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O CARDAR E O FIAR: CONVERSAÇÕES AO REDOR DO TEAR

1. DE FIANDEIRA A TECELÃ: UMA PROFESSORA EM CONSTRUÇÃO

1.2 O CARDAR E O FIAR: CONVERSAÇÕES AO REDOR DO TEAR

O que escrevo nasce de meu próprio amadurecimento, um trajeto de altos e baixos, pontos luminosos e zonas de sombra. Nesse curso entendi que a vida não tece apenas uma teia de perdas, mas nos proporciona uma sucessão de ganhos.

Lya Luft. 2004, p.14

Antes de tecer ao redor do tear foi preciso obter os fios, e para obtê-los foi necessário cardar e fiar a lã, tarefa que exigiu diferentes movimentos, ora conhecidos, ora inusitados, mas que permitiram refletir a respeito dos deslocamentos ocorridos ao longo das últimas décadas no campo das chamadas ciências sociais e humanas. Deste modo apresenta-se uma breve retomada da trajetória da pesquisa no Brasil, tendo em vista que encontramos muitos vestígios nas práticas investigativas atuais. Este fato, segundo Murilo

César Ramos19 tornou-se mais evidente por volta de 1930, quando a pesquisa

no campo das ciências humanas e sociais se firmou com mais consistência. Para o autor, esse foi o período em que a qualidade das pesquisas se definiu e foi reconhecida a partir das teorias que as amparavam, portanto, se as escolhas teóricas estivessem em consonância com o pensamento da

comunidade científica da época, provavelmente os resultados seriam

reconhecidos pela mesma.

Ainda para Murilo César Ramos, as conseqüências e dificuldades das sociedades macroeconômicas atuais decorrem desse período, em que a prioridade estava diretamente relacionada à supervalorização do capital, achatando os investimentos no campo das pesquisas e da produção. É importante ressaltar que a influência brasileira, na produção científica dessa época, foi basicamente européia e norte-americana.

O desenvolvimento científico e tecnológico da Educação Superior no Brasil na década de trinta foi marcado por duas grandes correntes: uma preocupada com a aplicação dos princípios científicos e com a obtenção de resultados em curto prazo; outra, preocupada com o papel cultural da produção científica e acadêmica. Não é necessário muito esforço para verificar que ainda hoje há esta dicotomia em algumas áreas específicas da pesquisa, o que serve apenas para aumentar e fomentar um clima de disputa e competitividade entre diferentes pesquisadores e instituições.

19

Professor da Faculdade de Comunicação da UnB. Entrevista realizada por Luiz Alberto de Farias.

Segundo dados20 do INEP21 há no Brasil, atualmente, em torno de 300

mil pesquisadores que trabalham em diferentes áreas do conhecimento, desde a iniciação cientifica e tecnológica, até pesquisas que utilizam recursos e

bolsas produtividade e de agências fomentadoras. São aproximadamente 13

mil grupos que trabalham em mais de 45000 linhas de pesquisas vinculadas a mais de 400 Instituições de Ensino Superior. O Brasil ocupa, hoje, lugar de destaque entre os países que mais investem em pesquisa. Entretanto, se por um lado constata-se positivamente o investimento na produção do conhecimento, por outro, coloca-se como exigência a construção de uma reflexão a respeito das contribuições dessas produções, especificamente no campo educacional para, efetivamente, inovar e qualificar essas pesquisas. Neste sentido, tomando a experiência vivida, de quase três décadas junto à Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, desde o lugar de educadora do Ensino Fundamental até o de assessora pedagógica responsável pela criação e implementação de políticas públicas educacionais, tenho observado os resultados das pesquisas no campo educacional e percebido que elas pouco têm contribuído para o enfrentamento de questões que atravessam a prática educativa cotidiana, tais como: a repetência, a exclusão social e cultural, a evasão, os processos de ensino e aprendizagem e a avaliação, entre outros. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes a uma pesquisa intitulada Síntese dos Indicadores Sociais, é possível perceber que, ao longo dos tempos, o índice de analfabetismo no

20 Informação verbal: os dados apresentados como exemplo neste texto foram trazidos pela Drª Iara de

Moraes Xavier (Coordenadora Geral de Avaliação Institucional e das Condições de Oferta) e pelo Dr. Amir Limana (Coordenador Geral de Estatísticas da Educação Superior), ambos membros do INEP, quando estiveram em Canoas, participando como palestrantes no Encontro Regional de Avaliação Institucional, no qual proferiram palestras a respeito do novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) em outubro de 2005.

Brasil vem diminuindo. Em 2002 havia 14,6 milhões de analfabetos, o equivalente a 11,8% da população de 15 anos ou mais. Se compararmos com o índice de dez anos atrás (1992), veremos que ele era de 17,2%. Em 2005 caiu ainda mais, alcançando 6,65%, embora a média de escolaridade da população fosse inferior a oito anos, e que deste total, 12% não completasse a 4ª série do Ensino Fundamental. Apenas 6% da população brasileira teve acesso à Educação Superior em 2005, e 19% não trabalhou nem estudou. Estes dados, além de ilustrativos, cumprem a função de trazer à visibilidade problemas sérios que datam de longo tempo e que têm a ver com o movimento inicial desta tecitura, ou seja, o processo de cardar e fiar de cada aluna/professora, pois elas trazem consigo novelos com diferentes fios a serem amarrados na urdidura inicial.

Retornando aos dados da entrevista do professor Murilo César Ramos, mencionada anteriormente, desde a década de 60, muitas concepções e orientações surgiram em torno da pesquisa. Nesse período a tarefa do pesquisador era dizer se fazia ou não pesquisa e, nas décadas seguintes saber se o pesquisador pesquisava já não era suficiente, precisava-se saber o quanto ele produzia. Mais adiante outro elemento agregou-se à discussão, além de saber se o pesquisador fazia ou não pesquisa, e o quanto ele pesquisava e publicava, era preciso saber o quê e o para quê, efetivamente, cada um pesquisava, além de saber qual o benefício público dessas pesquisas.

Um outro autor, ao falar de ciência e conhecimento, tem afirmado que produzir ciência e conhecimento, não significa andar em solo firme e seguro,

pelo contrário, é pensar num vazio, mas num vazio que pode ser povoado de possibilidades e necessidades, pois segundo ele, só não podemos uma coisa: Asfixiar! (Larrosa, 1998).

Pensar nos deslocamentos ocorridos no cenário da pesquisa brasileira, nas últimas décadas, a partir do senso-comum é tão relevante quanto analisar os dados oficiais obtidos em pesquisas feitas por órgãos institucionais, pois o cruzamento de ambos, possibilita a produção de outros/novos conhecimentos. O movimento de retomar alguns aspectos referentes ao cenário da pesquisa no Brasil, que metaforicamente relacionei ao processo de cardar a lã, objetivou explicitar o lugar no qual me coloco como pesquisadora neste trabalho. A intenção foi chegar ao final com certezas provisórias, já não sendo mais a mesma que fui quando iniciei, mas uma mesma já diferente, com outros pensamentos. Creio na mudança e na transformação, creio nas múltiplas maneiras de olharmos as mesmas coisas, pois mesmo se olharmos de um mesmo lugar, jamais enxergaremos da mesma forma, pois as lentes com as quais cada um olha são diferentes, pertencem a pessoas diferentes, que trazem em si experiências únicas, acontecimentos que se passam de maneira singular com cada uma, até porque as coisas não têm uma essência em si mesmas, sendo esta uma ficção produzida na e pela modernidade.

Assim, se deu a tecitura desta tese, na fluidez das idéias, no cardar e fiar a lã em estado bruto, no enrolar os fios obtidos ao fiar, na feitura dos novelos, na capacidade criativa e criadora dos pesquisadores, na possibilidade do diálogo, da crítica e da conversação, na amarração rigorosa dos fios à urdidura.

Costa (2002), ao refletir a respeito da pesquisa, nos diz que nenhum trabalho de investigação pode prescindir de rigor metodológico, embora cada pesquisador possa inventar um caminho próprio. Toda a pesquisa busca atingir

qualidade e relevância. A qualidade refere-se à profundidade e abrangência da

pesquisa, e a relevância se refere à aplicabilidade e importância da mesma para a sociedade. Sem pretender assumir estes dois aspectos como únicos, trabalhei-os pela periferia, já que a tese defendida aqui foi que a experiência da

prática de ensino deslugariza aqueles e aquelas que estão se fazendo professoras ainda estando alunas. Desta forma, na continuidade da tecitura,

outros fios se tramaram à urdidura para formar um tecido, resultado sempre provisório no campo da investigação educacional.