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As teses psicanalíticas, vigentes à época, interpretavam a emergência dos vínculos infantis como subsidiários da satisfação de necessidades básicas e

8 M,B 3 m M entra, saúda B, pega-lhe ao colo e sai E.

1.6. Antecedentes da Vinculação

1.6.2. O contributo da criança

Ao contrário, da resposta materna, o contributo da criança tem suscitado uma produção científica relativamente escassa. Os trabalhos que, de alguma maneira, centraram as suas preocupações nesta problemática, têm utilizado o constructo do temperamento infantil como base prioritária de abordagem.

O temperamento ou o estilo de comportamento da criança constitui um tópico de pesquisa retomado na década de 60 em ligação estreita com a controvérsia nature versus nurture. Efectivamente, a sua reintrodução no contexto do debate em Psicologia do Desenvolvimento teve a ver com as discussões acerca do papel dos factores genéticos e ambientais na constituição da personalidade dos indivíduos. Mais de trinta anos corridos, as polémicas permanecem acesas e são múltiplas as propostas teóricas. No entanto, parece hoje incontroverso que o temperamento forma-se a partir de uma conjugação de influências de carácter hereditário, maturacional e ambiental.

A hipótese de que a organização diferencial da vinculação seria, até certo ponto, o reflexo de disposições temperamentais foi levantada entre outros autores por Kagan (1984). De alguma maneira em consonância com tal posição, Vaughn Lefever et ai. (1989) observaram que diversas respostas

emocionais negativas na Situação Estranha estavam relacionadas com o temperamento.

Outros estudos chegaram mesmo a relevar associações mais importantes. Waters, Vaughn, et al. (1980), por exemplo, verificaram que os recém-nascidos avaliados aos 7 dias como mais irritáveis tendiam a ser maioritariamente classificados, ao ano de vida, no grupo C (inseguros- ambivalentes/resistentes). Da mesma maneira, Calkins e Fox (1992) mostraram que o grau de irritação revelado por bebés de dois dias à retirada da chupeta estava correlacionado com posteriores medidas de segurança. Estes resultados, na verdade interessantes, não deixam de suscitar algumas questões. Com efeito, a assunção de que a irritabilidade neonatal pode ser identificada como traço do temperamento permanece duvidosa. Sabe-se que naquelas idades tão precoces as características de irritabilidade tendem a ser pouco consistentes (Brazelton, 1981). Pode inclusive suceder que os próprios sinais de irritação fossem já consequência de atributos estáveis de um caretaking environment susceptíveis de afectarem, a montante, o desenvolvimento dos processos de vinculação.

Curiosamente, em ambos os trabalhos mencionados, os sujeitos eram maioritariamente oriundos de níveis sócio-económicos desfavorecidos. Ora, um outro estudo de Crockenberg (1981), realizado com sujeitos da classe média, não constatou exactamente as mesmas relações, verificando que, nas famílias com apoio social apropriado, a irritabilidade do recém-nascido não se reflectia, mais tarde, num aumento significativo do número de classificações dentro dos padrões inseguros.

A ideia de que o temperamento representará um factor crucial na determinação das estratégias de vinculação é desmentida pela circunstância de as classificações obtidas na Situação Estranha revelarem pouca estabilidade intra-individual quando as crianças são testadas em momentos diferentes com as respectivas mães e os respectivos pais (Grossmann, Grossmann et ai, 1981;

Main & Weston, 1981). Essa mesma ideia parece igualmente incompatível com os resultados de estudos de intervenção que, tendo produzido alterações do comportamento materno no sentido de uma maior sensibilidade interactiva, puderam verificar, em consequência, o aumento do número vinculações seguras nos bebés pertencentes às mães dos grupos intervencionados (van IJzendoorn, Juffer et ai, 1995).

Existe evidência de que as diferenças de temperamento não estão associadas aos padrões de vinculação definidos de acordo com a tipologia A, B e C (e.g. Belsky & Rovine,1987; Sroufe, 1985). No entanto, equacionar os dados a este nível é susceptível de nos dar uma imagem demasiado simplista do problema.

Matheny, Wilson et ai. (1987), por exemplo, consideram que o temperamento emerge desde do nascimento, " (...) as individual differences in reactivity and self-regulation. Reactivity includes such prominent features as motor activity and emotional activity (smiling or crying); self-regulation refers to processes that inhibit or enhance reactivity" (p. 324). Quer as componentes emocionais referidas à reactividade, quer os processos comportamentais relacionados com a auto-regulação envolvem aspectos valorizados na apreciação das estratégias de vinculação no contexto da Situação Estranha. O sorriso é um sinal de afiliação que o bebé utiliza para saudar a mãe nos episódios de reunião ou para comunicar com ela à distância. O choro, se intenso ou persistente, pode ter o valor de resistência. Também é possível perceberem-se analogias entre a inibição da reactividade e respostas como o evitamento. Há, por conseguinte, nas medidas do temperamento e da vinculação algumas zonas de sobreposição já que ambas avaliam a aspectos emocionais do comportamento da criança.

Ora, sabemos que na tipologia de Mary Ainsworth , o grupo B - Seguros - integra quatro subgrupos. Embora no essencial se caracterizem pela orientação preferencial à mãe (sempre utilizada como base segura de

exploração), acontece que, os subgrupos BI e B2 mostram algum evitamento para com ela e os B3 e B4 alguma resistência. Nesse sentido, Frodi & Thompson (1985), estudaram a expressão emocional das crianças classificadas na Situação Estranha em função de dois grandes grupos: o primeiro - A1/B2 - incluía as crianças classificadas nas categorias Al, A2, BI e B2; o segundo - B3/C2 - agrupava os sujeitos B3, B4, Cl e C2. Os resultados mostraram a existência de diferenças significativas, verificando-se que o segundo grupo (B3/C2) revelava, em comparação com o primeiro (A1/B2), reacções emocionais negativas mais frequentes e intensas.

Belsky & Rovine (1987) compararam as duas tipologias (A1/B2 e B3- /C2) em função dos dados obtidos anteriormente na NBAS durante avaliações feitas nas duas primeiras semanas de vida. Neste estudo, as observações do período neonatal estavam significativamente correlacionadas com as classificações da vinculação (aos 12 meses): A1-B2 infants displayed more autonomic stability than B3-C2 infants, (...) and the former infants (A1-B2) were more alert and positively responsive as newborn (p. 787). Avaliado, também, o temperamento infantil aos três meses através de questionários às mães, verificou-se que os bebés mais tarde classificados como A1/B2 tinham um temperamento considerado menos difícil.

Em síntese, as diferenças temperamentais não parecem estar associadas aos padrões de vinculação segundo a grande tipologia de Ainsworth (A, B e C), mas parecem ter alguma importância a nível da probabilidade ou da tendência de o indivíduo exprimir evitamento ou resistência.

Será possivelmente indispensável adoptar de futuro uma abordagem não reducionista que equacione as determinantes da qualidade da vinculação infantil numa perspectiva mais abrangente e compreensiva. Nesse sentido, Bremner (1994) comenta de forma incisiva: "There is already evidence that the form of attachment at one year can be predicted from the quality of the interaction between mother and infant those, interactions showing greatest

synchrony between one and nine months being predictive of secure attachment, while those showing asynchrony predicting insecure attachments. The tendency, however, is still to look for and hence to interpret the sources of synchrony or asynchrony in terms of maternal sensivity. But it has been shown that both maternal personality and infant temperament affect the quality of interaction. (...) there is evidence that interactional synchrony is contributed to by both partners in the exchange" (p. 223). Por conseguinte será mais realista considerar a segurança da vinculação como fenómeno determinado pelo modo como as variáveis da mãe e do bebé interagem umas com as outras.