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O CASO DA FUNÇÃO AJUDANTE DA ACÇÃO DIRECTA

No documento TESE Liliana Vieira (páginas 39-43)

A DAF – Definição e Análise da Função – do Ajudante de Acção Directa está presente no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 15, 22/4/2011 do Contrato colectivo entre a CNIS — Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNSFP — Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública. Esta função está integrada dentro dos Trabalhadores de Apoio cabendo-lhe cumprir com os seguintes requisitos: 1 — Trabalha directamente com os utentes, quer individualmente, quer em grupo, tendo em vista o seu bem-estar, pelo que executa a totalidade ou parte das seguintes tarefas:

a) Recebe os utentes e faz a sua integração no período inicial de utilização dos equipamentos ou serviços;

b) Procede ao acompanhamento diurno e ou nocturno dos utentes, dentro e fora dos estabelecimentos e serviços, guiando-os, auxiliando-os, estimulando-os através da conversação, detectando os seus interesses e motivações e participando na ocupação de tempos livres;

c) Assegura a alimentação regular dos utentes;

d) Recolhe e cuida dos utensílios e equipamentos utilizados nas refeições; e) Presta cuidados de higiene e conforto aos utentes e colabora na prestação de cuidados de saúde que não requeiram conhecimentos específicos, nomeadamente,

aplicando cremes medicinais, executando pequenos pensos e administrando medicamentos, nas horas prescritas e segundo as instruções recebidas;

f) Substitui as roupas de cama e da casa de banho, bem como o vestuário dos utentes, procede ao acondicionamento, arrumação, distribuição, transporte e controlo das roupas lavadas e à recolha de roupas sujas e sua entrega na lavandaria;

g) Requisita, recebe, controla e distribui os artigos de higiene e conforto; h) Reporta à instituição ocorrências relevantes no âmbito das funções exercidas. 2 — Caso a instituição assegure apoio domiciliário, compete ainda ao ajudante de acção directa providenciar pela manutenção das condições de higiene e salubridade do

domicílio dos utentes.

3 — Sempre que haja motivo atendível expressamente invocado pelo utente, pode a instituição dispensar o trabalhador da prestação de trabalho no domicílio daquele.

São escassos os estudos que se referem a esta função em particular e ainda mais se se pretender estudar especificamente a sua ocupação pelo género masculino. De facto, as tarefas que acima caracterizam a função, não têm qualquer exigência quanto ao género de quem as executa, no entanto, a fragilidade da argumentação da relação ―cuidado - acção feminina‖ e da ―relação de serviço‖ como características constitutivas das mulheres promovem a sua orientação para determinados sectores (Lopes et al, 2005) promovendo que estas função seja ocupada quase, senão exclusivamente, por mulheres.

Carloto (2001) defende que todos os espaços de socialização reforçam preconceitos de género como próprios de uma suposta natureza (feminina e masculina), apoiando-se sobretudo na determinação biológica. Tal diferença biológica, consequentemente,

transforma-se em desigualdade social e toma uma aparência de naturalidade. Neste

sentido, a predominância feminina no cuidar faz com que ainda se identifique um discurso homogéneo em relação ao sexo.

Assim, verifica-se a permanência de certos símbolos e situações que atestam que a profissão de cuidador não é valorizante para a imagem social masculina. No caso dos homens, a sustentação para o seu recrutamento no mercado de trabalho apela para

atributos e qualidades naturais masculinas, como a força física, da mesma forma que para os femininos se pretende dedicação e paciência ( Lopes et al, 2005).

No entanto, a igualdade de género também significa respeitar e valorizar as divergências de cada sexo, isto é, deve-se tratar cada pessoa como pessoa, quer seja homem ou mulher e, em termos sociais, devem garantir-se oportunidades semelhantes (Monge et al., 2000). As esferas de competências do tratar e do cuidar demonstram também a hierarquia social homem-mulher. Nesse sentido é importante ressaltar que o caráter sexuado das práticas formais de saúde e acção social e sua hierarquização, não resultam unicamente do facto de que elas estão vinculadas à imagem do exercício da medicina, mas também porque fazem parte de um sistema que associa o género e a classe social (Lopes et al, 2005). Estas concepções e a qualificação (competências e valores) definidas pelo empregador sustentam, desta forma, por um lado, a hierarquia e os baixos níveis salariais dos cuidados primários e, de outro, os postos mais valorizados nesse aspecto e na estrutura de poder (Lopes et al, 2005).

O estudo ―O sexo no Hospital‖, publicado em 1996, atenta para a questão da higiene. Os autores constataram que o facto de se associar (funcionalmente) práticas no campo do trabalho, sobretudo hospitalar, às ―qualidades‖ (e não qualificação) femininas condena essas acções ao status de tarefas intermediárias, destituídas de qualquer valor científico no processo terapêutico. Assim, o que persiste não é a indispensabilidade do processo terapêutico das práticas de enfermagem e das práticas terapêuticas no sentido amplo, mas sua definição enquanto acção de enfermagem, acção feminina (Lopes et al, 2005).

Outros estudos na área da Medicina e Enfermagem, revelam que o trabalho masculino nas funções de enfermagem apela a argumentos ou ―qualidades naturais‖ masculinas para o trabalho como o uso da força física. Os investigadores relatam que estes argumentos são sustentados pelos próprios trabalhadores que vêem nesses atributos o fortalecimento de sua condição de homens e a garantia do exercício de tarefas ou atividades exclusivas a esses atributos.

Uma das dificuldades encontrada no exercício de acções de cuidador está baseada no sexo dos pacientes, por exemplo, aparece como uma espécie de segregação que condiciona o cuidador de género masculino ainda mais ―às tarefas possíveis‖ e aceites pelo sujeito cuidado. Na realidade, se, no caso dos médicos, a submissão ao saber e às práticas terapêuticas da medicina não se configura em barreiras para o exercício dos homens, no caso da enfermagem existe essa resistência. Verifica-se, portanto, que a medicina, enquanto prática terapêutica, não tem sexo mas a enfermagem, enquanto prática do cuidado, tem apenas um sexo no imaginário social – o feminino. Nesta linha, as investigações realizadas perceberam que, nos hospitais em estudo, os entrevistados assumem que homens que desempenham tarefas mais próximas às práticas domésticas, maternas, de cuidado e higienização não são homens ou são menos valorizados socialmente. (Lopes et al, 2005)

Assim, a prática evidencía que existe uma selectividade induzida pelo mercado de trabalho que se baseia no campo da assistência individual mas também pelas imagens que ainda existem acerca dos cuidadores e do tipo de necessidades assistenciais para as quais se está a recrutar. Existem, portanto, articulações entre as categorias género e trabalho na área da saúde e acção social, expressas na segregação por actividades e por especialidades da área.

No documento TESE Liliana Vieira (páginas 39-43)