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II. 2 Trabalho Empírico: produção e classificação dos indicadores

II. 3- O Corpo de Dados e o Cruzamento de Variáveis

A partir da ficha sintética que caracteriza cada um dos sujeitos pesquisados, foi possível relacionar um conjunto de variáveis que permitiam compreender melhor o universo investigado.

A idade dos sujeitos pesquisados variou entre 9 a 13 anos de idade. Já dos responsáveis, a idade não foi um fator ressaltado, apenas que os mesmos inseriram no mercado de trabalho numa idade bem parecida com a de seus filhos.

A idade com que as crianças e os adolescentes iniciaram suas atividades laborais variou de cinco a treze anos. Quanto às horas de trabalho, variou de três a oito horas diárias, sendo que seis trabalhavam cinco dias na semana, dois trabalharam três e três somente quando eram chamados. O fator tempo de trabalho variou de três meses a três anos, sendo constatado, na pesquisa, que o tempo maior de trabalho foi de 3 anos, numa proporção inversa à idade atual, que hoje é de 9 anos.

Quanto à procedência das crianças e dos adolescentes, a maioria é nascida na cidade de Ipatinga-MG, mas seus pais têm origem migrante. Dos responsáveis que não nasceram em Ipatinga, a maioria imigrou para essa cidade em busca de trabalho. Os mesmos vieram de cidades vizinhas.

O grau de escolaridade variou da a 3ª a 7ª série do ensino fundamental, no que se refere à criança e ao adolescente. Quanto aos responsáveis, o grau de escolaridade variou da 3ª série do ensino fundamental ao ensino médio completo, sendo este último o caso de apenas um dos responsáveis. Em todos os casos os envolvidos estudaram em escola pública. A maioria deles tinha finalizado seus estudos no ensino fundamental.

No que se refere aos indicadores materiais, em primeiro lugar, a renda apresentada variou de meio a dois salários mínimos vigentes, sendo tal renda fruto de trabalho informal. Apenas um caso encontra-se dentro do trabalho formal, no qual é assinada a carteira; os outros vivem de uma renda informal, como já citado. Todas as famílias são requerentes de benefícios sociais e alguns contam com a ajuda de terceiros, como parentes, vizinhos, igrejas. Essa renda apresentada é adquirida sem a

ajuda das crianças e dos adolescentes, pois quando estes estavam trabalhando, ganhavam na faixa de 30 a 200 reais mensais. Segundo informações deles, era destinada para ajuda nas despesas da casa e para uso próprio. Atualmente, tal ajuda vem da bolsa repassada pelo PETI. Tais benefícios passaram a determinar um lugar central na composição da renda familiar.

Em relação à situação habitacional, a maioria reside em casas próprias ou cedidas por parentes e há dois casos de aluguel. Tais residências têm a estrutura básica para abrigá-los, sendo muito pequenas. A maior delas tem sete cômodos, mas a maioria é de 2 a 3 cômodos, piso de cimento grosso e telha de amianto. Quanto ao bairro em que residem, mostrou-se uma infra-estrutura boa, como água encanada, rua pavimentada, energia elétrica, lixo coletado e outros. Todos os participantes residem na zona urbana.

A maioria dos entrevistados refere-se ao bairro em que moram de uma forma positiva no que se refere à sociabilidade com outras pessoas e com o cotidiano vivenciado na localidade. Sobre o relato acima, Nunes (2003) comenta: “Neste sentido destacamos a importância das redes familiares... esse imaginário concretiza-se na “Casa da Família”, em direção à qual retornamos sempre que necessário e sobre o qual falamos com freqüência, principalmente quando estamos longe” (Nunes, 2003, p.48).

Porém, alguns casos ressaltaram violências, casos de dependência química no dia-a-dia, o que traz para essas pessoas um desconforto quanto à segurança. Essa afirmação foi focada devido à maioria dos participantes morarem em bairros periféricos, tendo as mesmas características quanto à estrutura e quanto a como se efetiva a sociabilidade. Até no único bairro que não é considerado periférico os problemas sociais são relatados como iguais aos dos bairros que ficam à margem do centro. Apesar de bem centralizado, esse bairro é estereotipado como um bairro de classe social menos favorecida, no que se refere ao fator econômico, habitacional e devido ao tipo de relação estabelecida com outro, baseada numa comunicação mais próxima, numa rede de solidariedade, representada como uma família extensa, que conta com interferência de vizinhos, igrejas e parentes na sua dinâmica familiar; algo

bem característico nos bairros periféricos do município, bem como retrata algumas literaturas sobre a família e a representação sobre localidade.

No que tange à relação interfamiliar (dentro da família), mostrou-se uma convivência boa entre os membros, com diálogo e respeito, sendo ressaltados conflitos que, segundo a dinâmica familiar, não atrapalham as relações como um todo. Aqui parece ser reforçado pelo velho ditado que “família é à base de tudo”, expressão usada quando se quer ressaltar a dimensão estruturante, como a sustentabilidade biopsicossocial do indivíduo, o berço da socialização.

A narrativa de um responsável parece reforçar esta idéia. Para ele: “a convivência é a melhor possível, conversamos bastante, de vez em quando rola uns ciúmes entre as irmãs, mas nada que descontrole nossa harmonia”.

Para Nunes (2003), “a família define os códigos, entendidos como um conjunto de indicadores, que definem a hierarquia social dos indivíduos. É um lugar que representa a convivência do imaginário e do simbólico, sendo seu caráter dotado pelo tempo e pelo espaço” ( Nunes, 2003, p.54).

Essa colocação parece bem representada quando se tem claro o papel que cada indivíduo desempenha dentro de sua família, sem haver trocas de papéis, respeitando uma hierarquia. Porém, muitas vezes, a hierarquia nessas famílias envolvidas na pesquisa acontece às avessas, pois os códigos indicadores da “normalidade” não funcionam quando um membro da família, por um significado qualquer dado por ela, desempenha um papel que hierarquicamente foge dos parâmetros do que é considerado “normal”, ou seja, quando um filho sai de seu papel de filho e vai para o papel de pai. Apesar das literaturas e de algumas culturas nomearem certas funções que o indivíduo deve desempenhar, somente o significado construído dentro da família vai posicioná-lo quanto à necessidade.

Quanto à ocupação, as crianças e adolescentes trabalhavam em atividades definidas como comércio ambulante (feirante, vendedores de picolé e outros), catadores de latinha, vigias de carro e trabalho doméstico. No entanto, constatamos que nenhuma delas deixou de freqüentar a escola formal, apesar de apresentarem

cansaço físico e dificuldade de acompanhar as atividades escolares. Tal prerrogativa está presente no relato de algumas crianças e/ou adolescentes e seus responsáveis:

Criança A. 1 – “De vez em quando eu ficava cansada e não fazia os trabalhos que a professora pedia, então, ela deixava eu trazer depois”.

Criança A. 2 – “Não tenho problema na escola, nunca me atrapalhou em nada”.

Responsável A – “A criança A.1, antes de entrar no PETI, não prestava atenção na aula, tinha muita dificuldade, já a criança A.2, nunca teve problema em acompanhar as atividades escolares, somente o seu comportamento que é triste. É muito levada, mexe com todo mundo...”.

Para essas crianças, o trabalho não atrapalhava necessariamente na escola, mesmo tendo uma baixa no rendimento escolar, no caso de alguns participantes da pesquisa. Segundo os mesmos, o trabalho às vezes deixava-os cansados e trazia um desânimo para ir à escola, como o caso da criança A.1, que quando estava cansada, não prestava atenção nas aulas, comprometendo o seu rendimento escolar. Já a criança A 2 alega que o trabalho nunca atrapalhou na escola, nem o cansaço comprometia seu rendimento. Esses discursos foram reforçados na fala do responsável pelas crianças, acrescentando que a inserção de suas filhas no PETI melhorou o desempenho escolar da criança A.1 e o comportamento da criança A .2 , que era muito agitada.

Outras falas selecionadas nos mostram como era a relação trabalho e escola:

Adolescente B – “Não tenho muita dificuldade para aprender, apenas alguns trabalhos que eu fazia me deixava cansado’”.

Responsável B – “Não prestava muita atenção na escola e era muito agressivo em casa. Isto antes do PETI, depois melhorou na escola e dentro de casa”.

Nesse caso, também para o adolescente B o trabalho não atrapalhava na escola, dizendo que em alguns dias sentia cansaço e acabava não prestando muita atenção nas aulas, o que comprometia suas tarefas escolares. Sua mãe disse que depois do PETI, o filho ficou mais comprometido com a escola, pois quando trabalhava e sentia-se cansado não prestava atenção na aula. Além disso, melhorou sua agressividade em casa, parando de responder mal a mãe, tendo mais diálogo com todos em casa.

Uma série de relatos dos outros entrevistados aproxima-se dos mencionados acima, reforçando que, apesar da criança e do adolescente sentirem cansaço, dependendo da atividade que desenvolviam, elas não pararam de estudar. Porém, depois da inserção no PETI, melhoraram o desempenho escolar e o comportamento.

O cansaço relatado por algumas crianças era cansaço físico, elas reclamavam dores nas pernas, nos braços, e não um cansaço por estarem trabalhando, como se um trabalho fosse um fardo, até porque demonstraram que gostavam de trabalhar.

Para eles, esse cansaço foi substituído com a inclusão no PETI, principalmente no que tange à mudança de comportamentos, e que por meio das oficinas sócio-educativas estão aprendendo a se comportarem frente a diversas situações. Além disso, há uma melhoria na escola formal, que aliada ao reforço escolar, que faz parte da agenda pragmática do PETI, vem ajudando a criança e o adolescente no processo de aprendizagem. As frases selecionadas ilustram o relato acima:

Criança C – “Gosto de ficar no PETI, pois além de aprender coisas novas, não fico cansado como ficava quando trabalhava”.

Criança A – “No PETI a gente não cansa, como eu de vez em quando cansava no trabalho. Lá no PETI, a gente brinca, tem ajuda nos deveres da escola, é muito bom”.

O desempenho escolar é um ícone em relação à proposta da Jornada Ampliada quanto ao reforço escolar. O que está sendo realizado no PETI não é concretamente o reforço escolar e sim uma intervenção direta no processo de aprendizagem. Algo que deveria ser responsabilidade da escola. Não queremos, com isso, responsabilizar a escola, ou melhor, a estrutura do ensino público, pois sabemos que outros fatores biopissiosociais fazem parte do processo de aprendizagem.

Conforme colocado anteriormente, Rizzini (2003) traz essa questão da disposição física para ir à escola, pontuando que certas atividades laborais prejudicam o desempenho escolar, devido ao gasto de energia que se tem, o que pode comprometer quanto à oportunidade de melhores colocações futuras no mercado de trabalho, reflexo da baixa escolaridade (RIZZINI apud CANELA & FESTA, 2003, p. 62).

A partir da inserção no PETI, houve um avanço no desempenho escolar que foi relacionado, por muitas crianças e adolescentes desta pesquisa, ao fato de estarem com mais disposição física e por terem ajuda. “Estou com menos preguiça de estudar, até porque no PETI tenho ajuda”.

Para os nossos participantes, também é claro o quanto o desempenho escolar melhorou, mas é importante focar que as crianças e os adolescentes investigados não podem ser generalizados na referência que traz a educação como a principal forma de erradicar o trabalho infanto-juvenil. Afinal, essas crianças não tomaram o trabalho como fator prejudicial à escola e sim os tipos de trabalho, às vezes exaustivos, que contribuíam para um cansaço físico, tendo como conseqüência a falta de disposição para estudar.

Todas as técnicas utilizadas foram testadas a fim de justificar ou refutar as hipóteses preliminares levantadas acerca do problema proposto na pesquisa. É importante ressaltar que na análise de dados procuramos classificar a qualidade dos

aspectos pesquisados quando pertinentes, de acordo com a sua adequação na proposta que concerne o PETI.

Após a construção desse acervo de dados, utilizamos a análise de conteúdo, a fim de interpretar os dados obtidos.