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CAPÍTULO I Evolução Histórico-doutrinária do Controle de Constitucionalidade das Leis no

1.1 O CONTROLE POLÍTICO DE CONSTITUCIONALIDADE

Controle político de constitucionalidade é aquele em que a verificação do

exame da constitucionalidade das leis é confiado a um órgão de natureza política, como o Poder Legislativo ou a um órgão especialmente criado para o mister.

Em princípio, o controle político é exercido a priori, em tese e erga omnes. De fato, exercido geralmente no momento da elaboração legislativa, na sua fase final, antes de ir à

sanção do Executivo, portanto, antes da publicação da lei, não atingiu ainda os casos concretos, por isso que exercido em caráter abstrato, podendo ser dirigido eficazmente contra todos.

Como exemplo de controle de constitucionalidade político, podemos citar o

sistema francês. É um tipo propriamente jurisdicional de controle de constitucionalidade das leis, admitindo, ao invés, apenas um tipo de controle de caráter puramente político, ou seja:

sempre foi tenazmente imposta nas Constituições francesas, embora concebidas como Constituições rígidas e não flexíveis.36 Todas as vezes em que, nas constituições francesas, se quer inserir um controle de conformidade substancial das leis ordinárias em relação à norma constitucional, este controle foi confiado, de fato, a um órgão de natureza, decididamente, não-judiciária. Assim aconteceu nas constituições dos dois Napoleões, isto é, a do ano VIII (13 de dezembro de 1799), a qual, nos artigos 25-28, confiava o controle ao Sénat Conservateur, e a de 12 de janeiro de 1852, a qual, nos artigos 25-28, confiava o controle ao Sénat; e, igualmente, aconteceu na Constituição da IV República, de 27 de outubro de 1946, que confiava ao Comité Constitutionnel um muito limitado poder de controle preventivo – isto é, exercitável apenas antes da promulgação – da legitimidade constitucional das leis. Nem muitíssimo diversa pode, enfim, ser considerada a solução adotada na Constituição da V República, de 4 de outubro de 1958, e até agora em vigor, que confia o controle de constitucionalidade sempre apenas em via preventiva, ao Conséil Constitutionnel .37

O sistema de controle de constitucionalidade, como ocorre com todos os modos de agir de cada cultura, é especialmente marcado e condicionado pelo contexto histórico – sociológico de cada país.

Na França percebe-se bem essa característica, o por quê da escolha do controle político e não judicial da constitucionalidade das leis. Vêem-se seus antecedentes na organização da ancien regime nos governos absolutistas que marcaram a atividade política daquele país. A justiça, sob os reinados absolutistas era exercida por mandatários dos reis, que a aplicavam segundo suas próprias diretrizes. Era venal no sentido literal da palavra. A distribuição de justiça era atividade paga, remunerada e aplicada consoante o talante dos nobres que a exerciam. Portanto, com a Revolução, aquelas injustiças praticadas e represadas no anseio popular foram extravasadas. Confiou-se absolutamente à Assembléia Popular o seu exercício, além da tarefa

36

COLLIARD, Claude-Albert. Libertes Publiques. 5ªed. Paris: Dalloz. 1989, p 35. 37

ABRAHAM, Henry J. The Judicial Process: an introductory analysis of the courts of the united states,

específica de fazer as leis. Por isso, os juízes não poderiam sequer interpretar as leis, mas aplica- las tal e qual continham nos textos legislativos aprovados pela assembléia do povo. Razão pela qual só quem provoca o controle de constitucionalidade na França até hoje é a Assembléia do Povo, que delega tal poder ao Conséil Constitutionnel, antes da sua sanção. Aos juízes cabe simplesmente aplicar a lei sancionada, sem poder recusar a sua efetividade tal qual vem determinada nos textos de lei.

Às razões históricas da solução tradicionalmente adotada na França acrescentam-se as razões ideológicas, de resto, estreitamente ligadas às primeiras. Basta pensar em Montesquieu e na doutrina da separação dos poderes, doutrina que, em sua mais rígida formulação, foi não erradamente, considerada absolutamente incompatível com toda possibilidade de interferência dos juízes na esfera do poder legislativo, visto, além disto – especialmente por força dos desenvolvimentos rousseaunianos daquela doutrina – como a direta manifestação da soberania popular. Daí, aquela “hostilidade que na França [...] sempre se nutriu contra a idéia de que os atos dos órgão superiores, e sobretudo das Assembléias parlamentares, representativas da soberania nacional, fossem submetidos a controle” por parte dos juizes...38

Bastam incursões à célebre obra do Barão de Montesquieu e Sécondat, e ao Controle Social, de Jean Jacque Rousseau, para se aferirem as razões ideológicas que afastaram também o controle judicial na questão da validade e constitucionalidade das leis, especialmente no momento de sua aplicação aos casos concretos pelos juízes, que deveriam se restringir aos bouches de la lois – boca da lei, tão só.

No Espirit des Lois, Monstesquieu não admite interferência de um poder sobre outro, estabelecendo a rígida separação dos poderes, enquanto seria intolerável, na doutrina rousseauniana a interferência de órgãos de inferior hierarquia nas decisões da assembléia popular soberana.

...Naturalmente, na solução que prevaleceu, na França, também razões práticas se unem àquelas, históricas e ideológicas, há pouco consideradas. Certo é que as instituições jurídicas tendem, necessariamente, adequar-se às urgentes e mutáveis exigências da vida prática, às vezes, na verdade, com defasagens de excessiva antecipação ou, mais freqüentemente, de excessivo atraso, em relação ao evolver daquelas exigências. Evidentemente, a exigência prática prevalente, sentida na história

38

CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 98

francesa de mais de um século e meio até hoje, foi a de assegurar, especialmente mediante o glorioso instituto do conseil d’Etat, uma tutela contra as ilegalidades e os abusos do poder executivo, e também, especialmente através da Cour de Cassation, contra as ilegalidades do poder judiciário, antes que a de assegurar uma tutela contra os excessos do poder legislativo. E, até, quando, com a Constituição de 1958, se quis por um fortíssimo limite aos poderes do Parlamento, isto se fez aumentando os poderes do Executivo e sobretudo os do Chefe de Estado, antes que os do Judiciário.39

Ainda que razões de ordem prática fossem alegadas no estabelecimento do controle político da constitucionalidade das leis, vê-se no fundo, sempre a aversão prática à idéia de submeter aos juízes o controle das práticas ilegais até do parlamento. Prefere-se, como na reforma da Constituição da quinta República, aumentar-se o poder do executivo a outorgar ao judiciário o exame de ilegalidades. É forte naquele País o preconceito histórico de repúdio aos juízes, que, sequer, são lá considerados como um dos Poderes do Estado conforme previa Montesquieu. São apenas tratados na Constituição Francesa, como uma autoridade judiciária vinculada ao poder executivo, que compartilha a qualidade de poder apenas com o legislativo.40

Com efeito, prevê o texto da atual constituição francesa a existência de um Conselho Constitucional, que se pronunciará, quando argüido por órgãos políticos, sobre a constitucionalidade de lei aprovada pelo Poder Legislativo. O momento de sua pronunciação é aquele imediatamente anterior à fase de publicação do ato legislativo, sanção do Presidente da República, portanto, a priori ou preventivo. Se for proclamada a sua inconstitucionalidade, este parecer será acatado pelo Executivo que, então, vetará a matéria; ao revés, se o parecer do Conselho Constitucional for pela constitucionalidade da lei, esta será sancionada e publicada. Não é admitida, posteriormente, qualquer argüição de inconstitucionalidade da lei perante os órgãos judiciais.

Bem verdade que, como acentua Mauro Cappelletti, cada país adota o sistema que lhe impôs a sua história. Mais do que vontade livre de cada eleitor ou constituinte, esta marca registrada é aplicada pelos acontecimentos históricos que marcaram aquele povo, aquela nação

39

CAPPELLETTI, op. cit., p. 96-9. 40

FRANÇA. Constituição Francesa, art. 64. Journal Officiel de la République Française. Paris. 1119. p. 217. 1995.