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O contributo da Sociedade e da Família para a (Des)Igualdade de Género 42

No documento Ana Margarida Penha Alvanel (páginas 43-47)

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO 14

3. A Construção da Identidade de Género em idade Pré-Escolar 34

3.2. O contributo da Sociedade e da Família para a (Des)Igualdade de Género 42

Desde que nascemos, estamos sujeitos a um tratamento social diferenciado segundo o nosso género. Para Angers (2003, p. 83), “esse tratamento diferenciado tem um poderoso efeito na criança, pois é por meio dele que ela percebe tudo o que deve fazer para se conformar com o género masculino ou feminino.”

Seguindo a mesma linha de pensamento Cardona et. al. (2010, p. 10) afirmam que:

“Ainda que nos primeiros meses de vida as crianças de ambos os sexos tenham características físicas semelhantes, a mãe e o pai começam logo a construir o género do/a bebé: dão-lhe um nome, vestem-no/a de cores diferentes e criam um espaço físico de tal forma distintivo que é fácil para um/a observador/a externo/a adivinhar se o/a bebé em questão é do sexo masculino ou do sexo feminino.”

É de conhecimento geral que em qualquer sociedade as pessoas reagem de maneira diferente diante de crianças de sexos opostos, assim sendo podemos constatar

“(…) que o sexo, para além de um factor biológico, é também um factor social e cultural” (Cardona et. al., 2010, p. 10). As reações que as pessoas tendem a ter perante

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brinquedos e quando são feitos elogios e encorajamentos. De acordo com Rodrigues (2003, p. 11) “a aquisição pela criança de comportamentos normais de papéis de género é um aspeto fundamental do desenvolvimento e ajuste de toda a sua personalidade”. Desta forma, a criança aprende o que é aceite ou não e integra as

normas da sociedade, não unicamente por aquilo que lhe é dito, mas por aquilo que depreende dos seusgestos, expressões faciais ou atitudes das pessoas que a rodeiam.

A sociedade e principalmente, a família são agentes que continuam a educar de forma diferenciada os meninos e as meninas. Segundo Hoffman (1977), os pais dão permissão mais cedo aos meninos do que às meninas, por exemplo, para passarem a estrada sozinhos. Mas, por outro lado, verifica-se que ao nível de maturidade e de impulsividade as meninas estão mais preparadas do que os meninos da mesma idade.

Em relação à divisão das tarefas domésticas em casa também se consegue facilmente observar que as crianças de género diferente são elas próprias tratadas de

forma diferente; enquanto as meninas se encarregam das tarefas ditas mais “femininas”,

os meninos ficam com as tarefas mais “masculinas”, imitando desta forma os trabalhos quem veem serem realizados pelo pai e pela mãe. Como tradicionalmente se pensa ser correto, os pais educam as meninas para realizarem atividades dentro de casa e os meninos atividades que os levem a sair de casa. Ou seja, a mulher continua a ser educada para ser a responsável pela manutenção do lar enquanto o homem deve trabalhar fora de casa de modo a sustentar a família. Apesar da realidade atual contrariar esse estereótipo social de género, ainda são muitas as famílias que educam os seus/suas filhos/as da forma “tradicional”.

Seguindo esta ideia, Basow (1992) afirma que a divisão das tarefas em casa é propícia a transmitir aos filhos de ambos os sexos uma visão geral das principais funções que se espera que o homem e a mulher desempenhem no lar ao longo da vida adulta.

Para as crianças, os pais são vistos como modelos a seguir, assim sendo ao observarem os comportamentos do pai e da mãe no que diz respeito às tarefas a realizar no lar, estas aprendem diversas mensagens referentes ao género. Vieira (2007, p. 35) afirma que “as vivências familiares, ao nível da distribuição de responsabilidades reais, passíveis deobservação por parte da criança, constituem formas privilegiadas de transmissão de como deve ser ‘desempenhado’ o género por cada um dos sexos.”

Existe um processo de construção de papéis femininos e masculinos na sociedade que é refletido nas brincadeiras das crianças. Há distinção nas brincadeiras

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dos meninos e das meninas e a diferença é vista inicialmente nos brinquedos e a partir deles fazem-se as escolhas de brincadeiras por identidade de género. As meninas tendem a gostar de cor-de-rosa e brincam com bonecas enquanto os meninos gostam de azul e jogam futebol. As crianças têm preferência por brinquedos estereotipados para o seu próprio género mais do que brinquedos estereotipados para o género contrário ao seu. Nesta perspetiva, as crianças decidem se o brinquedo é “para meninas” ou “para

meninos”, apoiando-se nas suas conceções anteriores acerca de que brinquedos são

tipicamente escolhidos para meninas e que brinquedos são tipicamente para meninos. A partir daqui, para brincar começam a selecionar crianças do mesmo género porque estas estão interessadas nos mesmos brinquedos ou atividades. Vieira (2007, p. 26) refere que quanto à oferta de diferentes brinquedos às crianças a revisão da literatura aponta para o facto de “quanto mais típicos de género são os brinquedos oferecidos às crianças, mais prematuramente elas começam a aprender as diferenças entre homens e mulheres e a dar provas da estabilidade do seu género.”

A tendência da família para a desigualdade dos brinquedos inicia-se antes do nascimento das crianças, estendendo-se de forma mais significativa nos anos seguintes da infância. Vieira (2007, p. 27) relembra que “(…) o tipo de brinquedos oferecidos às crianças constitui, sem dúvida, um dos meios, através dos quais, se torna possível promover diferenças, a longo prazo, entre rapazes e raparigas.”

Block (1984) defende que os brinquedos oferecidos aos meninos desenvolvem neles uma maior criatividade do que os brinquedos oferecidos às meninas, uma vez que estes últimos já possuem uma finalidade prevista. Por exemplo, ao oferecer a uma menina uma boneca ou conjunto de cozinha está-se a oferecer algo que não necessita de imaginação ou de criatividade para começar a brincar; a criança já sabe o que pode e não fazer com aquele brinquedo. Por outro lado, quando se oferece uma caixa de legos ou de construções a um menino está-se implicitamente a oferecer algo que puxa pela imaginação e criatividade da criança, uma vez que a partir dos legos se podem construir diversas figuras ou cenários.

Bellotti (1975) garante que a desigualdade com base no género surge com clareza quando se fala especificamente de brinquedos. A autora expressa que existem brinquedos "neutros", considerados "próprios" tanto para o feminino como para o masculino. Esses mesmos brinquedos são muitas vezes encontrados nas áreas das salas de Jardim de Infância, por exemplo, fazem parte desse leque de brinquedos os jogos de construção, os puzzles, os quebra-cabeças, os jogos de encaixar, os instrumentos

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musicais, entre outros. Por outro lado, quando estão presentes brinquedos constituídos por elementos perfeitamente reconhecíveis e organizados, a autora assegura que se torna bem clara a dissemelhança.

A autora (1975, p. 75-76) refere que:

“Para as meninas existe uma vastíssima gama de objetos miniaturizados que imitam os utensílios caseiros, como serviços de cozinha e toilette, bolsas de enfermeira com termômetro, faixas, esparadrapo e seringas, dependências como banheiros, cozinhas completas com eletrodomésticos, salas, quartos, quartinhos para bebês, jogos para coser e bordar, ferros de passar, serviços de chá, eletrodomésticos, carrinhos, banheirinhas e uma série infinita de bonecas com o respectivo enxoval.

Para os garotinhos em geral os brinquedos divergem completamente: meios de transporte terrestre, navais e aéreos de todas as dimensões e de todos os tipos: navios de guerra, porta-aviões, mísseis nucleares, naves espaciais, arma de todo o tipo, desde a pistola de Cow-boy perfeitamente imitada até alguns sinistros fuzismetralhadoras que diferem dos verdadeiros apenas pela menor periculosidade, espadas, cimitarras, arcos e flechas, canhões: um verdadeiro arsenal militar.”

Quando brincam, as crianças devem escolher os objetos que lhes dão mais prazer de acordo com a sua curiosidade. As famílias não devem criar barreiras nos espaços dedicados à brincadeira, uma vez que acabam por ser os pais a categorizar os brinquedos, fazendo com que estes percam o interesse por parte das crianças, durante os momentos de divertimento. Muitas das vezes, estas categorizações de brinquedos feitas pelos pais, ou seja, o pensar que poderão existir tipos de brinquedos específicos para meninas e outros para meninos, está relacionado com a preocupação que estes possuem com a futura escolha sexual da criança. Os pais, os adultos, devem ser capazes de compreender que caso um menino escolha brincar com bonecas ou uma menina escolha brincar com carrinhos não indica que estes venham a ter uma orientação homossexual no futuro.

No documento Ana Margarida Penha Alvanel (páginas 43-47)