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Capítulo IV. A formulação das representações do Centro Humanitário de Paris-Nord nos

II. A construção de representações do Centro Humanitário de Paris-Nord

2.1 O conceito de “representação”

Esta dissertação propõe analisar um corpus de peças telejornalísticas referentes à abertura do Centro Humanitário de Paris-Nord. Nesses termos, o conceito de “representação” surge como crucial para o desenvolvimento da investigação. Parece-nos pertinente, nesses termos, partir da premissa de que “representar” uma entidade equivale a produzir “significados” sobre a mesma com base em símbolos veículados e organizados na “linguagem” (Hall, 1997:28). Os símbolos referidos são de naturezas múltiplas,

podendo equivaler a sons, palavras escritas, imagens produzidas eletronicamente, notas musicais ou objetos (Idem: 1).

Em relação à leitura da forma como estes mecanismos trabalham, Hall distingue duas visões: a abordagem “semiótica” e a abordagem “discursiva”. Segundo o autor, a abordagem semiótica viria associada à “poética” do conteúdo. O foco seria colocado na tentativa de compreender como – e através de que mecanismos – a linguagem operaria como um “sistema de representação” (Idem: 1). A abordagem discursiva, por sua vez, demonstraria interesse pelos efeitos e pelas consequências sócio-políticas de determinados tipos de representações, inspirando-se em premissas foucaltianas sobre práticas de biopoder (Idem: 15). As formulações discursivas seriam responsáveis por determinar “quais elementos seriam – e quais não seriam – apropriados nas formulações e nas práticas relativas a um tema específico (...) que conhecimentos seriam considerados úteis, relevantes e “verídicos” (...) e que tipos de “sujeitos” encarnariam as características [do fenómeno, do tema ou do evento].” (Idem: 6).

O discurso jornalístico exerce precisamente a função de determinar que categorias de informações devem ser consideradas relevantes em relação a uma temática específica, tendo por base os conceitos de “autenticidade” e “verossimilhança” dos factos apresentados, que devem corresponder aos critérios de “valor-notícia” pré-estabelecidos pela redação do jornal. Os imperativos de “concisão” e de “clareza” (Berthaut, 2012: 367) seriam estruturantes na elaboração das reportagens, que se veriam limitadas tanto de um ponto de vista temporal quanto semântico (Idem: 368-369). Desse modo, para Berthaut :

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“La brièveté des formats (audiovisuels ou écrits) fait de la “concision” la consigne sans doute la plus rappelée dans les rédactions. (…) L’exigence de la “clarté” est un autre impératif de mise en forme qui s’applique indifféremment aux médias analysés. (…) La “concision” des formats ne permet en effet guère au reporter de se lancer dans un exposé multiplitant les nuances et les sources d’explication” (Berthaut, 2012 : 368-369).

As reportagens telejornalísticas ver-se-iam, desse modo, constrangidas a negligenciar nuances, criando representações simplificadas a partir de formulações

concisas e claras. Os significados produzidos e disseminados pelos mass medias estariam atrelados aos imperativos deontológicos do discurso de informação jornalística. Por outro lado, estes significados circulariam no interior do grupo de modo a variar no tempo e no

espaço. Amireault refere que as representações formuladas pela coletividade estão em constante mutação, já que os valores, as normas e as crenças não são estanque (Amireault, 2007 :36). A formulação de significados seria fruto da comunicação entre os diversos membros da coletividade através de cooperação e de embate entre em processos interativos (Idem: 36).

Assim, as representações nasceriam, ganhariam vida, circulariam, fusionar-se- iam, apagar-se-iam e levariam à criação de outras representações (Idem: 36-37). As mesmas teriam como função central “interpretar a realidade”, ao tempo que estabelecem com ela relações simbólicas. Através desses dois mecanismos, empreenderiam um “recorte” e uma “remodelação” da realidade social. Por outro lado, através do estabelecimento de relações simbólicas com a realidade, as representações sociais exerceriam a função de mediação entre o indivíduo, o grupo, e o ambiente no qual ambos se inserem (Ibidem).

Nesses termos, antes de analisar as representações veiculadas pelos mass medias nos telejornais, pareceu-nos relevante inserir uma vinheta etnográfica a partir da qual poderemos extrair algumas considerações. No dia 17 de Maio de 2017, assisti a uma iniciativa que pretendia integrar os refugiados do CHPN à vizinhança de Porte de la

Chapelle através da organização de jogos de cricket. Efetivamente, muitos dos requerentes de asilo albergados no centro são de origem afegã; ora, o cricket é um desporto extremamente popular no Afeganistão, e uma atividade com dimensões sociais, culturais e políticas significativas. Nessa quarta-feira à tarde, após ter efetuado o meu turno de voluntariado no CHPN, dirigimo-nos todos – voluntários, assalariados, requerentes de asilo – ao Centre Sportif des Poissoniers, no 18º arrondissement, de modo

51 a formar equipas e jogar cricket. O evento contava com a presença da Federação Francesa de Cricket (“Fédération Française de Cricket”) e o presidente da junta de freguesia do 18º arrondissement (maire du 18ème arrondissement), Éric Lejoindre. A presença de jovens que efetuavam programas de serviço comunitário patrocinados pela cidade de Paris, envolvendo-se no voluntariado do Centro Humanitário de Paris-Nord foi igualmente emblemática.

No início do evento, três discursos políticos inauguraram as atividades: em primeiro lugar, o presidente da freguesia do 18º arrondissement, senhor Lejoindre, dirigiu-se ao público para anunciar que era com grande alegria que assistiria ao modo como, através do desporto, os requentes de asilo poderiam se sentir mais “integrados” à comunidade do 18º arrondissement. O seu discurso atribuiu legitimidade ao evento como uma iniciativa de caráter político que visava a “integração” dos refugiados na comunidade local. Do mesmo modo, Aurélie El-Hassak Marzoti reiterou que Emmaüs-Solidarité estaria sempre a tentar promover este tipo de iniciativas, de modo a que o espaço do centro pudesse ser integrado nas dinâmicas do bairro. O CHPN cumpriria assim a função de estabelecer uma “ponte” entre os requerentes de asilo e a comunidade de Porte de la Chapelle. Em último lugar, um requerente de asilo que já residia em França há muito tempo, membro da Federação Francesa de Cricket, contou um pouco sobre a sua experiência; era oriundo do Afeganistão e tinha sido através da prática do cricket que tinha encontrado um “lar” em França (através do estabelecimento de redes de contactos, proporcionando sentimentos de “superação”, “integração”, “contribuição” para o grupo).

Enquanto os representantes discursavam, funcionários da junta de freguesia do 18º arrondissement fotografavam e filmavam o evento. Após o encerramento, todos os requerentes de asilo se uniram aos membros da Federação Francesa de Cricket para tirar uma fotografia emblemática; os fotógrafos registraram a reunião de todos os elementos supracitados, e eu própria pude fazê-lo com a câmara do meu telemóvel (Anexo D). Ao capturar o momento, ocorreu-me que estava a presenciar uma inversão de paradigma: se habitualmente tirar fotos dos requerentes de asilo poderia parecer “desrespeitoso” considerando a minha condição de voluntária, neste momento a ausência de respeito teria emanado do fato de não registrar a cerimónia. Os dados recolhidos ao longo deste evento parece-nos relevante na medida em que demonstra como, paralelamente às representações elaboradas pelos mass medias, “práticas mediáticas” paralelas (Postill, 2010) que pretendiam negociar uma “imagem” da estrutura de acolhimento (ilustrando-a como um

52 dispositivo que promove a “integração” dos refugiados) foram articuladas em diferentes escalas.

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