• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO 1 - TEORIA, MÍDIA E IDEOLOGIA

1.4. O CONCEITO DE IDEOLOGIA

Ao manifestar a importância da mídia na estruturação das sociedades, Thompson (1995) retoma o sentido crítico de ideologia, como instrumento para entender como as formas simbólicas se articulam com as relações de dominação.

Como já mencionamos, o autor considera formas simbólicas toda ação, fala, imagem e texto que são socialmente reconhecidas como construções significativas, podendo, portanto, ser verbais, não verbais ou mistas, desde que mobilizem sentidos. Sendo a dominação para o autor qualquer relação de poder assimétrica.

Ao conceber que a sociedade se estrutura com base em relações de dominação, Thompson (1995) retorna o conceito de ideologia em sua dimensão crítica e discute seu papel nas sociedades modernas em sua relação com a importância dos meios de comunicação. Para isso “recuperou a herança histórica do conceito desde a sua origem em Destutt de Tracy, passou por Napoleão Bonaparte na sua crítica aos ideólogos, por Marx e seus seguidores como Lênin e Lukács e por Mannheim” (THOMPSON, 1995, p.45). Ao fazer essa trajetória histórica com diversos autores que elaboraram teorias sociais e políticas, constatou que esse terreno é marcado por contraposições e ambigüidades.

O autor ressalta que o filósofo francês Destutt de Tracy foi o primeiro a usar o termo ideologia, isso para descrever o seu projeto de uma nova ciência que estaria interessada na análise sistemática das idéias e sensações.

Ainda na mesma discussão Guareschi (1998) ressalta que, a partir do século XV e XVI, estudos mais pertinentes começaram a ser feitos sobre o tema, mesmo que o nome ideologia ainda não tivesse sido empregado neste período. Para o pesquisador, Bacon foi quem desenvolveu um estudo mais próximo daquilo que hoje se costuma entender por ideologia. Bacon apresentou quatro classes de ídolos que para ele seriam ídolos que dificultavam a proximidade com a verdade. Esses ídolos eram “os da caverna: nossas idiossincrasias4, caráter; da tribo: superstições,

4 Formas individuais de compreensão

paixões; da praça; as inter-relações humanas, principalmente no meio da linguagem;

e os ídolos do teatro: a transmissão das tradições e doutrinas dogmáticas” (1998, p.90).. Ressalta Guareschi (1998) a crescente importância da ideologia em nossos dias atuais, o fato de que nossa sociedade e nosso mundo tornam-se, a cada dia, mais “imateriais”, sempre mais sustentados numa comunicação verbal e simbólica (p.90).

Portanto, reforçando o que já foi descrito acima, Guareschi (1998) salienta que ao refletirmos sobre ideologia é muito importante prestarmos atenção aos inúmeros enfoques teóricos, que dão, ao conceito de ideologia, diferentes significados e funções. Com uma perspicácia histórica, Thompson (1995), subdivide as diferentes concepções de ideologia em neutras e críticas.

As neutras consideram ideologia como sistema de idéias, sem atribuir qualificativo, a tais ideias, de ilusórias ou falsas, nem ligá-las a interesses de algum grupo em particular. Nessa concepção poderíamos situar autores como o próprio criador do termo ideologia, Destutt De Tracy (1803) para quem a ideologia é o estudo das ideias, que por sua vez são uma emanação do cérebro; também estariam nessa concepção Lênin (1969) e Lukács (1971) que concebem a ideologia como sendo as idéias de um grupo revolucionário; outro autor que estaria inserido nessa concepção é Mannheim (1954) que afirma “tudo o que pensamos é ideológico, pois é impossível não se deixar contaminar pela situação social em que alguém nasce e vive” (p. 91) e nota-se aqui que Mannheim identifica ideologia como conhecimento, ou seja, todo conhecimento é condicionado à ideologia.

(GUARESCHI, 1998).

As concepções críticas atribuem ao conceito de ideologia um sentido negativo, pejorativo. “O fenômeno caracterizado como ideologia _ ou como ideológico _ é enganador, ilusório, ou parcial” (THOMPSON, 1995, p. 73). Nesta concepção podemos situar as três ideias de Marx entre elas as ideias puras como autônomas e eficazes, como defendiam os hegelianos, sem ligação com a realidade;

as ideias da classe dominante e um “sistema de representações que serve para sustentar relações de dominação” e, também, seria inserida, nesta concepção, a idéia restrita de ideologia de Mannheim em que o mesmo concebe “as idéias dominantes de um grupo sobre outro” (GUARESCHI, 1998, p. 91).

Thompson (1995) adota a concepção crítica de ideologia, em oposição às perspectivas que neutralizam o conceito, mantendo uma conotação negativa e

associando a análise da ideologia à questão da crítica social. Analisando que os

“idéologues” se tornaram os bodes expiatórios de Napoleão que acreditava que Tracy e o Instituto Nacional, criado junto com seus companheiros, tinham fortes ligações com republicanismo, uma vez que, após a desastrosa campanha na Rússia, Napoleão acusou-os de subverter o Estado e o poder da lei e, dirigindo-se ao Conselho de Estado, condena a ideologia e a caracteriza como a negação de uma arte política astuta.

Thompson (1995) apresenta Marx como o pensador que contribui para que o termo tenha assumido o sentido negativo, oposicional, implícito e “presente no uso do termo como feito por Napoleão, porém Marx transformou o conceito, incorporando-o a um marco referencial teórico e a um programa político que eram profundamente dependentes do espírito do iluminismo” (p.49). O autor sustenta que na obra de Marx são perceptíveis três distintos conceitos de ideologia, todos críticos, dentre esses há um que o autor denomina “latente”. Na análise de Marx sobre a Revolução Francesa, no Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, Thompson (1995) aponta que, apesar das condições concretas para a “emancipação”, a sociedade francesa regrediu, em função de ideias equivocadas na tradição, que foram reativadas por palavras e imagens. Para o autor, Marx anteviu o significado da dimensão simbólica da vida social. As construções simbólicas, neste caso, apresentaram certa eficácia, reativando a tradição e funcionando como meio de sustentação de uma ordem social opressiva (SILVA, 2005 p.26).

A concepção que Thompson denomina de “latente” em Marx se aproxima da proposta de voltar o foco do estudo da ideologia para o entrecruzamento das formas simbólicas com as relações de poder. Partindo dessa discussão, Thompson (1995), formula seu conceito de ideologia, entendida como formas simbólicas que, em determinados contextos, servem para estabelecer (produzir, instituir e sustentar, manter e reproduzir) relações de poder sistematicamente desiguais, ou seja, relações de dominação. Os fenômenos simbólicos não são intrinsecamente ideológicos, mas devem ser analisados em contextos sócio-históricos definidos.

O aspecto que Thompson denominou de “contextual” indica que as formas simbólicas estão sempre inseridas em contextos sociais estruturados, nos quais podem atuar para estabelecer e sustentar relações desiguais.

Thompson (1995) afirma que a pesquisa social deve se voltar aos contextos específicos e que é necessário analisar atentamente a interação entre sentido e

poder em situações concretas da vida social. O autor esboça um quadro que focaliza determinadas formas pelas quais a ideologia opera, a partir do qual pretendemos vincular a nossa proposta metodológica de crítica à ideologia.

Elas são cinco: Legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação. Para cada um desses modos gerais típicos de construção simbólica correspondem algumas estratégias típicas de operação ideológica. No quadro 1, estão dispostos os modos gerais de funcionamento da ideologia e as estratégias típicas de funcionamento. Segundo Silva (2005), os modos de operação descritos não são os únicos pelos quais a ideologia opera, eles podem sobrepor-se e reforçar-se mutuamente e, em situações particulares, a ideologia pode operar de modos distintos (27). QUADRO1 – MODOS DE OPERAÇÃO DA IDEOLOGIA

FONTE: adaptado de THOMPSON, 1995. p.81

Por “legitimação” entende-se a apresentação das relações de dominação como justas e dignas de apoio, isto é, legítima, baseada em “fundamentos racionais (que fazem apelo à legalidade de regras dadas), fundamentos tradicionais (que fazem apelo à sacralidade de tradições imemoriais), e fundamentos carismáticos (que fazem apelo ao caráter excepcional de uma pessoa individual que exerça autoridade)” (WEBER, 1978 apud THOMPSON, 1995, p.82).

A legitimação pode ser expressa por meio da racionalização que se manifesta em argumentos racionais que justificam as relações com objetivo de persuadir e com isso, obter apoio. A universalização em que os interesses de alguns são apresentados como de todos; por fim a Narrativização que eternizam as tradições por meio de histórias.

A dissimulação se apresenta quando formas simbólicas são representadas de modo que desviam a atenção. Seria a ocultação, a negação ou o obscurecimento das relações de dominação e processos existentes, por meio do deslocamento transferência de sentidos, conotações positivas ou negativas, de pessoas ou objeto a outro (a). Na Eufemização, determinadas ações, instituições ou relações sociais são referidas de forma a suavizar suas características e estabelecer valorização mais positiva. O tropo, uso de figuras de linguagem como sinédoque, é caracterizado pelo uso do todo pela parte, do plural pelo singular, do gênero pela espécie, ou vice-versa; a metonímia, tropo caracterizado pelo uso de atributo ou característica de algo para designar a própria coisa, e a metáfora que consiste na aplicação de termo ou frase a outro, de âmbito semântico distinto.

A unificação é o processo pelo qual se cria uma identidade coletiva, independentemente das diferenças individuais e sociais, por meio da padronização;

as formas simbólicas são adaptadas a determinados padrões, que são reconhecidos, partilhados e aceitos e da simbolização da unidade da identidade e de identificação coletivos são criados e difundidos.

A fragmentação significa a segmentação de grupos ou indivíduos que podem representar um desafio aos grupos dominantes. Ela ocorre por meio da diferenciação em que a ênfase em características de grupos ou indivíduos, de forma a dificultar sua participação no exercício de poder, do expurgo do outro na construção social de inimigo, a que são atribuídas características negativas, ao qual as pessoas devem resistir e a estigmatização que consiste na desapropriação de indivíduo(s) ou grupo(s) do exercício de alguma condição física, moral ou social (ANDRADE ,2001 apud SILVA, 2005).

A Reificação é concebida como a tendência a retratar processos como coisas, retirando-lhes o caráter transitório e histórico. A reificação processa-se por meio da naturalização: fenômeno social ou histórico é tomado como natural e inevitável e da Eternalização; fenômeno social ou histórico é considerado como permanente, recorrente ou imutável. A reificação também pode ocorrer por meio “de vários recursos gramaticais e sintáticos, tais como a nominalização da transformação de partes de frases ou ações descritas em nomes, ou substantivos, atribuindo-lhes sentido de coisa” e a Passifização consiste no uso de voz passiva que leva à retirada de sujeitos das ações.

Com base na seleção de alguns aspectos da teoria formulada por Thompson, a dissertação pretende pautar numa teoria social a compreensão da natureza e o desenvolvimento da comunicação de massa e, neste sentido, afirmar a importância central das mídias na construção da sociedade moderna. Como já ressaltamos anteriormente, Thompson entende que a sociedade é palco de conflitos e relações assimétricas de poder de classe, raça, gênero e idade. Que o sujeito é ativo e mantém a capacidade de, em alguma medida, contrapor-se ao status quo; que a ideologia é um entre outros mecanismos que concorrem para estabelecer e sustentar essas assimetrias de poder e que as “mídias têm um papel central na construção e reprodução do universo simbólico, ideológico ou não (ESCANFELLA, 2006, p.39).

Thompson (1995) considera que os fenômenos simbólicos não são ideológicos em si mesmo, por isso deve ser analisado em relação a contextos sócio-históricos específicos, situados temporal e espacialmente, sem universalizar ou generalizar resultados (ESCANFELLA, 2006, p. 37). O tópico seguinte contextualiza, no Brasil, os discursos sobre os grupos raciais negros e brancos na mídia brasileira e discute como a ideologia se apresenta nesse fenômeno.

Documentos relacionados