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O contexto de um problema multidimensional em crescimento

1. INTRODUÇÃO

1.1 O contexto de um problema multidimensional em crescimento

A necessidade de intervenção sobre os resíduos é uma prioridade na sociedade moderna. Se, por um lado, a quantidade de resíduos produzida anualmente não pára de aumentar, podendo provocar uma notória poluição visual se amontoados indiscriminadamente, por outro, os resíduos podem ter implicações no ambiente e na saúde das pessoas que inadvertidamente entraram em contacto com eles.

Os resíduos perigosos tornaram-se um problema de Saúde Ambiental quando se descobriu, na segunda metade do século XX, que a saúde podia ser afectada por resíduos químicos. Estes eram oriundos da manufactura de muitos novos produtos, feitos de produtos químicos após a Segunda Guerra Mundial – desde novos tecidos, desodorizantes, pastas de dentes e recipientes plásticos a novos medicamentos, pesticidas, fertilizantes e outros.

O primeiro aviso do perigo dos resíduos perigosos vinha do Japão, quando, nas décadas de 1950 e 1960, centenas de pessoas ficaram paralisadas, deficientes ou morreram por terem ingerido peixe contaminado com mercúrio que tinha sido lançado na baía de Minamata por uma fábrica de produtos químicos.

No final da década de 1970, o aviso provinha dos Estados Unidos da América. Muitas pessoas, numa área residencial do Estado de Nova Iorque, estiveram expostas a uma mistura perigosa de compostos químicos, que estavam a infiltrar-se nas suas piscinas e caves. Uma empresa fizera uma descarga de mais de vinte mil toneladas de resíduos químicos entre 1940 e 1950 num canal abandonado das redondezas. O desastre de Love Canal resolveu-se com a colocação de uma “parede” de barro e plástico à volta dos resíduos tóxicos enterrados.

Posteriormente, outros desastres ocorreram, com graves repercussões na saúde das populações. A produção de resíduos tem crescido, registando-se a existência de movimentos sociais, ao nível local, onde as populações se revelam imbuídas de uma aversão ao aparecimento de incineradoras e aterros. Nos últimos anos, tem sido intensivo o debate na comunicação social sobre a

incineração de resíduos perigosos. Nunca a sociedade teve uma consciência tão clara dos problemas relacionados com os resíduos – a sua invasão dos solos, das águas, dos alimentos, do ar, em suma, as suas repercussões no ambiente e na saúde dos indivíduos e das populações.

Mas os resíduos têm também um valor económico e constituem um recurso que pode, por si só, criar novas indústrias e serviços, novos mercados, mais empregos estruturais em toda a pirâmide socioeconómica – desde o emprego não qualificado à mais sofisticada investigação científica.

O aumento dos resíduos é também um sinal evidente da modernidade associada à sociedade de consumo. A curva do aumento da produção de resíduos acompanha de forma paralela a curva do aumento do consumo. Os produtos descartáveis, que são usados por um breve período de tempo e depois deitados fora, tornaram-se usuais, assim como os artigos que depressa passam de moda. Pode assim afirmar-se que os resíduos constituem um indicador sanitário, económico e social.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro, os resíduos são classificados em: resíduos urbanos, resíduos industriais, resíduos hospitalares e em outros tipos de resíduos. Este Decreto-Lei define resíduos hospitalares e adopta a classificação de resíduos perigosos, estando estes presentes em cada uma das categorias anteriores (DECRETO-LEI n.º 239/97, de 9 de Setembro).

A quantidade de resíduos hospitalares gerados em Portugal não representa um problema em termos de gestão, comparativamente a outros tipos de resíduos, como sejam os dos resíduos urbanos, dos resíduos industriais e mesmo dos resíduos do sector agrícola (PERH, 1999; LEVY, 2002).

Trata-se mais de um problema relacionado com o seu risco real e até com a percepção de risco, dado tratar-se de resíduos gerados na prestação de cuidados de saúde e, portanto, com acentuada especificidade dada a sua natureza, diversidade, perigosidade e grau de risco (PERH, 1999).

As estimativas apontam para que cerca de 10 a 20 % dos resíduos produzidos nas unidades prestadoras de cuidados de saúde (upcs) sejam infecciosos (PRUSS, GIROULT e RUSHBROOK, 1999). Contudo, estes valores podem variar grandemente consoante as classificações adoptadas.

Anteriormente a 1990, os resíduos hospitalares, contaminados ou não, eram recolhidos pelos municípios e enviados para lixeiras. Apenas existiam normas gerais sobre a gestão de resíduos hospitalares, nomeadamente o tratamento, definidas pela Circular Normativa n.º 23/87, de 2 de Maio, da extinta Direcção- Geral dos Hospitais.

A partir de 1990, por força da publicação do Despacho n.º 16/90, de 21/08, alguns hospitais, únicas upcs aí contempladas, começaram a separar e a arrumar os resíduos contaminados em sacos próprios, cujo destino passou a ser os sistemas de incineração de resíduos hospitalares que entretanto os hospitais optaram por instalar, enquadrados pelos dispositivos legais então existentes.

Assim, nos finais da década de 90, existia cerca de meia centena de centrais de incineração em Portugal, obsoletas, que funcionavam inadequadamente e sem qualquer controlo de temperatura, e de emissões atmosféricas ou das cinzas remanescentes.

A desadequação das estruturas de tratamento disponíveis, na década de 90, face às exigências de protecção da Saúde Pública e de preservação do Ambiente, determinou a necessidade de criação de um quadro legislativo específico que contribuísse para uma melhor triagem dos vários componentes deste tipo de resíduos e também para a viabilização do recurso às diversificadas tecnologias de tratamento que entretanto tinham surgido.

Perante esta situação, o Despacho n.º 242/96, de 13 de Agosto, do Ministério da Saúde, interveio com uma maior eficácia sobre o problema, apresentando uma nova classificação de resíduos hospitalares, garantindo uma separação selectiva na origem e permitindo o recurso a tecnologias diversificadas de tratamento, devendo este ser diferenciado, de acordo com o tipo de resíduo.

Na sequência do Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro, o qual preconizava a elaboração de planos sectoriais de gestão, foi publicado, em 1999, o Plano Estratégico dos Resíduos Hospitalares – PERH. Desde logo se sentiu a necessidade de investir na obtenção de uma informação mais completa, no que respeita aos quantitativos e caracterização da produção dos resíduos gerados nas upcs a seres humanos, dos sectores público e privado, e a animais.

Mas constata-se que, decorridos estes anos, não está feito ainda um completo diagnóstico da situação, no que se refere à caracterização das quantidades de resíduos hospitalares produzidos nas upcs, dos sectores público e privado, e na prestação de cuidados domiciliários.

Desconhece-se se em muitas das upcs a separação destes resíduos é ou não bem feita, como é efectuada a sua gestão interna, em que condições são tratados, em que locais são depositados os resíduos dos laboratórios de análises clínicas, clínicas médicas, clínicas de veterinária, entre outros.

Há, portanto, uma enorme carência na informação disponível relativamente à produção de resíduos hospitalares e aos factores que lhe estão subjacentes, insuficiência esta que dificulta a elaboração e selecção de estratégias de gestão eficientes, apontando, em si mesma, um caminho de investigação prioritário.

Os Serviços de Saúde Pública, abrangendo o exercício de Autoridade de Saúde, enquanto poder de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, na prevenção da doença e promoção e manutenção da saúde, pela prevenção dos factores de risco e controlo de situações susceptíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde da pessoa ou das populações, desempenham um papel importante na gestão do risco associado à produção de resíduos hospitalares, pelo que necessitam de indicadores para a monitorização dessa mesma produção.

Este trabalho tem como objectivo geral quantificar e caracterizar a produção dos resíduos hospitalares resultantes da prestação de cuidados de saúde, em seres humanos e animais nas unidades de saúde, do sistema público e privado, e na prestação de cuidados domiciliários, no Concelho da Amadora. Assim, quantificam-se e caracterizam-se os valores de produção destes resíduos relativamente a Hospitais, Centros de Saúde, Clínicas Médicas, Clínicas Dentárias, Lares para Idosos, Postos Médicos de Empresas, Centros de Hemodiálise e Clínicas Veterinárias, assim como a sua produção na prestação de cuidados domiciliários.

Procede-se também a uma análise comparativa das definições e classificações de resíduos hospitalares adoptadas pelos países da União Europeia.

Dado o papel que o quadro legislativo existente atribui ao exercício do poder de Autoridade de Saúde, analisam-se as consequências da sua intervenção em matéria de gestão integrada desses mesmos resíduos por parte das upcs no Concelho da Amadora, como contributo para a minimização do risco para a saúde e o ambiente associado a estes resíduos.

Apresentam-se também alguns contributos para a reflexão sobre uma eventual revisão do enquadramento legislativo, designadamente da classificação portuguesa, e referem-se alguns aspectos essenciais para uma maior eficiência dos procedimentos inerentes ao sistema de gestão integrada dos resíduos hospitalares.

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