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2 CONSTRUTIVISMO E HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: ESCOLHAS

2.2 O CONSTRUTIVISMO RADICAL

O construtivismo, de acordo com von Glasersfeld (1994), é uma teoria do conhecimento que afirma que o sujeito só pode conhecer aquilo a que sua experiência teve acesso, ou seja, aquilo que ele mesmo construiu a partir de sua experiência. Sua posição construtivista é radical porque rompe com a tradição filosófica ocidental, para a qual o conhecimento deve ser uma cópia da realidade que existe independente do sujeito.

Segundo von Glasersfeld (1994, 1996), a tradição filosófica, em especial o realismo metafísico, sempre esteve de acordo quanto ao conceito de verdade, que vincula ao de validade objetiva. Isso quer dizer que o que aprendemos só seria considerado verdadeiro se correspondesse a uma cópia fiel da realidade objetiva. Mas o construtivismo é uma teoria do conhecimento que se contrapõe a epistemologia tradicional e, portanto, muda o conceito de conhecimento. Assim,

para os construtivistas, a palavra conhecimento refere-se a um bem que é radicalmente diferente da representação objetiva de um mundo independente do observador que a corrente principal da tradição filosófica tem buscado. Ao contrário, o conhecimento se refere a estruturas conceituais que, dada a variedade de experiência atual dentro de sua tradição de pensamento e linguagem, agentes epistêmicos consideram viáveis. (VON GLASERSFELD, 2005, p. 28, tradução nossa).

Segundo von Glasersfeld (2005), existe uma ilusão quando se fala da representação de uma realidade que existe fora de nossa interface pessoal. Por isso, o construtivismo dá lugar a um novo modo de relacionar o conhecimento com a realidade, que não implica uma cópia, mas um encaixe, uma adaptação da realidade (experienciada pelo sujeito) e o conhecimento. Dessa forma, o construtivismo muda o conceito de conhecimento porque muda a relação entre o conhecimento e a realidade e entre o conhecimento e a verdade. O conhecimento deixa de ser entendido como verdadeiro porque representa a imagem de uma realidade que existe objetivamente, ou independente do conhecedor, e diz respeito a “[...] modos de condutas e pensamentos que encaixam [...]” (VON GLASERSFELD, 1994, p. 44, grifo do autor).

Como vimos, diferentemente da epistemologia tradicional, o conhecimento, na teoria construtivista, tem uma função adaptativa. Para o construtivismo radical, a função da cognição é, portanto, de organizadora da nossa realidade experiencial. A cada nova

experiência, ou ela se encaixa nas estruturas já existentes no sujeito (assimilação), ou quando ela não se encaixa (isto é, gera uma perturbação) modificam-se as estruturas para recebê-la (acomodação). Geralmente, nesse contexto, fala-se de interação sujeito-objeto. Entretanto, von Glasersfeld (1998, p. 21) nos alerta para que não pensemos que é possível interagir com objetos como eles realmente são, uma vez que o que temos é um sujeito cognitivo “[...] lidando com estruturas perceptivas e conceituais anteriormente construídas”.

Trazido da biologia, a adaptação tornou-se um conceito fundamental para o construtivismo. No contexto evolutivo, o termo adaptação é utilizado para caracterizar a capacidade de um organismo ou espécie de sobreviver em um dado ambiente. A natureza não seleciona o mais apto como normalmente se diz, mas deixa viver aqueles que possuem as características necessárias para lidar com o meio em que vivem. Von Glasersfeld (2005) afirma que essa interpretação e seu vocabulário são essenciais para uma compreensão adequada da teoria piagetiana da cognição. O conhecimento, a partir dessa interpretação, é uma rede de estruturas conceituais que estão adaptadas (são viáveis) ao mundo da experiência do sujeito. Os termos adaptação e viabilidade caminham para o estabelecimento do equilíbrio interno, como sendo um estado no qual as estruturas conceituais estão de acordo consigo e com as novas experiências do sujeito.

Nesse sentido, o conhecimento é viável por coordenar o mundo experiencial do sujeito. O conhecimento, no construtivismo radical, tem uma função instrumental porque serve para que o sujeito explique e controle suas experiências, tanto no nível sensório-motor quanto no nível conceitual.

Faz-se necessário destacar que as raízes do construtivismo, de acordo com von Glasersfeld (1994, 1995, 1996), remontam à Grécia Antiga. Notadamente, numera quatro fontes como as responsáveis pela fundamentação do seu modelo teórico – o construtivismo radical –, que são: a obra dos céticos, de Vico e de Kant, bem como a teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget. Considera, porém, que as ideias construtivistas tiveram como precursor o filósofo italiano Giambattista Vico, que, em 1710, compreendia que os sujeitos, enquanto agentes do pensamento, não podem conhecer nada além das estruturas cognitivas construídas por eles mesmos, isto é, o conhecedor humano só pode conhecer aquilo que ele mesmo construiu.

Para von Glasersfeld (1996), porém, é somente a partir da teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, que o construtivismo radical formula os seus princípios fundamentais:

1 O conhecimento não é recebido passivamente nem pelos sentidos nem por meio de comunicação; o conhecimento é construído ativamente pelo sujeito cognitivo. 2 A função da cognição é adaptável, no sentido biológico do termo, tendendo para a adaptação ou viabilidade; a cognição serve à organização do mundo experiencial do sujeito, não à descoberta de uma realidade ontológica objetiva. (VON GLASERSFELD, 1996, p. 97).

Vale lembrar que, para von Glasersfeld (1996), aceitar o primeiro princípio não nos torna um construtivista radical, uma vez que ele não consegue se livrar de todos os problemas que incorrem à epistemologia tradicional. Para romper com a tradição, é necessário aceitar o segundo princípio, especialmente o segundo ponto. Se se quer ser um construtivista radical, na opinião de von Glasersfeld (1996), devemos saber que o mundo que o sujeito tem acesso é o seu mundo experiencial, que nada tem a dizer sobre a realidade das coisas em si, existentes independente do sujeito.

Segundo von Glasersfeld (1996), quando falamos do campo experiencial do sujeito, precisamos levar em conta o componente social, pois ao lidarmos com o mundo, temos contato com outras pessoas, sendo necessário, portanto, pensar um modelo de como conceituamos os outros enquanto objetos da nossa experiência. Assim, após expormos a posição construtivista radical que evidencia que todo conhecimento é subjetivo, e ressaltarmos a questão do outro, parece que entramos em contradição, como pontua von Glasersfeld (1996). Ele observa, porém, que, ao contrário, a construção da ideia de outro, embora seja individual, nos fornece uma compreensão maior da realidade experiencial do sujeito.

Para embasar sua argumentação, traz a ideia de Kant de que se vemos o outro como um ser pensante como nós, atribuiremos a ele as mesmas capacidades que temos. Ou seja, tomaremos como base nossos esquemas de ação para caracterizar as ações dos outros. Nesse sentido, se tivermos conseguido predizer a ação do outro, isto é, se a ação do outro corroborou com nosso pensamento, teremos chegado ao que von Glasersfeld (1996) chama de segundo nível de viabilidade. Portanto, fomos capazes de observar a viablidade do nosso conhecimento a partir da ação do outro, o que nos “ajuda a fortalecer a realidade que temos construído para nós mesmos”. (VON GLASERSFELD, 2005, p. 38).

Von Glasersfeld (2005) nos lembra sempre que quem constrói os conceitos são os sujeitos individuais e que o conceito de outro também é construído pelo indivíduo, com base na sua própria experiência. Porém, observamos se os nossos conhecimentos são válidos para os outros. Na maioria das vezes, isso ocorre através da comunicação linguística.

Do ponto de vista construtivista, as estruturas conceituais construídas pelos indivíduos não podem ser transferidas através da linguagem. Os sinais que emitimos através da fala ou através da escrita não transmitem significados, mas formam juntos (sinais e significados) um código do sistema de comunicação, que é particular ao indivíduo. Von Glasersfeld (2005, p. 42) admite, portanto, a subjetividade do significado linguístico, pois “não podemos manter a noção preconcebida de que as palavras comunicam ideias ou conhecimento”. As palavras e os siginificados atribuídos a elas, dizem respeito às experiências particulares do sujeito.