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O CONSUMO E A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA SOCIEDADE POLÍTICA:

No documento Download/Open (páginas 196-200)

O consumo e a produção de significados na sociedade política: concepções

sobre desenvolvimento, agricultura e reforma agrária nos planos

econômicos e projetos de reforma agrária

De acordo com Roger Chartier, uma dicotomia que vem caindo é entre produção intelectual e consumo, já que ao consumir uma obra, as pessoas produzem representações nunca idênticas às do seu produtor (Chartier, 2002, p.52). Assim, as obras somente adquirem sentido através de estratégias de interpretações, sendo a do autor apenas uma possível, o que viabiliza a construção de diferentes significados e de novos textos, a partir das expectativas, das competências, dos hábitos dos leitores e de como o texto for apresentado para eles (Chartier, 2002, p.251).

Por isso, o controle da significação e a imposição do sentido são questões fundamentais das lutas políticas e sociais, e um instrumento de dominação simbólica daqueles que detêm o poder da escrita e\ou daqueles que possuem o poder sobre a escrita (Chartier, 2002, p.252-254).

De acordo com Sirinelli, é fundamental analisar a assimilação das ideias intelectuais na sociedade civil e também na sociedade política (Sirinelli, 2003, p.259-262). Ou seja, a responsabilidade social do intelectual na construção de significados e ideologias, que por fim são determinantes para as disputas hegemônicas de projetos de desenvolvimento.

Essa terceira parte do trabalho tem o objetivo de observar o “consumo” das ideias de Furtado e Campos na esfera estatal. Primeiramente, apresentaremos os planos econômicos desses intelectuais como ministros e os projetos de reforma agrária desenvolvidos, assim como as discussões acerca da reforma agrária nos movimentos sociais e partidos políticos.

3.1 – Análise comparada: Plano Trienal e PAEG

Para essa etapa, utilizamos o Plano Trienal, divulgado pelos Arquivos Celso Furtado em sua forma completa, enquanto que em relação ao PAEG somente conseguimos ter acesso à

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fonte divulgada na época, ou seja, a sua síntese. Faremos assim uma exposição estruturada como a do segundo capítulo, entendendo ser a melhor forma de promover a comparação entre os dois planos. Ressaltamos que o foco é observar o papel da questão agrária nesses planos e, em segundo, o da questão agrícola.

Plano Trienal

De acordo com Furtado, o Plano Trienal tinha o desafio de mostrar aos monetaristas, principalmente ao FMI, que era possível estabelecer crescimento econômico com relativa estabilidade. O objetivo do plano era reorientar os gastos públicos para objetivos sociais, mesmo assim, atraindo investimentos e diversificando as exportações. A meta era sustentar a demanda efetiva para formar um nível de poupança responsável por reaquecer a economia. O déficit do setor público exigia uma reforma fiscal. Eram também necessárias medidas de estabilização da moeda para que pudessem renegociar a dívida externa, possibilitando novas importações (Plano Trienal, 2014, p.351-352).

Objetivamente, o plano visava: 1) assegurar uma taxa de crescimento da renda nacional em 7% ao ano, correspondente a 3,9% de crescimento per capita; 2) reduzir a pressão inflacionária e o incremento dos preços em 1963 para a metade do observado em 1962; 3) distribuir renda com aumento dos salários reais; 4) investir em pesquisas científicas, tecnológicas e de saúde pública; 5) reduzir as disparidades regionais a partir de estudos sobre os recursos naturais de cada região; 6) eliminar os entraves institucionais de determinados setores, como a estrutura agrária, “cuja transformação deverá ser promovida com eficiência e rapidez”; 7) encaminhar soluções para o refinanciamento da dívida externa; 8) assegurar ao governo uma unidade de comando sobre agências que compõem as diretrizes do plano (Plano Trienal, 2011, p.350-351).

O plano então vislumbrava um montante de investimentos no setor público, enquanto ao setor privado o Estado serviria de suplemento quando necessário, sendo fundamental uma unidade entre autoridades fiscais e monetárias a partir de uma reforma bancária, administrativa e fiscal (Plano Trienal, 2011, p.45-46). A alta inflação da década de 1960 sobrecarregava o Estado, devido aos subsídios fornecidos aos serviços públicos que mantinham os preços congelados, gerando aumento da pressão inflacionária. Contudo – e nessa passagem parece que Furtado dá uma resposta às convicções liberalizantes sobre as taxas públicas, difundida constantemente por Campos –, a eliminação dos subsídios estatais “serviria apenas para institucionalizar o esquema de distribuição de renda atual com seu

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profundo sentido antissocial”, sendo então necessária uma reforma fiscal que aumentasse, progressivamente, os impostos para os grupos de alta renda (Plano Trienal, 2011, p.69-70).

Como causa dos déficits do Estado, o documento apresenta que modificações na política cambial nos anos JK – que ocorrera em 1957 a partir da reforma aduaneira, como apresentamos –, diminuíram os recursos destinados ao Estado, justamente em um período de grandes gastos públicos. Isso, somado a falta de uma reforma fiscal, sobrecarregou o Estado, resultando em aumento das pressões inflacionárias (Plano Trienal, 2011, p.71-72).

O planejamento deveria atuar indiretamente no setor privado, com projeções de taxa de crescimento para identificar o provável comportamento do mercado para cada ramo produtivo. Além de viabilizar crédito, “mediante entendimentos diretos das autoridades de planejamento com as associações de empresários poder-se-á discutir a política a seguir a fim de que os investimentos se comportem de maneira a não frustrar os objetivos do plano (...)”. No setor de base, “a ação do setor público visa assegurar que certos objetivos sejam efetivamente alcançados e que as decisões sejam tomadas oportunamente, a fim de reduzir o mais possível as tensões internas” (Plano Trienal, 2011, p.75).

Dessa forma, o plano de Furtado apresenta duas funções do Estado: uma como

planejador, no intuito de estabelecer critérios aos investimentos privados, juntamente com os

empresários, e como fornecedor da base, para diminuir os desequilíbrios internos. Observamos no primeiro exemplo a ideia de comportamento e no segundo a ideia de

segurança. Tanto uma como a outra se associam às convicções de disciplinamento em prol da ordem. Assim, corroboramos a convicção de Oliveira (1977) de que o planejamento tem a

função de minimizar os atritos provenientes da luta de classes para formar excedentes concentrados nos setores monopolistas do capital.

Sobre a agricultura, o plano estimava a produção que elevaria o crescimento anual per

capita da oferta de alimentos de 2,6%. Além disso, o aumento das exportações também é

tratado como importante para aumentar as divisas para importação e refinanciamento da dívida, dos atrasos comerciais e dos financiamentos (Plano Trienal, 2011, p.47-48).

Mesmo assim, essa preocupação não se traduziria em grandes investimentos, já que, na projeção 1963-65, a agricultura ficaria responsável por 8,4%, valor baixo em relação aos transportes (29%), às indústrias de transformação (18,6%), à energia elétrica (13,7%) e à construção residencial (12,4%). Já em relação à importação de equipamentos, os setores mais

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contemplados seriam as indústrias de transformação (40%), energia elétrica (39%) e petróleo (40%), ficando a agricultura em quarto, com 33%. A projeção de crescimento do produto real na agricultura entre os anos de 1960 e 1965 também era modesta, 18,1%, se comparada à da indústria (37,4%), comércio (26,7%) e transportes e comunicações (28,8%) (Plano Trienal, 2011, p.90-95).

A contribuição média real da agricultura para a economia, entre os triênios 1957-59 e 1959-61, foi de 23,8% e 20,2%. De acordo com o plano, como a demanda por produtos primários era inelástica, esse desequilíbrio deveria ter sido suprido pelo impulso que a demanda gerasse no setor. No entanto, existia uma rigidez na produção agrícola causando aumento dos preços acima dos industriais. O plano confirma esse fato apresentando uma tabela, identificando que entre 1956 e 1960 a disparidade entre preços agrícolas, principalmente destinados para o mercado interno, se intensificou. A indústria teve um aumento médio anual de 10,4% a partir de 1955, enquanto a produção de alimentos foi de 4,3% (Plano Trienal, 2011, p.296-299).

PAEG

Na primeira frase da apresentação do programa, Campos fez um ataque ao desenvolvimentismo. De acordo com ele:

Há dois modos bem distintos de encarar o processo de desenvolvimento econômico. O primeiro vê tudo em termos de intensificação do ritmo de formação física de capital, envolvendo assim um certo grau de ilusão mecanicista. O segundo encara o desenvolvimento como um processo através do qual os agentes econômicos, consumidores e empresas, adequadamente motivados, aprendem a mobilizar de forma eficiente os recursos materiais e humanos, para realizar o potencial máximo de crescimento do produto real da comunidade (PAEG, 1964, p.5).

Campos ressalta a criação do Conselho Consultivo de Planejamento, por Castello Branco, que incluía representantes das diferentes classes sociais e entidades. Por isso, o plano se caracterizava, de acordo com o autor, como “uma fórmula bem sucedida de planejamento democrático: rigor científico, bom senso e participação da comunidade” (PAEG, 1964, p.6).

A ação governamental pelo planejamento devia assegurar a maior eficiência possível ao funcionamento da economia de livre empresa, na “criação da ordem dentro da qual operará aquilo que se convencionou chamar de „forças do mercado‟, de maneira compatível com a distribuição de renda desejada e a meta pragmática da maximização da taxa de desenvolvimento econômico”. Isso porque, em países subdesenvolvidos o “livre jogo das forças de mercado” não levava à alocação dos recursos nos setores necessitados, sendo

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fundamental a ação estatal complementar. Era papel do plano indicar investimentos privados a serem amparados pelos setores, programar investimentos a serem executados pelo governo federal, programar o orçamento fiscal, os recursos públicos, as operações das autoridades monetárias e os instrumentos de ação indireta do governo sobre o setor privado, como a política tributária, creditícia, cambial e a legislação econômica. O plano deveria atuar como um programa de ação de coordenação do governo, sendo as projeções globais de caráter meramente indicativo (PAEG, 1964, p.13-14).

Objetivamente, o plano visava: 1) acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico interrompido em 1962-63; 2) conter o processo inflacionário nos anos 1964-65 e alcançar uma relativa estabilidade em 1966; 3) atenuar os desníveis econômicos setoriais e regionais e às tensões criadas pelos desequilíbrios sociais; 4) assegurar oportunidades de emprego; 5) corrigir a tendência aos déficits descontrolados do balanço de pagamentos, por uma política cambial que valorizasse as exportações; 6) disciplinar o consumo e as despesas públicas, aumentando a capacidade de poupança; 7) promover uma política tributária; 8) orientar melhor os investimentos privados, na intenção de diminuir as disparidades regionais e setoriais; 9) promover uma política monetária que visasse à estabilização dos preços, porém, evitando a retração produtiva, uma política bancária que fortalecesse o sistema de crédito e uma política de investimentos públicos, de modo a fortalecer a infraestrutura econômica e social necessária às inversões privadas (PAEG, 1964, p.15).

Assim, entendemos que a concepção de planejamento tanto do Plano Trienal quanto do PAEG era de retorno à ordem econômica de acumulação capitalista maximizada, que tinha ganhado ímpeto no governo JK e que passava pela crise nos anos 1960, acrescentando a estabilidade. No entanto, ressaltamos que o PAEG fazia questão de frisar preceitos econômicos liberais, como as “forças do mercado”, inexistentes no Plano Trienal. Dessa forma, entendemos que para o segundo o planejamento era bem mais “indicativo” para a iniciativa privado do que o primeiro. Como já vimos, os resultados do PAEG resultaram na liberalização de diferentes setores da economia.

Além dessas políticas, era fundamental a restauração do crédito no exterior para aliviar as pressões de curto prazo sobre o balanço de pagamentos e desenvolver uma política de estímulo ao ingresso do capital estrangeiro, de cooperação técnica e financeira com agências internacionais, com outros governos, “e em particular, com o sistema multilateral da Aliança para o Progresso” (PAEG, 1964, p.16).

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