• Nenhum resultado encontrado

O CASO PECULIAR ENVOLVENDO A EMPRESA BRASILEIRA DE

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública por excelência, já foi objeto de inúmeras discussões nos tribunais acerca do tema proposto. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já teve a oportunidade de se manifestar diversas vezes, consolidando seu entendimento nesse caso que é peculiar.

Trata-se de empresa criada pelo Dec.-Lei n. 509/69, que transformou o antigo Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT, então órgão pertencente à Administração Direta, vinculado ao então Ministério de Viação e Obras Públicas, em

203

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Ap. Cível n. 932.005.00/7. 34ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Emanuel Oliveira, j. em 3/10/2007.

204 No Tribunal de Justiça de Santa Catarina, consultando o campo de pesquisa a jurisprudência,

tanto em acórdãos como em decisões monocráticas, não se encontrou qualquer julgado acerca do tema, motivo pelo qual não foi trazido à colação o entendimento desta Corte de Justiça.

empresa pública tal qual a conhecemos hoje. Nesse sentido é a redação do artigo 1º do aludido Decreto, senão vejamos:

Art. 1º - O Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) fica transformado em empresa pública, vinculada ao Ministério das Comunicações, com a denominação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT; nos termos do artigo 5º, item II, do Decreto lei nº.200 (*), de 25 de fevereiro de 1967. Parágrafo único - A ECT terá sede e foro na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional205.

A ECT é competente para prestar serviço postal que, por sua vez, está inserido no artigo 21 da CRFB/88, no rol das competências administrativas da União Federal, notadamente no inciso X. Tal competência é exclusiva, ou seja, somente à União compete a prestação dos aludidos serviços, uma vez que as suas competências administrativas não admitem delegação (à exceção dos incisos XI e XII), ao contrário do que ocorre com a competência legislativa, prevista no artigo seguinte da Carta Política, que admite delegação aos Estados para legislar sobre questões específicas nas matérias elencadas no referido dispositivo, nos termos do seu parágrafo único. Contudo, ser exclusiva não significa que deva ser exercida diretamente pela União. Vale dizer, nada impede que esta institua empresas estatais para prestação das atividades previstas no artigo 21 da CRFB/88206. E assim o fez com Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, para prestação do “serviço postal e correio aéreo nacional”.

Tal serviço é prestado em regime de monopólio, ou seja, somente à ECT e a mais ninguém compete a prestação dos serviços postais no território nacional, nos termos do art. 2º, I, do referido Dec.-Lei.

Ocorre que a controvérsia no caso desta empresa estatal reside no art. 12 do diploma em comento, que estabeleceu a impenhorabilidade dos seus bens, nos seguintes termos:

Art. 12 - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta,

impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no

concernente a foro, prazos e custas processuais207. (grifei).

205

BRASIL. Decreto-Lei 509/69, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em: 14 set. 2011.

206

SILVA, 2010, p. 419.

207

BRASIL. Decreto-Lei 509/69, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0509.htm>. Acesso em: 14 set. 2011.

Assim, para esse dispositivo a ECT se equipara à Fazenda Pública, gozando de privilégios e prerrogativas que somente as entidades públicas gozariam. Isso gerou algumas discussões nos tribunais. Com efeito, quando a ECT acabava vencida em diversas ações, especialmente as trabalhistas, e não efetuava o devido pagamento, era ela executada para o adimplemento de tais débitos. Como defesa nos processos de execução, alegava a impossibilidade de seus bens serem penhorados, com fundamento no artigo acima transcrito, pugnando o processamento do procedimento executivo pelo regime de precatórios. Nas instâncias ordinárias a sua tese não era acolhida, pois entendia-se que este dispositivo de lei, que equipara a ECT à Fazenda Pública, padecia do vício da inconstitucionalidade, ante o previsto no art. 173, § 1º da Carta Política de 1988. A discussão ganhou corpo, até que chegou ao Supremo Tribunal Federal para julgamento da recepção ou não do referido artigo 12 pela CRFB/88.

No âmbito do Pretório Excelso, então, decidiu-se por diversas vezes que o artigo 12 do Dec-Lei n. 509/69 foi recepcionado pela CRFB/88. Nesse sentido, emblemático foi o julgamento do RE n. 220906, em 16-11-2000, sob relatoria do Min. Maurício Corrêa, assim ementado:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido208.

Na oportunidade, os ministros da Corte Suprema, por maioria, entenderam não incidir na espécie o art. 173, § 1º da CRFB/88, pelos seguintes motivos: a) a ECT presta serviço público, sendo que o art. 173, § 1º da CRFB/88 se aplica às estatais que atuam na economia no sistema da livre concorrência; b) além

208

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 220906/DF. Plenário. Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 16/11/2000.

de se tratar de serviço público, o serviço prestado pela ECT é realizado em regime de monopólio, razão pela qual seus bens não podem ser penhorados, sob pena de tal serviço sofrer solução de continuidade; c) os bens pertencentes à ECT são, no dizer do voto do Min. Jobim, “bens do patrimônio administrativo”, afetados à prestação do serviço, sendo, portanto, indisponíveis e, consequentemente, impenhoráveis. Essa, pois, foi a estrutura da tese da maioria vencedora209

.

Contudo, vale ressaltar o entendimento dos Ministros Marco Aurélio, Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence, que ficaram vencidos, sendo digno de registro trecho do voto do primeiro. Confira-se:

[...] Nota-se, portanto, sem mesmo perquirir-se o teor do artigo 100 da Constituição Federal, a impropriedade de reconhecer-se quer às sociedades de economia mista, quer às empresas públicas, ambas pessoas jurídicas de direito privado, a prerrogativa de execução via precatório. A razão maior de contemplar a carta a adoção de tal sistema de execução está no envolvimento de bens públicos. Daí o artigo 100 em comento aludir a “...pagamentos devidos pela Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária...”, não se podendo dizer que débitos de sociedades de economia mista e de empresas públicas, federais, estaduais ou municipais, sejam débitos das respectivas fazendas [...]210.

O Ministro Ilmar Galvão, por sua vez, em suas razões de divergência, alegou que a Constituição, ao estabelecer o regime de precatórios, é clara em aplicá-lo às pessoas jurídicas de direito público, arrematando que, com a conclusão tomada para o caso em exame, estaria o Pretório Excelso “decidindo que existe empresa pública de direito público”. Então, percebe-se que a tese da divergência baseou-se no fato de que: a) empresas estatais são pessoas jurídicas de direito privado; b) consequentemente, seus bens são privados e não públicos; c) sendo bens privados, podem eles ser penhorados, não se lhes aplicando o disposto no artigo 100 da CFRB/88, que visa a proteger bens públicos211.

Portanto, verifica-se que a Corte Suprema, não obstante tenha decidido pela aplicação do regime de precatórios às execuções instauradas em desfavor da ECT, considerando impenhoráveis os seus bens ao estabelecer que o art. 12 do Dec.-Lei n. 509/69 foi recepcionado pela CRFB/88, não pôs termo à controvérsia que de há muito já afligia os doutrinadores, senão talvez tenha a acentuado.

209

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 220906/DF. Plenário. Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 16/11/2000.

210

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Trecho do voto vencido do Min. Marco Aurélio Mello no julgamento do RE n. 220906/DF, j. em 16/11/2000.

211

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 220906/DF. Plenário. Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 16/11/2000.

4.6 O CASO PECULIAR DA EMPRESA ELETRONORTE, JULGADO PELO