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O conceito de paisagem sonora (soundscape)

3. Enquadramento teórico

3.2. O conceito de paisagem sonora (soundscape)

Schafer introduz o conceito de soundscape, ou paisagem sonora, que será fulcral para estudar a relação entre o som e o seu ambiente sonoro. O termo estabelece uma analogia com a ideia de landscape (paisagem) podendo, por isso, ser definido simplesmente como o ambiente sonoro de uma qualquer paisagem, o conjunto de todos os sons audíveis numa área ou território definido, sendo “an intimate reflection of the social, technological and natural conditions of the area” ou simplesmente uma “acoustic manifestation of ‘place’”8.

Botteldooren et al. afirmam que o conceito tem sido usado em vários campos de estudo adquirindo, portanto, diversas definições (Botteldooren et al. 2014:1). Os autores explicam ainda que uma paisagem sonora se constitui num contexto particular e como a percepção é moldada por vários estímulos sensoriais, pelos conhecimentos que cada pessoa reúne sobre esse local, o seu uso, o seu significado cultural e as suas motivações para estar aí (Ibidem). Por estar conectado a uma paisagem física, pode considerar-se um reflexo sonoro desse local e, precisamente por alguns autores afirmarem que não existe uma definição universal do vocábulo, demarcam usualmente nas suas investigações uma aceção semelhante às acima enunciadas adaptada ao contexto dos seus trabalhos.

Soares e Coelho (2016:233), por exemplo, optam pela seguinte definição: “soundscape is understood as the acoustic environment of a place, perceived or experienced by people in its context, which results from the action and interaction of natural and/or human factors”. Já Liu et al. (2013:2) definem paisagem sonora como sendo “the full range of perceptible sounds in a given landscape, at a given time, and the way humans respond to these acoustical cues that contribute significantly to the characteristics of a landscape”. Ambas as definições enfatizam a importância do fator humano na própria conceção do conceito, visto que, os sons proporcionam aos habitantes de um determinado território um “sentido de lugar” e, simultaneamente, a sua qualidade acústica é moldada pelas atividades e comportamentos dos seus residentes.

De acordo com Eisenberg (2015) a primeira referência ao termo é feita pelos autores Edmund Carpenter e Marshall McLuhan, porém, não exatamente como “paisagem sonora”, mas sim como “espaço acústico” (acoustic space), num texto que explora a forma como a visão e a audição influenciam o modo como percecionamos um

22 determinado espaço ou situação (Carpenter e McLuhan 1960). Neste caso, a visão é o sentido principal e a audição um complemento que, contrariamente à visão, não apresenta limites, uma vez que, “we hear instantly anything from any direction and at any distance, within very wide limits” e, ao mesmo tempo, o espaço acústico não apresenta pontos favorecidos nem limites fixos, ao contrário de um enquadramento visual, é sim “dynamic, always in flux, creating its own dimensions moment by moment. It has no fixed boundaries; it is indifferent to background” (Ibid.,67-68). Também Schafer define o espaço acústico de um determinado objeto sonoro como sendo a amplitude de espaço em que esse mesmo som é audível (Schafer 1994:214).

Eisenberg salienta que a noção de soundscape, criada por Schafer e que se manteve associada à noção de ecologia acústica durante meio século, pode não ser a mais adequada para entender a relação entre som e espaço, e que por essa razão já foi contestada por vários investigadores, considerando que “the writings of music composer R. Murray Schafer, reproduced a set of reductive binary oppositions between the visual and the auditory” (Eisenberg 2015:195,197). Sublinhando como soundscape é verdadeiramente problemático como conceito-chave para os sound studies, o autor apresenta o modo como outros investigadores descrevem as “interrelations of sound, space, and the social in different ways, often with limited or no engagement with Schafer’s term” (Ibid.,198). Assim, cita termos como auditory landscape de Alan Corbin,

acoustemology de Steven Feld (que se relaciona com o ambiente sonoro e a possibilidade

de conhecer um local através deste) e apresenta também o que designa por uma redefinição do conceito de soundscape (como sendo “simultaneously a physical environment and a way of perceiving that environment”) por Emily Thompson, noções que considera mais adequadas relativamente à apresentada por Schafer (Ibidem). No seu texto, Eisenberg esclarece ainda como o som e o espaço se encontram interligados, dado que o som não existe sem esse meio de propagação e por “the process of audition attaches a spatial ‘narrative’ to each sound” (Ibid.,193).

Para Kelman (2010), o termo “paisagem sonora” é ao mesmo tempo indispensável e elusivo, provocativo e limitado. O autor apresenta duas formas de usar o conceito e defende que o termo soundscape soa bem, porém, tem pouco significado já que é bastante utilizado, mas pouco aprofundado (Kelman 2010:220). Por outro lado afirma que, por vezes, o conceito é aplicado embora o seu significado seja alterado para que corresponda às necessidades de cada autor, exemplificando com seascape de Shelemay, que se aplica

23 apenas ao estudo da música, ou comunicação, adotado por Truax e adaptado ao conceito de “comunidade acústica” (acoustic community) (Ibid.,223-224).

O antropólogo Tim Ingold (2007) assume também uma posição crítica em relação ao conceito de soundscape e defende que este deveria ser abandonado, reforçando que os sentidos não se separam do meio em que nos encontramos e que uma paisagem (landscape) não se prende a nenhum sentido, já que estes cooperam em conjunto e as suas contribuições são impossíveis de separar (Ingold 2007:1). Na sua opinião o som “is neither mental nor material, but a phenomenon of experience – that is, of our immersion in, and commingling with, the world in which we find ourselves” (Ibid.,2). Acrescenta que por ser modelado pelo conceito de paisagem, paisagem sonora coloca ênfase nas

superfícies, embora o som, tal como a luz, seja uma infusão no meio em que nos

encontramos (Ibidem). Assim, termina explicando que o confinamento a um lugar, é uma “form of deafness” (Ibid.,3).

Independentemente das críticas ou limitações do conceito de paisagem sonora formulado por Schafer na década de 1970, é incontestável que a noção de soundscape continua a ter relevância nos estudos sobre som. Apesar das oposições ao termo, este estabeleceu-se como um bom ponto de partida para questionar o modo como se estudam os elementos sonoros de um qualquer ambiente, as imperfeições nas análises que lhe podem ser executadas, permitindo que outras definições e conceitos surgissem no âmbito deste campo de estudos.

3.3. Um vocabulário para falar do som e da sua relação com o