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3 DA CONVERSAÇÃO FACE A FACE À CONVERSAÇÃO DIGITAL

3.3 A Conversação Digital

3.3.2 O caso dos Marcadores Conversacionais

O advento da internet propicia uma nova experiência de interação social, uma vez que emergem novas formas de administrar os relacionamentos interpessoais. Assim, nesse novo enquadre participativo, o meio eletrônico permite usos sociais, culturais e comunicativos que não se configuram nas relações face a face.

Entre esses usos, estão os marcadores conversacionais, que conforme exposto anteriormente, organiza o texto tanto no que se refere ao material linguístico quanto à dinâmica interacional. No entanto, que “formatações” assumem esses marcadores conversacionais em um contexto de “interação sem face” (RECUERO, 2014), cujos signos se materializam pela escrita e não pelo som, como é o caso das conversações que ocorrem na página Perfil do Facebook?

Dadas as condições de produção do texto conversacional digital, algumas particularidades importantes têm sido constatadas pelos teóricos dessa seara. Oliveira e Meira (2010), ao investigar o uso de marcadores verbais para aspectos não-verbais da conversação em salas de chat aberto13, constatam a ocorrência de 370 marcas,

havendo uma predominância de usos das marcas verbais iconográficas (emoticons) e de onomatopeias, ambas com frequências equivalentes de uso acima de 30%:

118 Marcas Iconográficas (M-ICOs): sorrisos como , beijos como , [...].

116 Marcas de Autoria Lexical Onomatopeia (MAL-O): sorrisos como “hahaha”, choros como “buáá” etc.;

81 Marcas de Autoria Lexical Entonação (MAL-E): diversos tons da voz, atenuando ou enfatizando a fala como “amorrrrrr”, como “bom diaaaaaaaa”, como “alowwwww”, etc ;

55 Marcas de Autoria Lexical Abreviação (MAL-A): rir como “rs”, teclar como “tc” e beijar como “bjs”. (OLIVEIRA; MEIRA, 2010, p. 115).

Conforme podemos observar, a internet tem possibilitado o surgimento de uma variação linguística de registro com peculiaridades especiais, à medida que se

13 Nesse trabalho, Oliveira e Meira (2010) optaram por estudar as marcas verbais iconográficas

(emoticons) e as marcas verbais lexicais de autoria (abreviações, onomatopeias e entonações). Segundo esses autores, as marcas iconográficas são funcionalmente utilizadas para representações da face e de aspectos não-verbais como sorrisos, raiva, choro, aceno, beijo etc., algumas já disponíveis pela ferramenta e outras produzidas pelos próprios usuários. As marcas verbais lexicais de autoria representam a criatividade dos usuários em adaptar recursos da linguagem para representar, por exemplo, gargalhadas, beijos, significar a entonação das vozes (tons mais altos ou mais baixos, gritos ou sussurros). (Nota da pesquisadora).

esforça para garantir a efetiva comunicação entre os internautas, como é o caso dos marcadores conversacionais em uso na Web. É o que demonstra Santos (2012), em sua pesquisa acerca dos recursos fonológicos e morfológicos do internetês na página

Perfil do Facebook:

Os marcadores conversacionais mais usados pelos enunciadores no internetês são os recursos não lexicalizados e os recursos suprassegmentais. Onomatopeias, interjeições, duração e reiteração são os instrumentos não verbais utilizados em todos os bate-papos; já os emoticons, os paralinguísticos, que representariam os gestos e as expressões fisionômicas presentes na interação face a face, são usados na conversação (SANTOS, 2012, p. 99).

Os marcadores conversacionais fazem parte dos rituais de marcação (RECUERO, 2014), assim considerados por serem elementos apropriados na mediação do computador. “De certa forma, eles são responsáveis por reproduzir o ambiente da conversação, guiando os atores com relação à cultura estabelecida e às normas” (RECUERO, 2014, p. 78).

Recuero (2008, 2014) relaciona os marcadores conversacionais mais recorrentes na interação digital, observados na literatura, assim como os substitutos paralinguísticos14 utilizados. Segundo a autora, na conversação síncrona é muito

produtivo entre os internautas o uso de onomatopeias, emoticons, léxicos de ação, oralização e pontuação, abreviações, indicadores de direcionamento. Na conversação assíncrona, mantêm-se os mesmos fenômenos linguísticos, acrescentando ainda a ocorrência de indicadores de persistência e de indicadores de assunto.

No texto conversacional digital, é muito comum o uso dos marcadores verbais lexicalizados que

[...] são representados como na conversação face-a-face (só que através da escrita), enquanto que os prosódicos e não-linguísticos são representados por vários elementos gráficos, como reticências, onomatopeias ou os emoticons (expressões iconográficas que representam emoções humanas ligadas ao humor) (MODESTO, 2011, p.102).

De acordo com Modesto (2011), alguns marcadores são exclusivos do ambiente digital, como as reticências, que possuem efeitos prosódicos, representando pausas curtas ou longas, além de hesitações, finalizações e progressão de tópico. As onomatopeias consistem em uma lexicalização dos sons normalmente utilizados em um contexto face a face, como é o caso das gargalhadas. Os emoticons visam

14Os recursos paralinguísticos são aqueles elementos não verbais normalmente utilizados em uma

demonstrar a afetividade e o humor que costuma permear a conversação. O uso do sinal (?), serve para chamar a atenção para um questionamento e o uso de maiúsculas, dependendo do contexto, pode representar animação, raiva, nervosismo, descortesia, dentre outras atitudes ou emoções. A esse respeito, vejamos o inquérito 28 de Modesto (2011, p. 107) que ilustra o uso da caixa alta para indicar alegria, ansiedade e contentamento:

(21:12) Marcos diz: então...escuta.... o almoço do Carlão ta de pe?

(21:12) Anita diz: SSSSSSSSSIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMM!TO LOCA DE VONTADE COMER CHURRASSSSSCOOO...AHAUIEHAUEHUAH (21:12) Marcos diz: olha o Gustavo vai cmg, tudo bem?

(21:12) Anita diz: no problemmmss babe!!!

Oliveira (2013), em pesquisa relacionada ao potencial conversacional dos blogs, constata que

Apesar de os comentários serem publicados de maneira escrita e via internet, eles apresentam, em alguns momentos, marcas típicas de conversações genuínas, como marcadores conversacionais que organizam a fala e facilitam a “costura das interações”, funcionando como “colas” ou links entre mensagens que se encontram dispersas no espaço de comentários. Há ainda a tentativa de reproduzir, através da escrita, elementos paralinguísticos que sugerem risos, hesitações, entonações, altura da voz, reações, o que mostra, talvez, uma tentativa de humanizar as relações no meio virtual e também de complementar a mensagem verbal, aproximando a interação on-line da conversação tradicional (OLIVEIRA, 2013, p. 177-178).

Diante do exposto, parece-nos coerente afirmar que haja uma compreensão, por parte dos interagentes, no sentido de que uma conversação, de fato, exorbita a mera habilidade linguística dos falantes, conforme já postulava Marcuschi (1986), nos estudos inaugurais desse campo de estudos no Brasil. Se é verdade que na conversação face a face os marcadores conversacionais se materializam não apenas pela linguagem oral, mas também por meio de deixas auditivas e visuais como tom de voz, entonação, silêncios, expressão facial e corporal, também é igualmente verdade que, ao interagirem no ciberespaço, os interagentes igualmente reconhecem a importância desses recursos visuais e prosódicos, na delimitação de estratégias comunicativas e construção de sentido. Eis por que fazem apropriações cada vez mais criativas das ferramentas utilizadas (RECUERO, 2014), de forma que “convenções são criadas para suplementar, textualmente, os elementos da linguagem oral e da interação, gerando uma nova ‘escrita oralizada’ ” (RECUERO, 2014, p. 36).

Sobre esse fato, Marcuschi (2007) explica que o advento da internet é na história da humanidade um retorno, em espiral, às origens da oralidade, isto é, um retorno, um (re) encontro entre as sociedades orais e a sociedade eletrônica digital. Isso explica, em parte, a forma como os marcadores conversacionais se materializam

na conversação digital: uma mescla de signos linguísticos (em uma escrita que tenta traduzir nuances prosódicas e paralinguísticas típicas da fala) e signos iconográficos (a exemplo dos emoticons, que poderíamos caracterizar como uma atualização tecnológica dos primeiros desenhos rupestres através dos quais o homem se comunicava com seus semelhantes).

Assim, os marcadores conversacionais organizam o texto conversacional, enquanto estrutura linguística e, ao mesmo tempo, atenuam a ausência física dos interagentes, propiciando um alargamento das possibilidades comunicativas das atuais interfaces tecnológicas. Dessa forma, quer aconteça na modalidade síncrona (com identidade temporal), quer na assíncrona (sem identidade temporal), a dissolução espaço-temporal instaurada pela rede não inviabiliza a comunicação entre os seres humanos em suas vivências on-line.

Noutros termos, o processo de (re) construção sígnica que caracteriza o espaço virtual nos força a reconhecer a situacionalidade da língua e a importância do trabalho colaborativo que os interagentes empreendem em situações de uso concreto. Embora esses marcadores apresentem algumas diferenças em relação à forma como se configuram no gênero prototípico conversação face a face, isso afetou apenas sua forma, permanecendo intacta a sua função. Isto porque, na conversação digital, esses elementos também “promovem a condução e manutenção do tópico discursivo, instaurando a solidariedade conversacional entre os interlocutores, na medida em que propiciam dinamismo e continuidade à interação” (FÁVERO et al., 2007, p.49).

Dessa forma, acreditamos estar diante de um processo natural, dada a plasticidade da língua, afinal “Da mesma maneira que as necessidades comunicacionais afetam, moldam a forma linguística utilizada, podemos dizer com certeza que a funcionalidade é que determina a forma (e não o contrário). (RAJAGOPALAN, 2013, p. 46).