e do logos (discurso) para a análise argumentativa do discurso. (AMOSSY, 2006).

2.2.2 As emoções na Retórica de Aristóteles

As emoções são responsáveis por alterar os seres humanos, bem como seu juízo, uma vez que comportam dor e prazer. A seguir, elas se apresentam descritas, mesmo que brevemente, sob um ponto de vista aristotélico. (Aristótoles, 2005)

(i) A ira é um desejo acompanhado de dor, que incita a vingança devido a alguma moléstia causada no irado. Além disso, também acompanha certo prazer, resultante da esperança que se possui de uma futura vingança. O desdém transparece em atos relativos a algo que, aparentemente, não parece digno de crédito, e em geral, favorece a irritabilidade daqueles que já tem predisposição a irar-se.

(ii) A calma é entendida como o oposto da cólera, e pode ser definida como o apaziguamento e uma pacificação da cólera. Assim, mostra-se calmo aquele que se encontra num estado de espírito contrário ao que dá origem à cólera. Por exemplo, os seres humanos encolerizam-se contra aqueles que os desprezam. Já em relação aos outros, mostram-se calmos, bem como em relação àqueles que pretendem fazer o contrário do que eles próprios fizeram.

(iii) É visto como amigo aquele que se regozija com as coisas boas e se entristece com as amarguras. A camaradagem, a familiaridade, o parentesco e outras relações semelhantes são consideradas amizade. Em se tratando do seu contrário, tem-se a inimizade, causada pela cólera, pelo vexame e pela calúnia.

(iv) O medo refere-se a uma situação aflitiva ou a uma perturbação causada pelo mal iminente. Sentem medo aqueles que pensam que poderão sofrer de algum mal ou serem afetados por coisas, situações e pessoas. Por outro lado, tem-se a confiança. O que inspira a confiança é o contrário do que inspira o medo, de modo que confiar é ter esperança de que a salvação está próxima, enquanto ter medo é não acreditar nessa salvação.

(v) A vergonha pode ser entendida como um pesar ou perturbação de espírito, relacionada a vícios, presentes, passados ou futuros, capazes de provocar uma perda de reputação. A desvergonha, por sua vez, consiste em uma insensibilidade em relação a esses mesmos vícios.

(vi) A amabilidade representa a prestação de um favor àquele que necessita. Um favor nada mais é que um „serviço‟ que deve ser prestado a quem tem necessidade, não em troca de algo, ou em proveito pessoal, mas em preocupação com o beneficiado.

(vii) A piedade consiste numa certa pena em relação à aparição de um mal destruidor, afetando quem não merece ser afetado. Sobretudo, o que inspira piedade é ver gente honrada em situação crítica, uma vez que o sofrimento é considerado imerecido. Contrapondo-se à piedade, tem-se a indignação em relação àqueles que imerecidamente gozam de felicidade.

(viii) Entende-se a inveja como certo incômodo sentido em relação ao outro em vista de seu êxito alcançado. Estão mais propensos à inveja aqueles que estão mais próximos, no que se refere ao tempo, lugar, idade e reputação.

(ix) A emulação consiste em um mal-estar relativo a bens honoríficos e que se podem obter em disputa com quem é nosso igual. Esse mal-estar não é em razão desses bens pertencerem a outrem, mas porque também não pertencem ao emulado. Emulação difere de inveja no sentido de que, através da emulação, alguns se reparam para conseguir certos bens, ao passo que, baseando-se na inveja, outros impedem que o vizinho os consiga.

Veja-se, na próxima seção, o tratamento dado às emoções por Charaudeau (2010).