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O SENTIMENTO NACIONAL EM PORTUGAL

6.1. O contexto internacional

Nas últimas décadas do século XIX, depois de um período de paz relativa, a Europa armava-se, como resposta a uma série de conflitos ocorridos em diversos pontos.238 Portugal, fortemente ligado à Inglaterra, seguia a política, em geral de neutralidade, desta última.239 A Inglaterra servia de garante à independência nacional, assegurando que os projectos de união ibérica, nomeadamente os promovidos pela esquerda espanhola240, não veriam a luz do dia. A aliança inglesa servia ainda de contraponto à aliança entretanto estabelecida entre a Espanha e a nova potência industrial da Europa, a Alemanha, mas restringia a autonomia portuguesa.241

A altura era propícia a projectos unionistas, defendendo muitos intelectuais, incluindo portugueses242, que as pequenas nações estavam condenadas ao desaparecimento. Era a época dos princípios sociais darwinistas243 que defendiam que a selecção natural se

237

Teles, Basílio (1968), Do Ultimatum ao 31 de Janeiro, Esboço de História Política, Lisboa, Portugália Editora, pp. 7 e 8.

238

Cf. Ramos, Rui (coord.), Bernardo Vasconcelos Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro (2009),

História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, p. 531. 239

“Diplomática e comercialmente, o pís permaneceu ligado à Inglaterra, cuja neutralidade nos conflitos europeus – tirando a Guerra da Crimeia (1854) – ajudou à neutralidade portuguesa.” Idem, ibidem.

240

Cf. idem, ibidem.

241

Cf. Freeland, Alan, “The People and the Poet: Portuguese National Identity and the Camões Tercentenary (1880)”, em Mar-Molinero, Claire e Angel Smith, Nationalism and the nation in the

Iberian peninsula, competing and conflicting identities, Washington D.C., Berg, 1996. 242

Como já vimos no Capítulo V, 5.6.5.2. Contribuição duradoura.

243

“Furthermore, the Franco-Prussian War seemed to usher in a new age of instability, in which the rule of international law was replaced by a social-Darwinist principle of struggle for existence.”, Freeland, Alan, “The People and the Poet: Portuguese National Identity and the Camões

aplicava também aos organismos que eram os Estados-nação. Na década de 70 Portugal parecia demasiado pequeno para conseguir sobreviver.

Os gastos com o exército eram elevados, mas Portugal era o país da Europa onde se cumpria menos o serviço militar.244 Havia ainda as despesas com a defesa das colónias, ouvindo-se cada vez mais vozes que, principalmente após o início da corrida europeia para África, defendiam a necessidade do país possuir aí mais efectivos e meios245.

África foi, a partir do início do interesse europeu pelo continente, o “(...) modo de encaixar Portugal no concerto europeu.”246, uma forma de aumentar a sua dimensão e a sua importância, afastando assim o perigo de ser aglutinado pela Espanha.

O país esperava que a potência global defendesse os interesses portugueses sempre que necessário, mas decepcionou-se quando esta última, em 1884, não conseguiu salvaguardar o seu domínio na foz do Zaire. Esta decepção com a aliança inglesa poderá ter sido, em última análise, a razão por detrás da elaboração do mapa cor-de-rosa, e não a pouco exequível construção de um império territorial africano muito acima das reais possibilidades portuguesas247.

Visto deste ponto de vista, poderia ter sido a resposta inglesa ao mapa cor-de-rosa, uma forma de reafirmar a condição da Inglaterra como potência global e a sua tutela sobre Portugal? Borges de Macedo248 defende que o ultimato veio mostrar à Grã-Bretanha que Portugal tinha alternativas no contexto pós 1870, em que se começava a tornar claro o fim da hegemonia britânica, com o aparecimento de novas potências na cena internacional249,

Tercentenary (1880)”, em Mar-Molinero, Claire e Angel Smith, Nationalism and the nation in the

Iberian peninsula, competing and conflicting identities, Washington D.C., Berg, 1996, p. 60. 244

Cf. Ramos, Rui (coord.), Bernardo Vasconcelos Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro (2009),

História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, p. 531. 245

Idem, pp. 561-565.

246

Idem, p. 550.

247

Esta é a hipótese aventada por Ramos: “O que se pretendia com o «mapa cor-de-rosa» (cor das áreas reivindicadas por Portugal no mapa)? Um império de costa a costa? Ou, simplesmente, proclamar o fim da «tutela inglesa»? Quase toda a gente admitia, como José Luciano de Castro em 1884, «possessões ultramarinas temos nós de mais para os nossos recursos».” Idem p. 551

248

Cf. Teixeira, Nuno Severiano (1990), Política externa e política interna no Portugal de 1890, Alfa, Lisboa, p. 70.

249

Com a ascendência industrial da Alemanha “A Inglaterra pareceu isolada e a sua ascendência em declínio. Entre 1870 e 1900, as importações portuguesas de origem inglesa desceram de 44% para 29% do total, enquanto as de origem alemã subiram de 2,8% para 16%. A França e a Alemanha tornaram-se a origem da maior parte do crédito ao governo português, e mostraram-se determinadas em fazer valer a sua influência.” Ramos, Rui (coord.), Bernardo

para além de lhe mostrar que poderia vir a perder um aliado. Considera o ocorrido como tendo sido uma semi-vitória inglesa e uma semi-derrota portuguesa.

Quanto ao documento propriamente dito, os ingleses denominam-no “memorandum” e os portugueses “ultimato”. Partindo de uma postura jurídica sobre o seu conteúdo, Teixeira, seguindo a opinião de Marcello Caetano, afirma que se este documento é, na sua forma, um memorando, encerra um ultimato no seu conteúdo.250 Considera, ainda, que do ponto de vista do direito o ultimatum foi uma derrota da política externa portuguesa.

Mas, analisando os acordos posteriores, nota-se uma moderação da posição inglesa, que já tinha feito valer o seu ponto de vista. De concreto, Portugal saiu da crise com a consciência clara de que a política africana era uma prioridade e permaneceu na cena internacional como uma potência colonial. Foi ao nível da política interna, como vimos, que o ultimato acabou por ter maior impacto, pela forma como afectou o sentimento nacional.

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