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O conhecimento na vertente sociocognitiva

3 A REPRESENTAÇÃO SOCIAL NA PERSPECTIVA SOCIOCOGNITIVA DO

3.8 O conhecimento na vertente sociocognitiva

Na proposta sociocognitiva do discurso, deve-se destacar também a noção de conhecimento. Sob tal enquadre, conhecimento, assim como atitudes e ideologia, é forma de cognição socialmente compartilhadas.

A rigor, toda produção e compreensão do discurso requerem posse e ativação de um vasto conhecimento sobre o mundo, tanto em termos de um conhecimento genérico quanto de situações mais específicas. Em notícias sobre a greve da PM, em 2017 no Espírito Santo, por exemplo, jornalista-redator e público leitor precisam acionar conhecimentos compartilhados, a exemplo de “Polícia Militar tem a atribuição de garantir a segurança” ou “O governador, Paulo Hartung, estava em recuperação de um tratamento médico”. Porém, cada discurso também traz informações novas, o que é, aliás, uma das funções das notícias. Assim, os leitores podem atualizar seus conhecimentos. Todo uso da linguagem é, portanto, uma ação de ativar e atualizar modelos depositados na memória.

79 Esse conhecimento guardado – que são de diversos tipos e que estão em constante atualização – é compartilhado por diversos grupos que compõem a sociedade, acendendo a noção de comunidade epistêmica, aquela que compartilha determinados saberes. Dentro delas, mostra-se importante o papel das organizações epistêmicas, como universidades, empresas jornalísticas, laboratórios e academias, na reprodução, regulação e legitimação do conhecimento socialmente compartilhado. Isso coloca o conhecimento como um componente importante do controle, que se faz pelo discurso e que produz o controle das mentes. Essa aproximação entre discurso e conhecimento permite averiguar de que modo conhecimentos novos e common Ground (termo em inglês para designar conhecimento compartilhado em status de consolidado, estabilizado) são controlados pelo discurso.

Esta pesquisa admite, portanto, que o discurso é a maior fonte de conhecimento humano. Também admitimos que ele é capaz de se constituir em critérios de verificação e de validação. No caso específico de notícias jornalísticas, discursos que são objeto de nosso estudo, a mídia jornalística tem sido capaz de definir como verdade o que publica, ativando e reconfigurando modelos mentais do seu público. A existência de um conhecimento compartilhado é explicada por van Dijk (2016, p. 34) pela necessidade de sobrevivência. A evolução da nossa espécie se deveu, entre outros fatores, à interação cotidiana com elementos naturais e com o entorno social. Essa interação social é fruto de percepção fiável da situação e do contexto, de uma representação mental, a partir dos aparelhos cognitivos, dessas percepções e, por fim, de uma capacidade de uso da linguagem para comunicar essas informações a outros membros da comunidade epistêmica. Essas representações mentais são chamadas de crenças, que, em outras palavras, são percepções sobre si mesmo e sobre o entorno natural e social. A criação de uma representação mental não ocorre baseada em tentativa-e-erro, mas em critérios de fiabilidade: observação de repetição de situações ou escuta de relatos. Crenças fiáveis podem ser colocadas no status de conhecimento. Nas palavras de van Dijk (2016), conhecimento são

crenças compartilhadas por uma comunidade epistêmica e justificadas por critérios variáveis (epistêmicos) de confiabilidade histórica, contextual e culturalmente. (2016, p. 37. Tradução nossa15).

15 Texto original em espanhol: “... creencias compartidas por una comunidad epistémica y justificadas por criterios (epistémicos) de confiabilidad histórica, contextual y culturalmente variables.”

80 Essa confiabilidade se dá pelo discurso produzido em sociedade. É nesse sentido que organizações, como as empresas jornalísticas, representando elites simbólicas, são determinantes na ativação de modelos mentais, construindo e ressignificando crenças junto aos seus públicos. Se as experiências cotidianas dos membros da maioria das comunidades contemporâneas são permeadas pelo discurso jornalístico, ele pode funcionar como agente de fiabilidade, criando conhecimento social.

Nesse sistema de produção de conhecimentos, elementos muito presentes na proposta sociocognitiva do discurso, como crenças, conhecimento, atitudes, ideologia, norma e valores se relacionam de modo sistêmico, não autômato. Também se constituem de modo funcional e não estanque, encrustado, perene ou universal. Os grupos sociais desenvolvem crenças específicas quando possuem um conhecimento sociocultural genérico em comum em toda a comunidade (o que explica graus variados de preconceitos, por exemplo, em grupos distintos). Para tanto, o conhecimento social é a base de toda a cognição. Estamos falando, portanto, do sistema de cognição social, que inclui crenças, ideologias de grupos e atitudes de grupo. Ao afirmarmos que esse sistema é funcional, estamos admitindo que as pessoas fazem parte de diversos grupos e, dessa interação, constroem seus conhecimentos. Essa construção considera os diversos mecanismos de fiabilidade das crenças.

Este esquema, retirado da própria obra de van Dijk (2016, p.143), contribui para a compreensão do sistema cognitivo funcional, o qual explicaremos a seguir:

81 Quadro 8 – Arquitetura da cognição social (van Dijk, 2016)

A partir do quadro, pode-se afirmar que a experiência das pessoas constrói modelos pessoais de eventos, incluindo suas emoções e opiniões pessoais, que estão localizados na memória episódica. Mas a seta vertical de dupla indicação demonstra que isso é influenciado pelas atitudes e conhecimentos sociais de grupos. O pontilhado sinaliza a interface cognitiva entre as interações sociais e os modelos de eventos. As atitudes e conhecimentos de grupos influenciam e são influenciados pelas ideologias de grupos, que, nesta proposta, são as crenças sociais básicas de um grupo, positivas ou negativas, que definem cognitivamente identidades e valores. Essas ideologias são definidas por conhecimentos mais gerais, os socioculturais, portanto, conhecimentos mais estabilizados, que foram e são passados pelos critérios epistêmicos das comunidades. Também são definidores das ideologias as normas e valores de um grupo social.

Nesse sistema de cognição, as atitudes são importante categoria, porque elas se relacionam à aceitação ou não dos grupos. Elas são uma forma de crença socialmente

Modelos mentais pessoais de eventos

(inclusive opiniões e emoções) Memória episódica

Atitudes / Conhecimentos sociais de grupos

Ideologias de grupos Memória semântica

Conhecimentos genéricos / socioculturais

82 compartilhada sobre assuntos relevantes, devendo ser distinguida de opiniões pessoais. Elas se baseiam em esquemas gerais, como identidade de grupo, normas e valores. Para que qualquer assunto seja debatido, é preciso, de antemão, saber sobre o assunto. Por isso, são formas de cognição social representadas na Memória de Longo Prazo e compartilhadas por um grupo. Mas não podem ser confundidas com modelos mentais, como o de contexto, visto que as atitudes influem nos modelos, bem como nas opiniões.