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2.1. O DEVER DE VIGILÂNCIA E DE CAUTELA

2.2.1. O consentimento expresso e o consentimento tácito

Entre nós vigora o princípio da liberdade declarativa.239 Assim, o

consentimento relevante para excluir a ilicitude da lesão poderá ser expresso ou tácito, considerando-se como tal aquele que resulte de um comportamento concludente do lesado e que se reportem à específica e concreta lesão

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consentida240, para além de deduzir-se de factos que “com toda a probabilidade”

revelem tal consentimento (artigo 217º do CC). No caso de lesões causadas em práticas desportivas perigosas (boxe, artes marciais, râguebi ou futebol) é de considerar que a participação nelas envolve uma aceitação tácita e recíproca dos riscos de acidentes, pelo que, desde não haja atitudes dolosas e sejam respeitadas as regras do jogo, será excluída a ilicitude da lesão.241 . Neste

sentido, aplicar-se-á também a restrição do artigo 340º n.2 do CC pelo que não haverá exclusão da ilicitude se o jogo praticado for ilegal ou contrário aos bons costumes.242 Haverá, portanto, uma efetiva formação e manifestação de

vontade, ao invés do que sucede com o consentimento presumido (artigo 340º n.3 do CC), que é ficcionado em função das circunstâncias concretas e da vontade hipotética do lesado, no quadro de idênticas circunstâncias. Uma vez que o consentimento tácito pressupõe uma conduta concludente, torna-se irrelevante uma vontade contrária.243

Há alguns casos, na legislação portuguesa, em que se exige um consentimento expresso, ou explícito, afastando-se, pois, a regra geral que admite o valor declarativo das declarações tácitas. O Autor MANUEL DE

ANDRADE244refere que “quando a lei obriga a uma declaração expressa parece

240 ALMEIDA,CARLOS FERREIRA,Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 1992, pp. 704 e

ss., Afirma o Autor que “o critério adotado para a distinção entre o expresso e o tácito baseia-se pois na avaliação objetiva da finalidade do enunciante, isto é, na compreensão dessa finalidade segundo os cânones definidos pelos artigos 236º e ss..” Não se estranhe o facto de se estar a aplicar as normas relativas aos negócios jurídicos ao consentimento (tolerante) que, como vimos, é um simples ato jurídico. O artigo 295º do CC permite este método, na medida em que analogia das situações assim o justifique, até porque estamos perante quase negócios jurídicos.

241 VARELA,JOÃO DE ANTUNES, Das Obrigações em Geral, I,10ºedição, Coimbra, Almedina, 2000, p. 562, e ALMEIDA

COSTA,MÁRIO JÚLIO, Direito das Obrigações, 12º edição, Coimbra, Almedina, 2009, p.577-578. A exclusão da ilicitude não ocorre sempre que a lesão seja intencional (exemplo: jogador de futebol que atinge deliberadamente a perna do adversário) ou praticada com violação das regras do jogo (exemplo: jogador de boxe que aplica ao adversário golpes não permitidos.

242 Pense-se, por exemplo, na prática de um duelo ou da roleta russa.

243 PINTO,CARLOS ALBERTO MOTA,Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 421 e ss., afirma

que a assimilação do consentimento tácito ao expresso (artigo 217º) tem um equivalente em direito penal através da chamada “teoria da direção da vontade”, segundo a qual o que importa não é a declaração ou manifestação da vontade, mas a existência de uma direção da vontade no sentido do consentimento, independentemente da forma por que ela se manifesta. Sobre o problema do consentimento na esfera penal, cfr.COSTAANDRADE,MANUEL,Consentimento e Acordo em Direito Penal (Contributo para a fundamentação de um paradigma dualista), Coimbra, 1991.

244 ANDRADE,MANUEL DOMINGUES DE,Teoria Geral da Relação Jurídica, Vols. I e II, 7º reimp., Coimbra, Almedina, 1987,

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de entender que ela quis referir-se a uma declaração tanto quanto possível inequívoca – a uma declaração que se preste a poucas dúvidas, a uma declaração explícita e segura.” A prestação de um consentimento expresso significa, a obtenção de uma manifestação de vontade inequívoca decorrente da declaração correspondente do agente que pretende consentir, através de um meio direto e explícito.245

O legislador impõe este tipo de declaração nos casos de intervenções médicas mais graves, por exemplo, que correspondem, em grande parte, a intervenções não terapêuticas, ou que se revestem de riscos graves ou de possíveis consequências laterais muito desvantajosas. O legislador privilegiou, pois, a segurança jurídica, como instrumento de reflexão, decisão amadurecida e de prova fácil. Existem certas atividades desportivas onde os organizadores de determinado evento permitem que os praticantes declarem o seu consentimento expresso para realizar determinada atividade, assacando, assim, qualquer tipo de responsabilidade (por exemplo: canyoning, bungee jumping).

245 “A declaração é expressa quando feita por palavras, escrito ou quaisquer outros meios diretos, frontais, imediatos de

expressão da vontade e é tácita quando do seu conteúdo direto se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um autorregulamento sobre outro ponto, em via oblíqua, mediata, lateral”, cfr. PINTO,CARLOS ALBERTO MOTA,Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 425.

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CAPÍTULO III

O seguro desportivo obrigatório nas atividades desportivas

§ 3 – O seguro desportivo obrigatório nas atividades desportivas. 3.1. O contrato de seguro

(breve introdução). 3.2. Seguro Desportivo Obrigatório - Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro. 3.3. Âmbito de cobertura do seguro desportivo e produção de efeitos. 3.4. Os principais seguros obrigatórios na atividade desportiva. 3.5. A não contratualização do seguro desportivo obrigatório – o incumprimento do dever de segurar e a Responsabilidade das federações desportivas face ao sinistrado

§ 3 – O seguro desportivo obrigatório nas atividades desportivas

O desporto é uma atividade predominantemente física, exercitada com carácter competitivo. Cobrir os riscos, através da instituição do seguro obrigatório, é uma necessidade absoluta para a segurança dos praticantes.

Esta necessidade levou à instituição da obrigatoriedade de existência de seguros desportivos, com regimes diferenciados consoante se trata de desporto federado em geral ou de desporto profissional, atendendo que este segundo envolve uma responsabilidade de âmbito mais alargado, comungando características com o seguro de acidentes de trabalho.

Neste capítulo, iremos desenvolver toda a concetualização que gira em volta da temática do seguro desportivo, desde a sua obrigatoriedade ao seu

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incumprimento, ressalvando que as federações desportivas, enquanto entidades reguladoras das modalidades e competições desportivas, desempenham um papel fundamental no controlo e garantia da existência de seguros adequados aos praticantes desportivos sob a sua jurisdição. Por último, referir que o regime do seguro desportivo tem ainda em consideração a circunstância de que a proteção dos praticantes, sendo um dever das entidades promotoras do desporto, é do interesse especial do cidadão desportista e, como tal, reveste natureza de questão de interesse público.

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