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Localizado no município de Cariacica/ES e inaugurado em 1972, O CFA constitui-se por duas escolas, sendo a Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (EsFAP) e a Escola de Formação de Oficiais (EsFO). No organograma da Corporação, segundo Alves (2004), o CFA define-se como órgão de apoio à Diretoria de Ensino e Instrução (DEI24). À DEI, chefiada por um oficial de posto coronel, cabe o planejamento

das ações na área do ensino e instrução de todos os pm’s e ao CFA cabe a otimização pedagógica dos cursos. Quem comanda o CFA (ou Escola de Polícia) é um Tenente- Coronel, ao passo que o subcomandante é um oficial de posto “major”, que cuida de

23 As Escolas Militares diferenciam ensino de instrução. O ensino é a formação inicial, ou seja,

os primeiros cursos frequentados pelos ingressantes, seja o Curso de Formação de Soldados (CFSd) ou o Curso de Formação de Oficiais (CFO). A instrução se estabelece com base nos planejamentos ligados à formação profissional continuada, ou seja, diz respeito aos eventos direcionados aos policiais já formados (ALVES, 2004).

24 A partir do Decreto Estadual nº 2476-R, de 26 de fevereiro de 2010, a DEI ganha a

organizar e administrar os fluxos para repassar ao comandante, que deverá tomar as decisões finais.

Quando optamos por focar a pesquisa nas dependências do CFA, realizamos uma visita a esta Escola com a intenção de conhecer o local. Nesta visita nos informaram que era preciso que o coronel que chefiava a DEIP assinasse uma autorização para que pudéssemos frequentar o local e realizar a pesquisa. Após conseguirmos a autorização com o referido coronel, retornamos mais algumas vezes ao CFA na tentativa de conversar com o subcomandante da Escola e definir juntos os procedimentos que seriam possíveis para conduzirmos a pesquisa no CFA.

Na primeira reunião com o subcomandante do CFA foi feita uma breve apresentação do estudo, momento em que o subcomandante se mostrou solícito e informou que apesar de concordar e achar importante uma pesquisa sobre o trabalho dos policiais, era preciso uma autorização dos superiores. Neste caso, precisaríamos de uma autorização da Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa, a DEIP, que fica no QCG.

Daí em diante a busca por esta autorização da DEIP foi morosa. Fizemos a primeira tentativa e nada:

“Sua pesquisa não foi autorizada e não há um porquê. Não foi e pronto” – informou- nos por telefone uma soldado.

Continuamos tentando. Mais contatos: um major, um capitão, outro major, uma soldado, outra capitã, uma cabo, e de policial em policial íamos ganhando um pouco mais de visibilidade. Vários e-mails para envio do projeto, dos modelos de autorização. Ida ao Quartel para entregar pessoalmente o projeto e breve explicação do que estávamos nos dispondo a fazer. E mais algumas semanas de ligações e mais e- mails.

A cada dia, uma espera ansiosa.

“Não recebemos ainda o seu e-mail”. (soldado)

“Hoje está muito corrido, mas vou ver o que posso fazer”. (soldado)

“Sua autorização está na mesa do coronel...”. (cabo)

“Sua autorização ainda está na mesa do coronel...”. (cabo)

“O coronel ainda não pôde ver a sua autorização, mas ela está lá na mesa dele”. (soldado)

“Oi. Você pode vir aqui conversar com o coronel sobre sua autorização?”. (cabo)

Eis que três meses depois, mais de sete ligações em um mesmo dia, e o coronel nos fala em uma reunião pessoalmente:

“Eu estava inclinado a não lhe autorizar esta pesquisa. Aliás, eu não ia autorizá-la, veja aqui o parecer. Porém, eu me sensibilizei com a sua insistência”.

Após alguns segundos me olhando, prosseguiu:

“Olha só! Melhorar25 a imagem da Polícia é impossível. Eu não acredito nisso. Está na

natureza da missão! O bombeiro, ele vai atuar no sofrimento da sociedade... O cara lá todo ensanguentado, quem vai salvá-lo? O bombeiro! Mas o policial militar não. Ele vai atuar com a violência, com a escória da sociedade. Então, policial nunca vai ser bom. E a gente se acostuma com isso. Mas estamos aí para tentar fazer o nosso melhor!”.

Ao assinar a autorização, o coronel – trinta anos de Polícia – nos revela que irá se aposentar dentro de alguns meses. Não sabe o que vai fazer:

“Minha vida é isso aqui. Acho que depois vou pro meu sítio”. (coronel)

Na autorização, prazos definidos: nosso dia de entrada e saída estipulados. A versão que enviamos por e-mail foi reescrita ali, junto com o coronel. Desta maneira, estava descrito detalhadamente o que estava e o que não estava permitido.

“Os treinamentos que você poderá acompanhar terão de ser sempre re-autorizados. Mas posso te adiantar que você poderá acompanhar muito poucos. O de marcha é um exemplo que você poderá acompanhar, mas os de tiro são mais difíceis”. (coronel)

Finalmente, tínhamos a autorização! A sensação era de uma superação depois de ouvir tantos “não”. Sabíamos que não seria qualquer cotidiano que poderíamos acompanhar, assim como as possibilidades de ações desenvolvidas pelos policiais que teríamos acesso seriam restringidas. Mais uma vez a mediação entre a relação civil e militar se colocava: como civil era possível acompanhar o treinamento de marcha, mas o de tiro seria mais difícil. Por quê? Talvez a marcha fosse uma ação mais compreensível aos civis? O que teria no treinamento de tiro que não pudesse ser – já de antemão – autorizado? Nos chamou atenção o sentido dado no tom de voz usado pelo coronel ao falar dos diferentes treinamentos: o treinamento de marcha foi colocado como menos importante na formação do policial e o de tiro foi expresso pelo coronel como um treinamento mais sério.

“O treinamento de marcha é aquele que os alunos ficam ali no pátio andando pra lá e pra cá até pegarem o jeito. Você vai ver e se enjoar. Mas é importante também. O de tiro não. O treinamento de tiro é um método específico, não pode entrar qualquer um, tem que ter colete, a equipe tem que estar preparada. Quase impossível você entrar”. (coronel)

Enfim, estávamos autorizados para poder acompanhar as aulas teóricas que quiséssemos e o treinamento de marcha. O que nos foi permitido já possibilitava estar entre os policiais. Iríamos observar-participando, participar-observando. Seríamos ali “os sem-farda” que deixam vir, podendo observar, indagar, estranhar (KASTRUP, 2007).

Assim, durante cerca de um ano e meio estivemos próximos a alguns policiais militares capixabas, frequentando o CFA.