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O ciclo da borracha

No documento MESTRADO EM TEOLOGIA PRÁTICA SÃO PAULO (páginas 41-44)

CAPÍTULO I: OS RIBEIRINHOS DO TAPAJÓS: CONTATO, FORMAÇÃO E

II. A época pós-pombalina

2. O ciclo da borracha

O ciclo ou período da borracha na Amazônia teve dois momentos: uma época considerada mais importante que movimentou toda a economia amazônica e que teria começado de fato na década de 1960 do século XIX, estendendo-se até 1912, conhecida como a belle époque dos teatros e das apresentações dos grupos de danças da Europa em Belém e Manaus. A outra época teria começado na década de 1940 do século XX, marcada pelos acordos de Washington.

A época do apogeu da economia da borracha que se estendeu até 1912 é profundamente marcada pelo luxo e riqueza, com sinais de pompa e ostentação claramente visíveis ainda hoje nos teatros de Manaus e Belém, considerados monumentos de glória de uma época áurea.

84 Ibid., p. 84.

85 Cf. VAZ FILHO, F. A. Indicadores de sustentabilidade de comunidades ribeirinhas da Amazônia oriental.

Rio de Janeiro. 1997. 288 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

86 Ibid., p. 21.

Acontecimentos importantes desta época foram a primeira grande migração de nordestinos, sobretudo do Maranhão e do Ceará, colaborando para o inchaço das cidades existentes e para a formação de inúmeras vilas, e a inauguração da linha de navegação a vapor no Tapajós, entre Santarém e Itaituba ocorrida, mais precisamente, em 1870.88

Apesar do declínio da produção da borracha na Amazônia, com a Primeira Guerra Mundial, houve uma espécie de preparação para a época seguinte. Como informa L. Tocantins,89 no ano de 1918 estima-se que migraram para a Amazônia cerca de 25.000

trabalhadores, incentivados pelos Estados Unidos através da agência Rubber Development Corporation.90 Assim, 1918 é considerado um ano de divisor de águas, pois a partir daí, grandes interesses internacionais sobrevieram na Amazônia, particularmente no Tapajós.

Um grande projeto deste período é o do milionário Henry Ford, em 1928, com o grande plantio de seringueiras na vila de Fordlândia.91 Ford adquiriu uma grande área de terra na região do Rio Tapajós e instalou o maior projeto de plantio de seringueiras do mundo. Em 1934, foi estabelecido um novo núcleo de atividades com a denominação de Belterra, também no rio Tapajós, onde esperava obter os êxitos que não havia alcançado em Fordlândia.

A segunda época, porém, teria iniciada na década de 1940, por intermédio do acordo de compra e venda da borracha entre Estados Unidos e Brasil, denominado “Os Acordos de Washington”, firmados no ano de 1942. Neste período, a região recebeu outra grande leva de migrantes, chamados de “soldados da borracha”. Com a Segunda Guerra Mundial, as nações aliadas se voltaram para a Amazônia a reclamar pelo produto.92

Estes empreendimentos visavam o abastecimento mundial da borracha, começando pelo suprimento do produto nas fábricas de carro Ford em Detroit, nos Estados Unidos. O fracasso do projeto no Tapajós e o advento da produção da Malásia, marcaram o declínio da economia gomífera na Amazônia. Fordlândia, que chegou a abrigar mais de oito mil

88 Cf. VENTURINI, A. Vale do Tapajós: Urbanização e reservas ambientais. São Paulo, 2002. 169 p. Tese

(Doutorado em Ciências Sociais) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 97.

89 TOCANTINS, L. Amazônia, natureza, homem e tempo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. N. 15. p.

145

90 As implicações dessa relação entre Brasil e Estados Unidos foram divulgadas a partir de relatórios de

Washington. Cf. Ibid., p. 145.

91 Henry Ford, com a idéia fixa de suprir a carência definitivamente de borracha em suas indústrias, patrocinou o

projeto com mais de um milhão de pés da hevea brasiliensis. O governo brasileiro cedeu para este projeto 2 milhões e 470 mil acres de terra, às margens do Rio Tapajós. Cf. MARTINS, E. Amazônia, a última fronteira. Rio de Janeiro: Codecri, 1982. p. 16.

habitantes, com uma infra-estrutura bem montada de distribuição de água, energia, serviço de esgoto, atendimento hospitalar e educação, com o declínio da fase da borracha, parte para outras atividades econômicas, até mergulhar num verdadeiro marasmo, a partir da década de 1980. Belterra viveu, por muitos anos, como uma vila pacata sem muito movimento econômico, até se transformar em sede municipal na década de 1990.

Todas as atividades econômicas da borracha, entretanto, beneficiaram apenas a classe dos seringalistas, ou seja, os grandes latifundiários e os “patrões”, enquanto a mão-de-obra, o seringueiro, os ribeirinhos e os migrantes, num quadro econômico escravagista, ficaram, mais uma vez, à margem dessa participação.93 Com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve novamente um retrocesso econômico, vindo a ter novo fôlego e novo contingente populacional na região com a descoberta de ouro em Itaituba, na década de 1950. Nesse ínterim, as populações ao longo do vale do Tapajós voltaram-se para o extrativismo em todas as direções.

A classe dos seringueiros, formada por indígenas e mestiços e pelos nordestinos que ocuparam a Amazônia nesse período, tinha uma faina diária que ia das primeiras horas da madrugada até à noite, como relata E. Martins.94 Os patrões, por outro lado, residiam geralmente nas grandes cidades da região ou nas “casas” (barracões) espalhadas pela beira dos rios, de onde controlavam todo o trabalho dos seringais. O barracão do patrão era um elemento importante na economia da borracha, apresentando-se como a instituição de contato

93 Cf. MARTINS, E. Amazônia: a última... p. 17.

94 “Osvaldo Alencar, casado, 40 anos, seis filhos. Profissão: seringueiro. Acorda às 3 h da madrugada e inicia os

preparativos para enfrentar as estradas – caminho onde se encontram as seringueiras -, das quais recolherá o “leite” para a feitura da borracha.

Afia as facas, prepara o jamanxim (mochila) e municia a espingarda. Os filhos também acordam, Os menores vão pru roçado.

Às 5h da manhã, depois do desjejum, com café forte e farofa de macaco, segue rumo às 200 árvores que compõem sua estrada.

Às 15hs, após ter percorrido, quase correndo, uma média de 12 a 14 km, transpondo trechos inundados, chuvas ininterruptas, ataques traiçoeiros de bichos e índios, pára por instantes. Hora do almoço.

Sentado sobre uma raiz, com a espingarda a tiracolo, já que não são poucos os inimigos, mastiga apressadamente, pensando e preocupado com o seu endividamento, cada vez maior, junto ao patrão, as chuvas que prometem ser fortes, a enchente dos rios.

Quem leva mais de 15 minutos nesse almoço é “seringueiro preguiçoso, cabra de pouco valor”- garante o seringalista, seu patrão.

Concluída a refeição, levanta-se de um salto e inicia o retorno para colher o “leite” das árvores sangradas. Às 17hs está retornando a sua colocação e imediatamente começa a defumação da péla da borracha.

Às 20h, ou mais tardar 21h, termina o serviço do dia. Toma banho às pressas, às margens do igarapé mais próximo, de arma na mão, pois já é noite e pode ser apanhado de surpresa. Vai então jantar.

Feijão, jabá, macaxeira, arroz, e, sendo época, leite de castanha-do-Pará

O bom seringueiro – garante o patrão, o seringalista – não respeita dia santo, desconhece feriado, sábado e domingo. O que não deixa de ser verdade.” Ibid., p. 34-35.

do ribeirinho com o mundo exterior. Também era um fator de endividamento e o início de uma relação que terminava sempre com a escravização do ribeirinho ou do imigrante promovida pelo patrão. Na região do rio Tapajós existiam muitas dessas casas com seus “patrões”.95 O controle geral do comércio era feito a partir dos grandes centros urbanos da região como Belém, Manaus e Santarém, de onde o patrão controlava o comércio extrativista.

A extração da borracha era comandada pelos brancos, pois atendia os interesses dos brancos através do mercado, que se aproveitava de uma descoberta dos próprios nativos. Estes, já integrados na Amazônia, vão, juntamente com os migrantes de outras regiões do Brasil, iniciar um processo de povoamento que, sob o estímulo da borracha, vai ter um caráter ecológico agudo. Sobre isso L. Tocantins afirma: “A borracha levou o homem a um grau de subordinação à floresta jamais ocorrido em época anterior, emprestando-lhe uma personalidade ou ethos particular, exigindo-lhe adaptação biológica mais profunda.”96

Aspecto importante desse período foi a contribuição dos imigrantes para a repovoação da Amazônia, inaugurando uma nova época, agora assinalada pela presença mais forte do nordestino, o que vai fazer com que o ribeirinho, no afã de sua sobrevivência, se integre com a nova cultura e o imigrante, por sua vez, se adapte à realidade das florestas e dos rios e incorporem à sua cultura o jeito de viver dos povos das florestas.

Com os acontecimentos da Cabanagem e com o fim da época da produção da borracha, tem-se o início da modernização e a aceleração da ocupação da Amazônia com as frentes de capitais atingindo todas as áreas e todos os setores sociais, como será visto a seguir, na denominada época atual.

No documento MESTRADO EM TEOLOGIA PRÁTICA SÃO PAULO (páginas 41-44)

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