• Nenhum resultado encontrado

Para compreender as trajetórias das entrevistadas, as opressões e o papel dos coletivos, considera-se importante compreender o contexto da universidade em que se inserem. A Universidade Federal de Lavras, em que os coletivos pesquisados se encontram, consolidou-se historicamente pela ênfase na área das Ciências Agrárias, e está posicionada como a terceira melhor universidade de Minas Gerais e como a nona melhor do Brasil, considerando- se dados de 2015, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (BRASIL, 2017; UFLA, 2018).

Atualmente a universidade possui 31 cursos de graduação presenciais e 5 cursos de graduação a distância. Em relação a programas de pós-graduação, possui 33 acadêmicos – mestrado e doutorado – e 9 mestrados profissionais (UFLA, 2018).

As formas de ingresso nos cursos de graduação na universidade são através do Processo Seletivo de Avaliação Seriada, processo no qual o candidato é avaliado em três etapas consecutivas, uma ao final de cada ano do Ensino Médio; Sisu; processo seletivo por vestibular para os cursos de graduação, modalidade à distância; transferência externa para estudantes regularmente matriculados em cursos presenciais ou à distância de outras instituições de ensino

superior credenciadas pelo MEC e atendendo a alguns requisitos; programa de estudantes com convênios para estudantes estrangeiros (UFLA, 2018).

A UFLA possui programas institucionais de bolsas socioeconômicas; auxílio creche e auxílio financeiro emergencial; moradia estudantil; restaurante estudantil; assistência médica, odontológica e psicológica; bolsas de ensino e aprendizagem; iniciação científica; extensão e cultura; desenvolvimento institucional; entre outros editais e programas que podem ser pleiteados pelos estudantes.

Em 2011, pela primeira vez, o número de mulheres ingressantes na graduação da UFLA ultrapassou o de homens (JORNAL UFLA, 2017). Vale ressaltar que apenas quarenta anos depois da criação da universidade em questão, em 1948, que houve o ingresso da primeira estudante (JORNAL UFLA, 2017). Ainda assim, a participação das mulheres nos cursos permaneceu tímida até o final da década de 1960 (JORNAL UFLA, 2017).

Uma pesquisa realizada na UFLA sobre o ingresso de mulheres e homens nos cursos de graduação oferecidos pela universidade revela que é possível perceber um maior número de mulheres matriculadas em cursos com inclinação ao cuidado e à educação que historicamente são mais associados às atividades ditas femininas, como pedagogia, nutrição, enfermagem, cursos de licenciatura (PORTAL UFLA, 2019). Nos cursos das áreas de exatas e engenharias, o número de homens é predominante (PORTAL UFLA, 2019). Além disso, apesar de as mulheres estarem entrando em maior número na universidade em relação aos homens é preciso fazer a ressalva de que as mulheres brancas estão entrando em maior número, não as mulheres negras (PORTAL UFLA, 2019).

Em maio de 2017, a universidade formalizou sua adesão ao “Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos”, que tem o objetivo de colaborar para a construção da cultura da paz e do respeito às diversidades nas Instituições de Educação Superior (IES)11. As instituições que aderem ao Pacto assumem compromissos como a elaboração de um plano formal de atuação, como exemplo a recepção realizada para os estudantes ingressantes no período letivo 2017/1, que teve oficinas com foco nos assuntos “gênero e sexualidade”, “africanidades e educação”, “gêneros e relações de trabalho”, “cotas raciais nas universidades brasileiras”, “literaturas africanas em língua portuguesa” e “enfrentamentos às violências sexuais nas infâncias”.

11 Cf. <http://www.ufla.br/dcom/2017/05/08/ufla-adere-ao-pacto-universitario-pela-promocao-do-

Porém, a fragilidade das práticas voltadas para a questão de gênero e de diversidade no âmbito da universidade foi reforçada em dois eventos ocorridos em 2016 e 2018. No primeiro, um aluno foi barrado por seguranças na entrada da instituição por estar usando saia, no primeiro semestre de 2016. O reitor da universidade disse que a ação dos seguranças foi preventiva, pois “a pessoa veio fora de um padrão considerado por ele razoável observando as normas e, portanto, ele de uma forma extremamente cortês considerou que aquilo ali não era uma vestimenta adequada”. Além disso, anunciou que a universidade iria trabalhar para que as pessoas que tenham como opção se vestir de tal forma fossem cadastradas (G1 SUL DE MINAS, 2016). O fato gerou protesto dos estudantes, condenando a censura que foi realizada. Os estudantes promoveram, desta forma, um “saiaço”, que foi um protesto que começou na portaria da universidade e seguiu para a reitoria. Todos os manifestantes usaram saias com o objetivo de questionar a ação dos seguranças e a postura da universidade12. Como parte das manifestações foram realizadas palestras e debates para discussão de assédio e machismo na instituição13.

No primeiro período letivo de 2018, para integrar os ingressantes à rotina acadêmica, a Pró-Reitoria de Graduação (PRG) promoveu uma Recepção de Calouros, que constituía em sua programação reuniões entre estudantes, coordenadores de curso e membros da PRG; encontro com o reitor; oficinas; atividades do Diretório Central dos Estudantes (DCE); e trote solidário14. As oficinas ofertadas pela Coordenadoria de Assuntos de Diversidade e Diferenças (CADD) com temas como “Gênero e Sexualidade”, “Gênero e Trabalho”, “Questões de Gênero”, “História da Lutas do Movimento LGBT”15 geraram interpretações equivocadas divulgadas em

mídias sociais por algumas pessoas, classificando o evento como posicionamento de esquerda radical, causando distorções e confundindo a população, o que levou a universidade a divulgar

12 Cf. <https://www.otempo.com.br/cidades/estudante-%C3%A9-barrado-na-entrada-da-universidade-

federal-por-usar-saia-1.1293163> e <http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,universidade-tem- protesto-apos-estudante-ser-barrado-por-usar-saia,10000049537>. Acesso em: 9 maio 2018.

13 Cf. <http://www.adufla.org.br/site/?p=2174 >. Acesso em: 9 maio 2018.

14 Cf. <http://www.ufla.br/dcom/2018/03/02/ufla-divulga-programacao-de-recepcao-de-calouros-2018-

1-confira/>. Acesso em: 9 maio 2018.

15 Cf. <http://www.ufla.br/dcom/wp-content/uploads/2018/03/Programa%C3%A7%C3%A3o-

duas notas de esclarecimento sobre as atividades16. A repercussão da oferta das oficinas revela que não apenas a universidade é um espaço ainda nebuloso para as questões de gênero e diversidade, mas que a sociedade é dominada por preconceitos, ignorando em grande parte o significado da expressão direitos humanos.

Os episódios ocorridos mostram que a universidade ainda passa por mudanças, com transformações de seu contexto, de sua postura, novos cursos sendo criados, entre outros. Por estar em um processo, ela ainda é permeada pela colonialidade, pelo patriarcado, pelo machismo e por conflitos relacionados à democratização do acesso à educação, à produção da pesquisa e às relações da universidade com a sociedade. É neste cenário que surgem diferentes mobilizações de mulheres, sejam elas estudantes, professoras ou funcionárias da instituição que se engajam na luta feminista em prol de mudanças e transformações no cenário universitário em questão. O próximo tópico discute a construção da identidade das mulheres e dos coletivos feministas na UFLA.