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2. Rede Pastoral da Sexualidade

4.1 O caso Justino Vs CFP

No âmbito do legislativo a maioria das propostas parlamentares com o objetivo de sustar os efeitos da Resolução 01/99 foram retiradas de tramitação, arquivadas ou aguardam parecer de suas respectivas comissões. Isso decorre principalmente da pressão contrária exercida pelo movimento LGBT, pelo Conselho Federal de Psicologia, por grande parte da mídia, organizações científicas, políticas e outros setores da sociedade civil.

Paralelamente à busca por viabilizar as terapias de reorientação sexual através de decretos legislativos e projetos de lei, temos observado mais recentemente a estratégia de derrubar a Resolução 01/99 por meio de decisões judiciais. Conforme já enfatizado, este é o caso da Ação Civil Pública173 apresentada pelo Ministério Público

173https://site.cfp.org.br/wp-

Federal do Rio de Janeiro no ano de 2016 e da Ação Popular movida por Rozangela Justino e mais outros 22 psicólogos contra o Conselho Federal de Psicologia no ano de 2017. É também o caso do procedimento preparatório instaurado pelo Ministério Público Federal em Goiás com a finalidade de investigar possíveis ações ou omissões ilícitas do CFP relativas a eventual impedimento na atuação da atividade profissional dos psicólogos constante na Resolução do Conselho Federal de Psicologia n.1 de 29 de janeiro de 2018, resolução que estabelece normas de atuação para as psicólogas e psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis.174

Quanto à Ação Popular, Rozangela Justino e as demais partes demandantes alegaram que a Resolução 01/99, como ato de censura, impediria psicólogos e psicólogas de desenvolverem estudos, atendimentos e pesquisas científicas acerca dos comportamentos e práticas homoeróticas. Tal impedimento, segundo a alegação, constituiria em ato lesivo ao patrimônio cultural nacional uma vez que, supostamente, restringiria a liberdade de pesquisa científica assegurada pela Constituição, tal qual previsto em seu art. 5º, inciso IX.175 Conforme apresentado na exordial, a Ação requeria:

anular os efeitos da Resolução nº 1, de 22 de março de 1999, editada e aprovada pelo Conselho Federal de Psicologia – CFP, que vedou aos psicólogos o direito de estudos sobre a suposta patologia de comportamentos ou práticas homoeróticas, bem como impondo àqueles a proibição de qualquer pronunciamento e nem participação de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, estudos científicos, análises sobre as relações homossexuais, pelo argumento de que haveria um reforço aos preconceitos sociais existentes em tal relação. (Seção Judiciária do Distrito Federal, Ação Popular n.º 1011189-79.2017.4.01.3400, 2017: 2)

De acordo com o magistrado em Ata de Audiência de Justificação Prévia (2017), Justino et al. não se insurgiram propriamente contra a Resolução 01/99, mas sim contra o viés da interpretação conferida pelo Conselho Federal de Psicologia no sentido de proibir e punir os psicólogos que se proponham a atender e pesquisar “aqueles que, voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade”. Dessa forma, segundo Carvalho, os autores não buscaram a declaração de inconstitucionalidade

174 http://www.crpsp.org/site/legislacao-interna.php?legislacao=582

175 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros

e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente

da citada Resolução e sim a garantia constitucional de liberdade científica para produção de pesquisas sobre comportamentos relacionados à orientação sexual.

Frente a tais alegações, no dia 15 de setembro de 2017 o magistrado concedeu liminar determinando que o Conselho Federal de Psicologia não impeça os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à reorientação sexual, sem nenhuma possibilidade de censura ou necessidade de licença prévia. O Magistrado argumentou que, embora a Resolução não ofenda os princípios Constitucionais, alguns de seus dispositivos, a depender da interpretação, poderiam levar à “equivocada hermenêutica no sentido de considerar vedado ao profissional em psicologia realizar estudos ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual”. Argumentou ainda que a Constituição Federal garante a liberdade científica assim como a plena realização da dignidade da pessoa humana, valores que não poderiam ser desrespeitados por um ato normativo infraconstitucional, e prosseguiu:

Por todo exposto, vislumbro a presença dos pressupostos necessários à concessão parcial da liminar vindicada, visto que: a aparência do bom direito resta evidenciada pela interpretação dada à Resolução nº 001/1999 pelo CFP, no sentido de proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionados à (re) orientação sexual, afetando assim a liberdade científica do País e, por consequência, seu patrimônio cultural, na medida em que impede e inviabiliza a investigação de aspecto importantíssimo da psicologia, qual seja, a sexualidade humana. O perigo da demora também se faz presente, uma vez que, não obstante o ato impugnado datar da década de 90, os autores encontram- se impedidos de clinicar ou promover estudos científicos acerca da (re) orientação sexual, o que afeta sobremaneira os eventuais interessados nesse tipo de assistência psicológica. [...] Sendo assim, defiro em parte a liminar requerida para, sem suspender os efeitos da Resolução nº 001/1999, determinar que o Conselho Federal de Psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos e atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte do Conselho Federal de Psicologia, em razão do disposto no art. 5º, inciso IX, da Constituição de 1988 (Seção Judiciária do Distrito Federal, 2017: 03, on-line).176

Em resposta à decisão liminar concedida pelo Juiz, ingressaram no processo na qualidade de Amici Curiae as entidades GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, a Aliança Nacional LGBTI e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). O Conselho Federal de Psicologia apresentou ainda um parecer acerca da constitucionalidade da Resolução 01/99, assinado

por Daniel Sarmento, Jurista e Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

A partir do relatório apresentado por esses grupos e da sentença emitida pelo magistrado localizamos três conjuntos de argumentos e linguagens utilizadas para defender a legalidade e justificar a importância da Resolução 01/99, a saber: (1) jurídica, do ponto de vista da constitucionalidade da Resolução; (2) política, referente aos direitos fundamentais sobre igualdade e não discriminação e; (3) científica, quanto à possibilidade e/ou eficácia de tratamento psicoterapêutico para reorientação sexual A seguir procuro desenvolver os eixos acima mencionados a partir das questões apresentadas no início deste capítulo.