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Nas leituras mais aprofundadas sobre o conceito “cultura” percebi que o mesmo tem sido largamente utilizado e discutido, não só no contexto das ciências sociais, como também no âmbito das ciências da saúde, e que se trata de um construto extremamente amplo e complexo, sendo usado nas formas mais variadas, por diferentes estudiosos, e nas diferentes áreas de conhecimento.

Em face da amplitude de significados possíveis de serem atribuídos ao conceito, cada qual calcado em um paradigma teórico ou em uma visão de mundo específica, surgiu a necessidade de refletir sobre esta categoria conceitual e entendê-la no contexto da Antropologia Interpretativa. A Escola Interpretativista, que nos interessa de forma particular, é marcada pelo paradigma hermenêutico, que se desenvolve a partir das ideias de Clifford Geertz, na década de 60, o qual sofreu influência de diversos autores.

A proposta interpretativa de Geertz (2008a; 2008b) é de valorizar a experiência, a expressão humana. A antropologia é ciência que se faz, não com base em princípios ou leis, mas uma “ciência interpretativa à procura do significado” (GEERTZ, 2008a, p.4). Desta forma, o objetivo da Antropologia é o aprofundamento no universo humano, utilizando uma abordagem semiótica da cultura. Geertz (2008a) percebe a questão da compreensão dos padrões culturais, organizados através de símbolos sociais, que se manifestam nos comportamentos individuais, como uma tese fundamental para a Antropologia.

A Antropologia Interpretativa ou Simbólica dá “uma nova roupagem ao conceito de cultura, passando a defini-lo como a expressão humana frente à realidade, e não apenas como um conjunto de crenças e valores” (SILVA, 2001, p.27).

Geertz (2008a), reinterpretando alguns conceitos da sociologia

clássica weberiana, pondera que a cultura é um conceito essencialmente semiótico, uma teia de símbolos e significados tecida pelo próprio homem, portanto não é uma ciência experimental que busca leis, mas sim uma ciência interpretativa que procura significados.

Vivendo em sociedade, o homem tem seu comportamento guiado por um conjunto de símbolos significativos, criados, transmitidos e

transformados pelos próprios homens, para dar sentido aos acontecimentos de sua vida, o que, segundo Monticelli (2003, p.42), “permite aos grupos e indivíduos, a interpretação das suas experiências e a condução de suas ações, permitindo a criação de um elo entre as formas de pensar, aspectos cognitivos e as formas de agir”, ou seja, aos aspectos pragmáticos da vida humana, ressaltando, desta forma, a importância da cultura na construção de todo fenômeno humano.

A cultura é um contexto dentro do qual os acontecimentos sociais, as instituições e os comportamentos podem ser escritos com densidade. Ela consiste em estruturas de significado socialmente estabelecidas, ou seja, em sistemas entrelaçados de signos interpretáveis. A cultura deve ser entendida como um conjunto de formas simbólicas publicamente disponíveis e socialmente compartilhadas, a partir das quais as pessoas experimentam e expressam significado (GEERTZ, 2008a). Portanto, “a cultura é pública porque o significado o é” (GEERTZ, 2008a, p.9). Langdon (1996, p.11), reforçando esta ideia, ressalta que “a cultura não existe a priori da ação, não estando estabelecida por normas e valores, e não sendo algo fixo ou homogêneo”.

Olhando sob a perspectiva antropológica interpretativista, a cultura se manifesta no modo de vida de um povo, pelos seus sentimentos, pensamentos e atos, que são transmitidos e transformados dentro de um determinado grupo social, sendo passado de geração a geração, e as novas gerações incorporam este modo de vida e o ressignificam, isto é, dão novo revigoramento à forma de vivenciá-lo emocionalmente, e de comportar-se dentro dele, definindo seu caráter dinâmico.

Langdon (1996, p.11) afirma que “a cultura é um sistema público centrado nos atores” que, por meio dela, interpretam seu mundo, dirigem suas ações e, desta forma, concretizam sua reprodução. Para essa autora, a cultura é expressa nas interações sociais, locus em que os atores comunicam e negociam os significados.

Geertz (2008a; 2008b), a partir de estudos de diferentes sociedades, percebeu a cultura como um arcabouço que estrutura a organização comunitária, indicando que esta pode ser definida como um sistema cultural de organização e controle de grupos sociais. Signos de poder, quando utilizados por diferentes grupos de indivíduos, geram relações de poder e submissão entre os membros de uma comunidade. Tal relação entre o poder e o objeto de sua ação, é mediada pela cultura. Para Geertz, isto é razoável, uma vez que o conceito de cultura é visto como um padrão de significados transmitidos historicamente,

incorporado em símbolos e materializado em comportamentos. Desta forma, fornecendo ‘modelos de’ e ‘modelos para’ a realidade.

Segundo Silva (2001, p.27), “a cultura passa a servir como modelo para o homem interpretar seu mundo e também um modelo para agir no mundo”. Desse modo, entende-se que o conceito de cultura é abrangente e assaz complexo, o que requer a compreensão da individualidade do ser humano, e também do seu conjunto social.

Para Langdon (1991), o papel fundamental da cultura está em determinar a forma de vida de um grupo. A cultura, segundo essa autora, “organiza o mundo para o grupo e o organiza segundo sua própria lógica, para formar um total. Assim, a cultura tem sua própria lógica, e sua integração depende dessa lógica” (LANGDON, 1991, p.3). Assim, a cultura é em parte controladora do comportamento em sociedade, mas, ao mesmo tempo, cria e recria este comportamento, devido ao seu conteúdo ideológico, impossível de ser esvaziado de significado, já que toda cultura possui uma ideologia que o embasa, pois, para Geertz (2008a), a ideologia é apresentada como a dimensão norteadora.

Vivendo em sociedade, o homem tem seu comportamento guiado por conjuntos de símbolos significativos, criados, transmitidos e transformados pelos próprios homens, para dar sentido aos acontecimentos de sua vida. A compreensão dos comportamentos manifestados pelos indivíduos é a questão fundamental para a Antropologia. Cabe ao antropólogo compreender esses meios semióticos, através dos quais as pessoas se definem no ínterim de sua cultura. Este conceito semiótico de cultura é fundamental na construção do interpretativismo, já que, para Geertz (2008a), a antropologia busca interpretações.

Compreender comportamentos revelados pelos indivíduos é um ponto essencial não só para a antropologia, mas também para os profissionais de saúde, os quais podem encontrar aí subsídios para conhecer e compreender os comportamentos de cuidado adotados pela população e, desta forma, realizar o cuidado em saúde culturalmente congruente.

Considerando-se a perspectiva etnográfica a ser efetivada no presente processo investigativo, o conceito de cultura, como definido pela Antropologia Interpretativa, auxiliou no alcance de seus objetivos, uma vez que permitiu uma relação mais próxima do pesquisador com os informantes, no caso, as mulheres portadoras de hipertensão gestacional, e também, uma abordagem diferenciada do processo saúde- doença, em relação àquela utilizada pela maioria dos profissionais da biomedicina.