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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 ROTEIROS DE MÍDIAS DIGITAIS

2.3.2 O conceito de interatividade

O conceito de “interatividade” está incorporado a tantos produtos e serviços que fazem com que se perca o seu real significado. Banalizado pela “indústria da interatividade” o adjetivo é utilizado em qualquer situ- ação em que o espectador/usuário tenha a possibilidade ou sensação de participação ou alguma interferência (MONTEZ; BECKER, 2005). Mon- tez e Becker chamam a atenção para o fato de que o termo, interatividade, é recente e foi incorporado aos dicionários da língua portuguesa há pouco mais de trinta anos, enquanto o termo “interação”, que deu origem ao anterior, já é muito mais antigo. Para eles, é fundamental entender esse conceito para, a partir dele, chegar-se ao conceito de interatividade. No quadro abaixo (QUADRO 7) temos algumas áreas do conhecimento e exemplos do conceito de interação:

Quadro 7: Algumas definições do termo “interativo”. Área do conhecimento Significado de interação

Física É o comportamento de partículas cujo movimento é alterado pelo movimento de outras partículas. Ocorre pela ação de quatro forças básicas: gravidade, eletro- magnetismo, a força nuclear forte e a força nuclear fraca.

23 Definição de Renato Oshima em entrevista concedida a Vicente Gosciola. (Gosciola, 2003)

Sociologia e Psicologia Social

Parte da premissa de que nenhuma ação humana ou social se dá sem interação.

Filosofia Entre muitas abordagens um exemplo seria a do pragmatismo, que vê a humanidade não como mero espectador, separado da natureza, mas como um cons- tante e criativo interagente com ela.

Meteorologia As interações entre componentes dos oceanos e a atmosfera terrestre para avaliar a variação climática do planeta.

Geografia O surgimento das montanhas, fruto da movimentação de placas tectônicas, interagindo umas com as outras no interior da crosta terrestre, alterando o relevo. Biologia Nas explicações genéticas. Nos estudos de Mendel,

o fenômeno da descontínua variação hereditária é explicado pela interação gênica.

Ciência da Comunicação O termo é definido como relação entre eventos co- municativos. Considera “comunicação interpessoal”, “relacionamento humano” e “comunicação interpes- soal” sinônimos.

Fonte: MONTEZ; BECKER, 2005.

Pode-se dizer que o conceito de interatividade nasceu praticamente com a informática.

As pesquisas sobre a relação homem/computador se iniciaram em 1954 com as primeiras experiências de Doug Ross, que propunha um pro- grama para desenhar no monitor do computador, passando pelo programa Sketchpad desenvolvido por Ivan Sutherland, em 1963, onde, utilizando uma caneta (pen light) o usuário podia desenhar diretamente no monitor. A partir daí, os pesquisadores da área de informática batizaram de com- putação interativa a melhoria das relações entre usuário-computador, não só no que se referia aos dispositivos de entrada e saída, mas também, à evolução tecnológica dos sistemas operacionais que passaram a ser mul- titarefas e multiusuários, possibilitando o compartilhamento e o uso do computador por vários usuários (MONTEZ; BECKER, 2005).

Resumindo, Montez e Becker (2005) definem assim a relação entre interação e interatividade: “A interação pode ocorrer diretamente entre dois ou mais entes atuantes, ao contrário da interatividade, que é necessa- riamente intermediada por um meio eletrônico” (p. 49).

Pepulim (2011, p. 39) apresenta a classificação de Lévy24 (QUA- DRO 8), onde estão descritos os diferentes tipos de interatividade, corre- 24 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: ed. 34, 1999. p. 83.

lacionando, o tipo de fluxo de mensagem (mensagem linear não-alterável em tempo real, interrupção e reorientação do fluxo informacional em tempo real e implicação do participante na mensagem) com os tipos de dispositivos de comunicação (difusão unilateral, o diálogo e a conversa entre vários participantes).

Quadro 8: Diferentes tipos de interatividade propostos por Pierre Lévy. Relação com a Mensagem Dispositivo de Comunicação Mensagem linear Não-alterável em tempo real Interrupção e reorientação do fluxo informacional em tempo real Implicação do participante na mensagem Difusão unilateral • Imprensa • Rádio • Televisão • Cinema • Bancos de dados multimodais • Hiperdocumentos fixos • Simulações sem imersão nem possibi- lidade de modificar o modelo • Videogames com um só participante • Simulações com imersão (simulador voo) sem modifica- ções possíveis do modelo

Diálogo, Reciprocidade

• Correspondência postal entre duas pessoas

• Telefone

• Videofone • Diálogos entre mundos virtuais, • cibersexo Diálogo entre vários participantes • Rede de correspondência • Sistema das publicações em uma comunidade de pesquisa • Correio eletrônico • Conferências eletrônicas • Teleconferência ou videoconferência com vários participantes • Hiperdocumentos abertos acessíveis online, frutos da escrita/leitura de uma comunidade • Simulações (com possibilidade de atuar sobre o modelo) como de suportes de debates de uma comunidade

• RPG multiusuário no ciberespaço Vide- ogame em “realidade virtual” com vários participantes • Comunicação em mundos virtuais, negociação contínua dos participantes sobre suas imagens e a imagem de sua situação comum

Fonte: Pepulim, M. E. H., 2011, p. 39.

Montez e Becker (2005, p. 50) relacionam algumas definições de outros autores, para o conceito de interatividade associado à tecnologia. Para Steuer (1992), a interatividade está associada ao quanto de interfe- rência o usuário possa ter na modificação da forma e do conteúdo de um ambiente computacional. Dessa maneira, livros, jornais e TV aberta são considerados meios pouco interativos, e, por outro lado, teleconferência, e-mails e video-games são de alta interatividade. Walker (1988) e Koogan/

Houaiss (1999) também colocam ênfase na correlação entre a tecnologia e a interatividade, na possibilidade de troca entre o usuário de um sistema computacional e o computador, onde é permitido ao usuário modificar a forma e o conteúdo do ambiente mediado em tempo real, conforme a sua vontade de participar e a estrutura tecnológica do meio.

Lemos (1998) define a interatividade como uma “nova forma de in- teração técnica de cunho ‘eletrônico-digital’, diferente da interação ‘ana- lógica’ que caracterizou as mídias tradicionais”, e, completando, delimita a “‘interatividade’ como uma ação dialógica entre o homem e a técnica”.

Neste sentido, Silva (2011), Zancanaro (2011) e Giglio (2010) de- fendem justamente que neste cenário de transição da TV analógica para digital, a interatividade é o principal diferencial deste novo modelo tele- visivo (que segue uma proposta de comunicação bi-direcional associada à experiência obtida com a web/internet).

Para Crocomo (2007), existem três níveis de interatividade, a partir de definições técnicas de programação, na TVDi:

Quadro 9: Níveis de interatividade na TV Digital, segundo Fernando Crocomo (2007).

Interatidade nível 1 (interatividade local)

Os dados são transmitidos e armazenados no terminal de acesso. Ao acessar as informações, disponíveis em hipertexto na tela, o usuário estará “navegando” dentro dos dados que foram armaze- nados no terminal

Interatividade de nível 2 Dispõe de um canal de retorno, normalmente por via telefônica, com o qual é possível retornar a mensagem, normalmente, não em tempo real. Interatividade de nível 3 O canal de retorno fica sempre em funcionamento

podendo enviar e receber mensagens em tempo real. Para exemplificar, pode-se dizer que, nos programas com interati- vidade do nível 1, junto com a programação normal de TV, são enviados dados complementares que ficam armazenados no terminal de acesso. Num programa musical, por exemplo, o usuário poderá acessar as letras das músicas, numa partida de futebol, poderá escolher os ângulos das câ- meras. As informações vêm num fluxo único da emissora para o terminal de acesso e o usuário apenas escolhe o ângulo, daí o nome de interativi- dade “local”, pois os dados estão disponíveis na unidade receptora. É uma operação semelhante à troca de canal com o controle remoto. No nível 2,

além dos recursos armazenados no terminal de acesso, existe um canal de retorno onde o usuário pode participar enviando as informações através de um modem, por exemplo. Através deste canal de retorno, será possível escolher o que está sendo oferecido na tela, acionando o controle remoto. Dessa maneira, a mensagem será enviada à emissora, utilizando um canal de retorno que pode ser disponibilizado por ela ou de outro provedor e dessa forma, o dado será adicionado ao resultado final. E, finalmente, na interatividade de nível 3, em que o canal de retorno estará sempre disponí- vel para a troca de informações em tempo real, podendo assim, o usuário, participar de jogos e outras aplicações (CROCOMO, 2007).

Por outro lado, Cannito (2010) analisa essa classificação da inte- ratividade de Crocomo, que leva em conta os aspectos técnicos da pro- gramação e completa com outra organização dos níveis de interatividade, desta vez de Pierre Lévy (1999), que combina o potencial técnico com o interesse de interação do público:

Quadro 10: Classificação de níveis de interatividade levando em conta o interesse de participação do espectador.

Personalização a possibilidade de apropriar-se da mensagem recebida já con- figura o espectador como ser que reage ao conteúdo assistido e absorve de maneira particular

Reciprocidade disponibilidade de um dispositivo que permita a comunicação um-um ou todos-todos

Virtualidade enfatiza a mensagem em tempo real possibilitada pela saída e entrada de dados por meio de um canal de retorno

Implicação o espectador pode controlar um representante de si mesmo

Telepresença interação do espectador, sem sair de casa, em um programa ao vivo

Fonte: CANNITO, 2010, p. 148.

Finalizando a análise, Cannito (2010) conclui que Lévy relaciona os níveis de interatividade com foco no objetivo que se deseja alcançar e, por outro lado, Crocomo os classifica considerando apenas os aspectos técnicos do assunto. E, apresenta então, a sua classificação de níveis de interatividade desta maneira:

1. Escolher o programa: utilizando a grade de programação o espectador interrompe o fluxo da televisão e seleciona o programa que deseja assistir. Eis alguns aplicativos que propiciam isso: pay- per-view, VOD, entre outros.

2. “Bater um papinho”: interatividade entre outro espectador/ usuário e não com o programa.

3. Participar: o espectador pode votar ou mandar cartas para participar de algum tipo de sorteio ou premiação. É o tipo de interatividade mais antigo da televisão. O ato de votar, vaiar ou bater palmas dá ao espectador a sensação de fazer parte do auditório, contribuir para a definição dos rumos do evento.

4. Mudar o programa: o espectador, utilizando aplicativos voltados à personalização do programa, poderá, focando na direção, escolher a câmera, o ponto de vista ou mudar a trilha sonora; ou focando na narrativa, escolher o caminho a ser seguido.

5. Possibilidade de criar: é a forma mais radical de interatividade pois o usuário/espectador pode recriar a obra a seu gosto ou com base em algum sistema automático, programado para atender aos seus interesses. Esse tipo de interatividade muito comum na internet, não o será na televisão por exigir uma banda e supor que a obra permita esse tipo de interferência.

Assim, para Arbex (2010), a interatividade digital é caracterizada como uma forma de relação técnica e social que estabelece um diálo- go entre homem e máquina num processo de comunicação que implica muitas maneiras de participação e intervenção do usuário. Portanto, as tecnologias se limitam na medida em que as formas de participação vão de acordo com os tipos de mídias disponíveis.

No campo da TV Digital brasileira, Cosette Castro comenta que, embora todo o incentivo do Governo Federal25,

25 ainda no primeiro mandato do governo Lula, com a criação de 22 consórcios técnicos envolvendo 106 universidades (públicas e privadas) e empresas privadas para desenvolver um modelo próprio de TVD no país e um investimento de R$ 70 milhões do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funtel) que culminou na criação do middleware Ginga que permite a interatividade, a mobilidade e a interoperabilidade na TV digital terrestre, de caráter aberto.

Apesar do importante valor dedicado a área tec- nológica e da valorização da expertise nacional, contraditoriamente quase nada foi aplicado até o momento no desenvolvimento de conteúdos digi- tais interativos para o novo modelo de televisão. Os valores aplicados, seja na televisão pública ou voltados para os conteúdos educativos, seguem majoritariamente uma visão analógica de constru- ção de roteiros, sem levar em conta as possibili- dades interativas, o que permite melhorar apenas a imagem e o som dos conteúdos desenvolvidos. (CASTRO, 2011)

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